Mundo de ficçãoIniciar sessãoHanna
O trânsito estava tão calmo naquela manhã que parecia um sinal. Um pequeno favor do universo… antes da tempestade. Minhas mãos apertavam o volante, depois soltavam, depois apertavam de novo. Meu coração estava acelerado, mas não daquele jeito ruim que Porter sempre despertava — era outra coisa. Expectativa. Vontade. Poder. — Você consegue, Hanna… — murmurei baixinho. — É o seu momento. Ao estacionar em frente ao prédio, senti meu peito expandir. Aquela empresa parecia tocar o céu. Uma torre de vidro e aço que refletia tudo ao redor — inclusive a nova vida que eu queria construir. Respirei fundo, segurei a pasta contra o peito e entrei. Era agora. Sem Porter. Sem medo. Sem correntes. A recepcionista sorriu ao me ver e me pediu que aguardasse no andar 12, sala 1208. Enquanto caminhava pelo corredor, repassei mentalmente minhas respostas, meus pontos fortes, os resultados que eu já tinha entregado. Eu estava focada… ou achava que estava. Até abrir a porta. Até ver um par de olhos verdes que eu reconheceria mesmo de longe. Meu coração parou. Meu corpo parou. Tudo parou. Ethan Clark. Ele estava ali. Sentado. Imponente. Diretor de Operações Comerciais. O homem do bar. O olhar que deixou minha pele em alerta por horas. E nesse exato momento, ele levantou o rosto para mim. E me olhou como se… me lembrasse. Meu estômago girou. O mundo inteiro pareceu diminuir até caber só ali, naquele contato visual silencioso, intenso e proibido. Tentei sorrir — e torci para não parecer uma idiota. Ele se inclinou levemente para frente, como se estivesse tentando confirmar alguma suspeita. E então… — Bom dia, Hanna. — A voz dele era exatamente como eu lembrava. Grave. Controlada. Quente. — Sente-se, por favor. Sentei. Ou melhor: despenquei na cadeira. Meus joelhos estavam fracos, mas minha mente gritava: foco, foco! Ethan abriu o tablet, mas seus olhos voltavam para mim com uma frequência que me fez engolir seco. — Vamos começar — disse ele. — Fale um pouco sobre você. Respondi. E cada vez que eu falava, ele me observava como se eu fosse… fascinante. Ou perigosa. Ou os dois. A tensão era palpável. Real. E o pior? Eu sentia que estava correspondendo. A entrevista seguiu com perguntas desafiadoras. Eu respondia com firmeza. Ele avaliava com atenção. E às vezes — só às vezes — seus olhos desciam para minha boca antes de voltar para os meus. O que me deixava completamente sem ar. O silêncio entre uma pergunta e outra nunca era só silêncio. Era eletricidade. Era “eu lembro de você”. Era “por que você me deixou tão curioso naquela noite?”. Era “isso é impróprio… mas eu não consigo evitar”. Eu sentia isso. E pela forma como suas pupilas dilatavam, ele também sentia. Quando terminamos, ele tirou os óculos, apoiou-os sobre a mesa e soltou um leve suspiro. Um que eu não sabia decifrar. — Hanna… seu perfil nos impressionou muito. Meu coração saltou. — Queremos que você faça parte da equipe. Senti um sorriso escapar antes que eu conseguisse controlar. Mas Ethan continuou, com um tom mais grave: — Há um detalhe importante. O treinamento inicial é na filial dos Estados Unidos. Oito meses. Projetos estratégicos. Contato direto com a equipe internacional. Oito meses. Oito meses longe de tudo. Longe de Porter. Daquela casa fria. Daquela vida que eu não queria mais. — Isso… é incrível — consegui dizer. — De verdade. Obrigada. Ethan sorriu. Um sorriso pequeno. Controlado. Mas que dizia mais do que deveria. Havia orgulho ali. E algo que me deixou quente demais por dentro. Ele fechou o tablet, e antes de encerrar, seus olhos me atravessaram. — Hanna… — o nome saiu baixo, como se ele precisasse saboreá-lo. — Antes de finalizarmos, preciso perguntar uma coisa. — Claro. — Esse tempo nos Estados Unidos… você tem certeza de que está tudo bem pra você? — Seus olhos buscaram os meus, firmes. — Digo… você é casada. Aquele “casada” soou como uma palavra amarga entre nós. Meu corpo gelou por dentro. Mas foi só por um segundo. — Estou certa, sim — respondi, com firmeza. — É exatamente o que preciso agora. Ethan examinou meu rosto. Não como um diretor avaliando uma candidata. Mas como um homem tentando entender uma mulher. E depois… assentiu. De um jeito que parecia respeito. E também… alívio? — Bem-vinda ao time, Hanna — disse ele, por fim. Quando saí da sala, minhas pernas tremiam. Literalmente. Como se meu corpo todo estivesse tentando processar duas coisas ao mesmo tempo: O emprego. E Ethan. A porta se fechou atrás de mim, e senti minha respiração escapar em um único arfar. — Meu Deus… — murmurei, encostando na parede por um segundo. Porque a verdade era simples: Aquele homem me abalou. E não deveria. No carro, respirei fundo. Me olhei no espelho. E vi alguém diferente. Mais forte. Mais viva. A palavra “casada” de Ethan ecoou dentro de mim como um lembrete. Eu precisava acabar com isso. E agora, não podia adiar mais. Voltei para casa com o coração firme. O telefone vibrou — Porter, de novo. Ignorei. Quando abri a porta, ele apareceu no corredor, com a expressão irritada e cansada de sempre. Mas dessa vez… ele não me intimidava. — Hanna, você demorou. Onde você— — Precisamos conversar. — minha voz cortou a dele como uma lâmina. Porter piscou, surpreso. E ali, na entrada da nossa casa, eu senti: A antiga Hanna estava indo embora. A nova estava prestes a nascer.






