Mundo de ficçãoIniciar sessãoMeus irmãos ficaram muito felizes com a comida que eu levei para eles naquela noite.
Com os olhinhos brilhando de alegria, devoraram cada pedaço como se fosse o maior banquete do mundo — e, para nós, era mesmo.
Ver os dois dormindo depois, com as barriguinhas cheias e sorrisos tranquilos, me trouxe uma paz que eu já não sentia há tempos.Meu pai, no entanto, não comeu muito. Estava pálido, cansado, e a cada dia sua respiração parecia mais pesada.
A cirurgia precisava ser feita com urgência, mas a realidade dura nos prendia como algemas: sem dinheiro, sem recursos, sem esperança visível.— Como conseguiu esse maravilhoso banquete? — ele perguntou, com a voz fraca, mas um leve sorriso curioso.
— Um príncipe me pagou a refeição e mandou arrumar para trazer um pouco para as crianças e o senhor.
— Um príncipe? — Ele riu baixinho, tossindo logo depois. Mesmo assim, o sorriso continuou ali. — E como era esse príncipe?
— Parecia ter saído de um K-drama. Lindo, lindo, lindo. E é bondoso, pai. Ele falou comigo como se eu fosse alguém... como se eu importasse.
— Um homem assim... só pode ser um presente do destino — disse ele, ainda sorrindo, mas com um brilho nostálgico no olhar. — E você, minha filha, merece todos os presentes que a vida te negar até hoje.
Suspirei, sentindo um aperto no peito.
— Mas um príncipe daqueles, pai... a única coisa que sentiria por mim ao me olhar seria pena.
— Você é linda, minha filha. Só não teve sorte... só teve o azar de ter nascido minha filha, e filha da sua mãe.
— Não fale assim, pai — falei, sentando ao lado dele e abraçando seus ombros frágeis. — O senhor sempre foi o melhor pai do mundo. Infelizmente, eu não posso dizer o mesmo da mamãe, mas o senhor... o senhor é tudo pra mim.
Ele encostou a cabeça no meu ombro, exausto.
— Pai, nós vamos sair dessa — disse eu, determinada, como se minha voz pudesse criar caminhos onde não havia nenhum. — Eu vou arrumar um jeito. Vou fazer o impossível se tornar possível. Prometo.
E naquele instante, com meu pai em silêncio nos meus braços e o som da respiração tranquila dos meus irmãos ao fundo, eu soube que faria o que fosse necessário. Por eles. Pela nossa sobrevivência. E talvez... com um pouco de sorte, até mesmo com a ajuda daquele príncipe inesperado.
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Pela manhã, ali na cabana improvisada no galpão abandonado, acordei com o som abafado da respiração do meu pai. Ele se contorcia de dor, os olhos semicerrados, e a mão apertando o peito. Seu rosto estava pálido, mais do que o normal, e suor escorria pelas têmporas.
— Pai?! Pai, fala comigo! — gritei, segurando seu corpo mole nos braços.
Meus irmãos acordaram assustados com o barulho, e ao verem a cena, começaram a chorar. O menor, Min-jun, se encolheu num canto, soluçando, e Hana se agarrou à barra da minha blusa com força.
— Soo-ah, o appa vai morrer? — ela perguntou com a voz tremendo.
Meu coração disparou. Não podia deixá-lo morrer. Não ali. Não assim.
Corri para fora do galpão, os pés descalços na neve, gritando por ajuda pelas ruelas sujas e apertadas que cercavam o beco.
— Por favor, alguém me ajude! Meu pai está passando mal! Por favor, chamem uma ambulância! — minha voz rasgava o ar frio da manhã, rouca, desesperada.
Algumas pessoas se aproximaram. Trabalhadores que passavam a caminho de seus empregos, vendedores ambulantes, curiosos. Uma mulher de meia idade veio até mim, ofegante.
— Onde ele está? — ela perguntou com urgência.
— Ali, no galpão! Me sigam, por favor!
Corremos de volta. No meio do grupo que me seguia, uma moça mais jovem, vestindo um casaco branco e tênis sujos de neve, ajoelhou-se ao lado do meu pai sem hesitar.
— Sou enfermeira. Vamos mantê-lo estável até a ambulância chegar. Ele está tendo uma crise grave, parece angina ou algo cardíaco. Precisamos de um cobertor. Alguém? Qualquer coisa pra aquecê-lo!
Corri até o canto da cabana e peguei a manta fina que usávamos durante a noite. Cobri meu pai, que estava com os olhos entreabertos, tentando falar algo.
— Fique calmo, appa. Fique comigo... — segurei sua mão com força.
A enfermeira fez massagens leves no peito dele, checou sua pulsação, orientou a respiração.
Alguns minutos depois — os mais longos da minha vida — a sirene da ambulância ecoou, cortando o silêncio da manhã gelada.
Eles o colocaram em uma maca e o levaram rapidamente, mas permitiram que eu fosse com ele. Olhei para trás, para Hana e Min-jun, assustados e abraçados um ao outro. Uma vizinha do beco, que morava em uma barraca próxima, prometeu ficar com eles até eu voltar.
Entrei na ambulância com o coração aos pulos, segurando a mão gelada do meu pai.
Eu só queria uma coisa naquele momento: que ele aguentasse. Que sobrevivesse.
E que, de algum modo, o mundo nos desse mais uma chance.







