2- Janete

Janete Narrando

Quando passamos pela entrada do morro e fomos liberadas pelos caras, o clima começou a mudar. A rua estava cheia de vida. O som pesado do funk já estava no ar, e as luzes coloridas que piscavam nas paredes do morro criavam um cenário único. O cheiro de comida de rua misturado com o suor e a energia da galera dava uma sensação de que essa noite seria inesquecível, para o bem ou para o mal.

Eu não estava exatamente empolgada, mas algo naquele ambiente me dava uma sensação estranha, como se estivesse saindo da minha zona de conforto, mas sem perder minha essência. Nath, ao meu lado, estava toda sorridente, como sempre. A mulher estava em seu elemento. Ela adorava esse tipo de coisa, e, honestamente, eu não sabia se ela estava mais empolgada com a festa ou por me ver saindo com ela.

A cada passo que dávamos, mais pessoas apareciam. Jovens de várias idades, todos com um brilho nos olhos, rindo e conversando como se o baile fosse o único lugar que importasse. O ritmo da música batia forte, acompanhando as batidas dos nossos corações. Eu sentia a vibração por todo o meu corpo, algo que eu não sentia há tempos. Não era o tipo de festa que eu costumava ir, mas talvez fosse exatamente isso que eu precisava para sair da rotina.

Nath me puxava, me guiando por entre as pessoas, sempre rindo, sempre cheia de energia. Eu ia observando o lugar, reparando nos rostos, nas expressões, e na maneira como a galera se comportava. Era claro que ali as regras eram outras. Não tinha aquele tipo de formalidade que eu estava acostumada. As pessoas pareciam se deixar levar pelo momento, como se a única coisa que importasse fosse aquele instante.

Quando chegamos mais perto da pista de dança, as luzes ficaram mais intensas, os corpos mais próximos. Nath me deu uma olhada de canto de olho e sorriu de um jeito que eu sabia que estava prestes a me arrastar para o meio daquela multidão.

— Vai logo, Janete. Sente a vibe, menina! — ela exclamou, praticamente me empurrando para dentro do círculo de dançarinos.

Olhei ao redor, hesitei por um segundo. Não estava acostumada a me jogar assim, sem pensar. Mas algo no ambiente estava me atraindo, como se estivesse me convidando a ser quem eu sou, sem me preocupar com o que os outros pensam. Suspirei fundo e entrei. As batidas da música eram pesadas, e as luzes piscavam, me fazendo sentir uma sensação estranha de excitação e liberdade. Olhei para Nath, que já estava se divertindo, dançando com os outros, e resolvi me entregar. Movi meu corpo, acompanhando o ritmo, sentindo cada movimento se encaixar, como se a dança estivesse me liberando de algo que eu nem sabia que estava preso.

A noite estava apenas começando, e já podia sentir que seria diferente de todas as outras. Talvez eu tivesse vindo para mais do que só ver como era o baile. Talvez estivesse buscando mais, uma parte de mim que há muito tempo estava escondida. Eu não sabia o que o destino me reservava, mas naquele momento, eu estava disposta a descobrir.

A música estava no auge e eu estava começando a sentir os efeitos da bebida, meu corpo se soltando um pouco mais do que eu esperava. Os ritmos pesados faziam meu coração pulsar no mesmo compasso, mas a embriaguez foi me deixando tonta. Olhei para os lados tentando me concentrar, sentindo a vibração da pista ao meu redor, mas meu foco foi interrompido quando um homem apareceu à minha frente.

Ele tinha uma presença forte, imponente. Não só pela altura, mas pela maneira como ele caminhava, com um andar tranquilo, mas cheio de autoridade. Seus olhos eram intensos, negros como a noite, e ele tinha uma tatuagem que ia do pescoço até o peito, visível por baixo da camiseta justa. Aquele cara claramente sabia o que queria e parecia ter a confiança de quem já soubera conquistar tudo o que desejava.

Ele parou na minha frente, e antes que eu pudesse me afastar, ele se inclinou levemente, cumprimentando-me com um sorriso provocante, como se já me tivesse desvendado de longe.

— E aí, morenona. Tu é muito mais interessante do que a maioria aqui, sabia? — a voz dele era grave, quase um sussurro rouco, e ele me olhava como se estivesse me avaliando.

Aquilo me fez franzei a testa. Eu já estava um pouco tonta, mas minha mente ainda estava afiada o suficiente para perceber que ele estava ali não para conversar, mas para tentar algo mais. Já estava cansada de caras assim, sempre com a mesma abordagem. Não estava ali para me envolver com ninguém.

Sem hesitar, olhei fixamente para ele, me aproximando um pouco, e com a voz firme e direta, falei:

— Olha aqui, querido, eu não estou nem um pouco interessada em você, nem no papo furado que você tá tentando puxar. Eu não estou aqui atrás de homem, e muito menos para ser tratada como se fosse só mais uma. Então, se você acha que vai sair com algo, pode esquecer.

Ele pareceu surpreso com a minha resposta direta. O sorriso dele desapareceu um segundo, mas logo se transformou em uma risada baixa e um olhar mais respeitoso.

— Tu é daquelas, né? — ele comentou, meio divertido, mas sem perder o respeito. — Você tem razão, morenona. Não é todo dia que encontro alguém tão franca assim.

Eu dei de ombros, me sentindo ainda mais segura em manter minha posição. Não estava ali para agradar ninguém. Ele deu um passo para trás, finalmente entendendo que não havia chance para ele. E, sinceramente, me senti bem em deixar claro que eu não ia ser mais uma na lista de tentativas. Voltei a me concentrar na pista, não sem antes lançar um último olhar para ele, já indo embora, tentando encontrar uma forma de me manter no controle da situação. O baile continuava, e eu estava decidida a me divertir da minha maneira. Nada de distrações. Eu estava ali por mim mesma.

Nath apareceu do meu lado rapidamente, o rosto dela uma mistura de surpresa e preocupação. Ela estava visivelmente assustada, com os olhos arregalados e a expressão de quem acabara de testemunhar algo que não esperava.

— Você é louca? — ela praticamente sussurrou, olhando para o homem que se afastava. — Você sabe quem é aquele cara? Ele é o Pantera, Janete! O dono do morro! Ninguém fala assim com ele, você tá maluca!

Eu olhei para ela, sem nem uma sombra de arrependimento. O som da música ao fundo parecia um pouco mais distante agora, mas eu estava em total controle da situação, como sempre. Não me deixaria intimidar por ninguém.

— Eu não tenho medo de homem, Nath. Pode ser quem for, mas com ele, o negócio é diferente — respondi com firmeza, a voz tranquila. — Eu não sou qualquer mulher para me intimidar com título ou fama. Se ele é o dono do morro, ótimo, mas isso não vai mudar como eu trato as pessoas. E não vai mudar a forma como eu me respeito.

Nath me olhou com um misto de incredulidade e uma espécie de admiração silenciosa. Ela sabia muito bem quem eu era e como eu nunca fui de me curvar para ninguém, mesmo quando a situação se mostrava complicada. Eu não precisava de ninguém me dando poder ou me fazendo sentir inferior, muito menos um cara que queria bancar o rei do pedaço.

— Você não tem medo de nada, né? — ela deu uma risadinha nervosa, ainda processando o que acabara de acontecer. — Mas você tem razão... ninguém tem que se curvar a ninguém. Ele que se dê o respeito, como qualquer um.

Eu apenas assenti, dando de ombros como se aquilo não fosse nada. Nath era minha amiga, sabia quem eu era, e sabia também que eu não estava ali para agradar ninguém, nem mesmo os "donos" do morro.

— Vamos curtir a festa, Nath. Nada de papo furado. E, se ele vier atrás de mim, vai ser ele quem vai aprender uma lição. — Dei um sorriso ligeiramente desafiador, não disfarçando minha confiança.

Nath suspirou, ainda um pouco chocada com a situação, mas logo se recuperou e, como sempre, fez uma piada para aliviar o clima.

— Com essa atitude toda, Janete, você vai acabar conquistando o morro inteiro! Mas, sério, vamos dançar. E quem sabe, depois do que você fez, o Pantera não vem pedir desculpas.

Eu ri e a puxei pela mão, seguindo em frente, já decidida a aproveitar o resto da noite. Eu não estava ali para ser mais uma na fila de quem tentava me intimidar. Meu objetivo era simples: me divertir à minha maneira. O resto? Bem, o resto que se cuidasse.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App