Mundo ficciónIniciar sesiónAquele dia não foi um dos melhores pra mim na empresa. Eu tentei manter o foco, revisar relatórios, atender reuniões e responder e-mails, mas minha mente estava em outro lugar.
A doença do meu pai era como um peso no meu peito o tempo todo — e, por mais que eu tentasse, não conseguia ignorar a imagem dele dizendo que queria segurar um neto nos braços antes de partir.
E, pra completar, Soo-ah não saía da minha cabeça.
A imagem dela vasculhando o lixo atrás de comida, com os cabelos desgrenhados, os olhos grandes e assustados… e ainda assim tão doces… era impossível esquecer. Ela estava passando pelos mesmos problemas que eu: um pai doente, responsabilidade demais nos ombros. Só que, diferente de mim, ela não tinha nada. Nem teto. Nem conforto. Nem segurança.
Aliás, conforto era algo que minha empresa fornecia — pelo menos para os nossos clientes. Eu sou CEO da GeumSeong Living, uma empresa especializada em design de interiores de alto padrão e soluções inteligentes de automação residencial.
Criamos ambientes personalizados, com tecnologia de ponta: casas que respondiam à voz, iluminação que se ajustava ao humor, móveis projetados sob medida por designers premiados, tudo com foco no bem-estar, luxo e sustentabilidade.
Foi ideia do meu pai, claro. Ele começou pequeno, fazendo móveis em uma oficina simples, e com o tempo foi ganhando notoriedade entre os ricos e famosos de Seul.
Depois vieram os contratos com hotéis de luxo, condomínios fechados e clientes internacionais. Ele me passou a liderança quando eu completei trinta anos — disse que confiava em mim para continuar o legado e elevar a GeumSeong a um novo patamar.
Mas naquele dia, nem os gráficos de crescimento, nem as campanhas de marketing de última geração me empolgavam.
Eu estava cansado de reuniões. Cansado de pensar em lucro.
E, pela primeira vez, me perguntei se toda essa riqueza fazia algum sentido, se eu não poderia usá-la para algo... maior.
Algo como... ajudar alguém.Soo-ah, por exemplo. Ela precisava de ajuda.
Mas será que eu podia fazer isso sem me envolver demais? Sem perder o controle?
Talvez fosse hora de descobrir.
De minha sala pedi um café para a minha secretária.
Quando ela mesma apareceu trazendo a bandeja com a xícara, fiquei surpreso.
— Cadê a mocinha que serve o café?
— Ela se demitiu, senhor. Mas já vamos começar as entrevistas para outras candidatas — respondeu Go-eun, com aquele tom calmo e prático que ela sempre usava.
Go-eun já estava com seus quase quarenta anos. Casada, mãe de dois filhos adolescentes e com um olhar sempre atento aos mínimos detalhes. Ela trabalhava na empresa havia quase dez anos, e mesmo que o cargo dela fosse de secretária executiva, seu papel ia muito além disso. Ela conhecia toda a dinâmica da empresa, os humores dos diretores, as preferências dos clientes importantes e até os momentos em que eu precisava de silêncio — ou de alguém com quem conversar.
— Um cafezinho vai me fazer bem, Go-eun — falei, pegando a xícara, o aroma forte e amargo tentando me tirar daquela espiral de pensamentos.
Ela me observou por alguns segundos, e depois disse com voz mais suave:
— O senhor não está bem, não é?
Eu respirei fundo, apoiando os cotovelos na mesa.
— Meu pai não está bem.
Go-eun fez um leve movimento com a cabeça, compreensiva. Não disse nada logo de cara, como quem entende que há dores que precisam de espaço para serem digeridas no silêncio.
— Se precisar se ausentar por uns dias, eu posso manter tudo em ordem por aqui. E se quiser que a equipe de comunicação prepare algo discreto para a imprensa, sobre sua ausência, também posso providenciar.
— Obrigado... mas por enquanto, não. Ainda não.
Ela assentiu, respeitando minha decisão.
Quando já se preparava para sair, hesitei, e a chamei de volta:
— Go-eun... se eu quisesse contratar alguém fora dos moldes tradicionais, para um cargo... digamos, mais informal, você saberia como fazer isso discretamente?
Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa, mas manteve a elegância.
— Depende do tipo de cargo e do tipo de pessoa, senhor. O que exatamente o senhor está pensando em contratar?
— Ainda estou pensando. Mas quando eu decidir, quero contar com a sua descrição.
Ela sorriu de leve, cúmplice.
— Sempre, senhor.
Ela se retirou.
Acabei de tomar o café, e fiquei por alguns minutos com o olhar perdido, mergulhado em pensamentos que se entrelaçavam: meu pai, seu pedido delicado, e... Soo-ah. A imagem dela naquela noite fria, com o rosto manchado de neve derretida e os olhos cheios de uma dignidade silenciosa, insistia em ocupar um lugar constante em minha mente.
De repente, vozes agitadas me tiraram do transe. Vinham do lado de fora da minha sala.
A voz de Go-eun estava alterada. Alta. Tensa. O que era absolutamente incomum.
Go-eun era conhecida por sua paciência quase monástica, por sua diplomacia e por saber contornar situações com a elegância de uma dama da corte. Mas agora… ela discutia. E com quem?
Fui até a porta e a abri apenas o suficiente para observar sem ser visto. E o que vi fez meu coração dar um salto.
Era ela.
Soo-ah.
Ali mesmo, em frente à minha sala. A última pessoa que eu imaginaria ver naquela manhã caótica, de todas as pessoas possíveis.
Ela estava visivelmente nervosa, mas decidida. Tinha o jornal amassado nas mãos — reconheci o exemplar do “Seoul Ilbo” — e, pelo que entendi da conversa acalorada, ela estava ali por causa da vaga da moça do café, que havia se demitido.
— Eu vi o anúncio no jornal, senhora! — Soo-ah dizia, com a voz firme, mesmo que as mãos tremessem um pouco. — E não dizia que precisava de endereço fixo! Eu posso aprender, eu sou esforçada!
— Senhorita, isso aqui é uma empresa séria, não um abrigo — respondeu Go-eun, ainda tentando manter a compostura, mas sem esconder sua irritação. — Você não pode simplesmente aparecer e achar que pode trabalhar aqui só porque quer.
— Eu não “achei” nada. Eu vi a vaga, e vim tentar! Eu preciso disso… por favor…
Ela parecia estar à beira do desespero, mas segurava as lágrimas com orgulho.
Meu peito apertou. Parte de mim queria continuar escondido, apenas observando. Mas outra parte, a que vinha crescendo dentro de mim desde o instante em que a conheci, me empurrou adiante.
Abri a porta.







