Ela estava tentando disfarçar, mas eu conhecia bem aquele tipo de reação. O leve tremor dos dedos ao segurar a taça, a respiração curta, o olhar que desviava apenas por um segundo antes de voltar a me encarar com fúria. Tessa Grant queria me odiar, e conseguia — mas havia algo mais ali. Algo que escapava do controle dela. E por Deus, como ela era linda, e com aquele vestido que deixava suas curvas acentuadas, aquele olhar presunçoso e suas respostas afiadas, so me deixavam ainda mais encantado.
E foi nesse instante que percebi. O perfume.
Eu mesmo não era de reparar nessas coisas, mas havia algo naquela mistura de flores noturnas e vinho que se misturava ao meu, amadeirado e intenso, criando uma atmosfera que eu já tinha sentido antes. Só não sabia onde. Até que a memória surgiu, rápida como uma lâmina.
Máscaras. Luzes douradas. Um jardim escondido.
E um beijo faminto, como se fosse a primeira e última vez ao mesmo tempo, e uma noite inesquecível. E o vazio da cama pela manhã.
A lembrança me atingiu com força. Eu pisquei, tentando me concentrar no presente. Mas por um segundo, não vi Tessa diante de mim. Vi aquela mulher da noite perdida no baile beneficente. Aquela que me incendiou e sumiu antes do amanhecer.
Meus olhos se fixaram nela. Tessa não fazia ideia do efeito que tinha acabado de causar. Ou fazia?
— Sempre tão defensiva — comentei, inclinando-me para perto. — O que está tentando esconder de mim?
Ela ergueu o queixo, afiada como sempre. — Se acha que vou perder tempo respondendo às suas provocações, está enganado.
Sorri, degustando cada palavra dela. — Provocações? Eu chamaria de constatações.
Ela bufou, os olhos faiscando. — Você é insuportável.
— E você é fascinante. — A frase saiu antes que eu pudesse evitar.
Vi a surpresa brilhar em seus olhos, mas logo foi substituída por raiva. Adorável. Ela não tinha ideia de como aquele beicinho a fazia ficar fofa e sensual ao mesmo tempo.
Sophie apareceu por alguns segundos, quebrando a tensão com aquele entusiasmo inocente que só ela tinha. Mas quando se afastou, deixando-nos a sós de novo, percebi que Tessa estava inquieta. Como se tivesse sido puxada para um lugar que não queria revisitar.
Eu a observei em silêncio, tentando juntar as peças.
Seria possível?
Não, impossível. A mulher do baile nunca me disse o nome. Nunca me contou nada. Se quer vi seu rosto claramente. Foi uma noite fora do tempo, um segredo dividido entre corpos. E, ainda assim, algo em Tessa me lembrava dela. O jeito que revidava minhas provocações, o olhar desafiador, o fogo por trás da fúria.
A memória me queimou por dentro.
— Você me lembra alguém — murmurei, baixo demais para ser ouvido por qualquer outro.
Ela arqueou uma sobrancelha. — Espero que não seja alguma das suas conquistas descartáveis.
Ri, aproximando-me mais. — Se fosse, eu lembraria do nome.
Ela corou levemente, mesmo tentando esconder atrás de sarcasmo. — Você não é capaz de lembrar nem dos próprios erros.
— Ah, mas alguns erros a gente não esquece, doutora Grant. — Deixei o “doutora” deslizar como veneno e mel ao mesmo tempo.
Ela apertou os lábios, claramente irritada. E naquele momento, percebi: havia nela o mesmo sabor de desafio que senti naquela noite mascarada. A mesma faísca impossível de apagar, o mesmo calor inexplicável.
Mas eu não podia me deixar levar tão rápido. Eu era Demian Kim. Não me entregava à incerteza. O que aconteceu naquela noite era um fantasma que me perseguia, nada mais.
E ainda assim… quando Tessa respirou fundo, absorvendo meu perfume como se quisesse odiar até o ar que nos cercava, meu coração deu um salto. Eu sabia que ela também estava lembrando de algo. Não precisava que ela confirmasse. O corpo dela entregava tudo.
— Você está jogando um jogo perigoso comigo — ela sussurrou, como se falasse apenas para mim.
Abaixei a cabeça, aproximando meus lábios do ouvido dela. — E você está jogando comigo desde que entrou por aquela porta.
Ela estremeceu, mas sustentou o olhar quando se afastou. — Não confunda resistência com rendição, Demian.
Sorri. — Eu nunca confundo. Mas sei reconhecer quando alguém está prestes a ceder. Acredite, sou especialista em fazer as pessoas cederem.
— Sonhe com isso. — vi seu corpo estremecer por um momento. Então virei as costas e me afastei devagar.
Fui até o bar e fiquei observando-a se perder entre os convidados, meu sorriso de canto denunciando o prazer em provocá-la. Mas por dentro, algo me corroía.
Porque, pela primeira vez em anos, eu estava lembrando daquela noite que passei tentando enterrar.
E cada vez mais, me perguntava se o que eu procurei em silêncio durante tanto tempo… poderia estar ali, bem diante de mim, na forma da mulher que dizia me odiar.
Pedi mais um drinque ao barman e fiquei ali, observando o lugar, tentando afastar aquela memória que tanto me perseguia, mas não pude evitar aquela sensação estranha que Tessa Grant despertava em mim, todas as vezes que a via.