Os dias após o casamento passaram como uma sucessão de jantares luxuosos, brindes silenciosos e aparências impecáveis. Cristal usava os vestidos justos que Raphael escolhia para ela, sorria para as fotos, posava ao lado dele em eventos sociais, como uma boneca perfeitamente encaixada no cenário que ele sempre sonhou exibir. Mas por dentro, ela murchava um pouco mais a cada dia.
Na manhã seguinte à lua de mel, Raphael já estava no telefone, sentado à beira da cama, discutindo números e fusões antes mesmo de desejar-lhe bom dia. Cristal ainda acordava com o cheiro do perfume dele em seus lençóis, mas era como se ele já tivesse ido embora — mesmo presente, estava ausente. — Tenho uma reunião com o conselho às nove — ele disse sem olhar para ela, ajustando a gravata diante do espelho. — Te deixei o cartão da Amarante. Compre o que quiser. Ela sorriu de leve, mas seus olhos estavam apagados. — Claro, obrigada. Ele achava que presentes substituíam presença. Que luxo cobria a ausência como um véu de seda escondendo um buraco fundo. Mas Cristal sentia a falta nos pequenos detalhes — a ausência do toque casual, da conversa sem pressa, do olhar que diz "eu te vejo". Em casa, ela caminhava pelos cômodos frios da mansão como se flutuasse entre móveis caros e flores sem perfume. A equipe de empregados era treinada para não fazer perguntas, apenas sorrir e servir. E Cristal, em sua solidão dourada, sentava-se na poltrona da varanda por horas, observando o jardim onde Christopher a tocara. Ela revivia aquele momento em silêncio, a memória do toque dele vibrando como um segredo guardado no fundo do peito. Christopher não aparecera mais. Talvez estivesse tentando manter distância, honrar o sangue que os ligava. Mas o silêncio dele gritava mais alto do que qualquer ausência. Numa noite qualquer, Raphael chegou tarde, o paletó pendurado no ombro, a expressão cansada. — Boa noite. — Ele beijou o topo da cabeça dela como se fosse um hábito, não um gesto de afeto. — Boa noite — respondeu ela, sem emoção. — Emilly ligou. Vamos jantar com ela amanhã. Cristal reprimiu o incômodo no peito. Era sempre Emilly. Sempre ela. A prioridade, a confidente, a presença constante. Enquanto ela, a esposa, era relegada às horas vagas — se sobrassem. — Claro. — Sua voz era baixa, mas carregada de uma amargura que ele não percebeu. Naquela noite, ele deitou ao seu lado sem sequer tocá-la. Pegou no sono rapidamente, enquanto Cristal ficou olhando para o teto, os olhos úmidos, sentindo a distância entre seus corpos como uma parede invisível. Ela estava casada com um homem que não a via. E desejava um homem que não podia ter. E era nesse espaço entre o desejo e a solidão que Cristal começava a se perder… ou talvez, finalmente, se encontrar. Na manhã seguinte, Cristal acordou com a luz suave filtrando pelas cortinas de linho branco. A cama ao lado já estava vazia — como sempre. O cheiro distante de café vindo da cozinha contrastava com o silêncio que preenchia o quarto. Ela se levantou lentamente, vestindo o robe de seda enquanto caminhava pelos corredores frios da mansão. Passou o dia repetindo a rotina que se tornara uma constante desde o casamento: tomava o café sozinha, lia metade de um livro que não conseguia prender sua atenção, assistia a programas vazios na TV e olhava o celular, esperando por mensagens que não vinham. Tudo em silêncio. Tudo no automático. Raphael estava, como de costume, mergulhado no trabalho. À noite, já se aproximando do horário marcado para o jantar com Emilly, Cristal se preparava diante do espelho. Escolheu um vestido vinho justo, de alças finas, que delineava suas curvas com elegância. Prendeu os cabelos em um coque baixo e colocou um par de brincos de diamante que Raphael lhe dera, embora soubesse que ele provavelmente nem notaria. Quando ele finalmente chegou, foi direto até ela, com o celular ainda na mão e o semblante carregado pelo dia intenso. Depositou um beijo apressado em sua testa e disse, sem emoção: — Boa noite. Depois, tirou o paletó e seguiu para o banheiro, sem sequer reparar no tempo que ela passara se arrumando. Cristal, do outro lado do quarto, ajeitou os últimos detalhes do batom e calçou os saltos. Quando Raphael saiu do banho, já vestido com uma camisa social cinza escura e o relógio preferido, ela estava pronta — impecável, como sempre. Ele a olhou por dois segundos e soltou um elogio curto, automático: — Você está linda. Ela apenas assentiu com um sorriso breve, sem corrigir o tom indiferente com que ele falava. Em silêncio, desceram as escadas e seguiram para o carro. O motorista os aguardava com a porta aberta. Cristal entrou primeiro, mantendo a postura ereta, o olhar perdido em algum ponto além da janela. Raphael veio logo atrás, já retomando uma conversa no celular, como se Cristal fosse apenas mais um compromisso em sua agenda lotada. E assim, partiram em direção ao restaurante — dois estranhos perfeitamente arrumados, cumprindo mais um papel social no teatro silencioso de um casamento em fraturas. O restaurante era elegante, discreto, frequentado por empresários, políticos e suas esposas silenciosas. Raphael escolhia sempre o mesmo tipo de lugar: bonito, caro e com pouco espaço para emoções. Cristal chegou com ele, usando seu vestido vinho que realçava suas curvas e deixava seus olhos ainda mais intensos. Se fosse para ser vista, que fosse com presença. Emilly já estava à mesa quando chegaram, com um sorriso largo e familiar no rosto, vestindo um conjunto bege impecável, maquiagem leve e os cabelos presos em um coque despretensiosamente calculado. — Cris! — ela se levantou para cumprimentá-la com um beijo no rosto. — Você está linda. — Obrigada — Cristal respondeu com um sorriso curto, mas firme. — Você também. Raphael se sentou ao lado de Emilly, como de costume, deixando Cristal do outro lado da mesa. Era sempre assim: Emilly à esquerda, Cristal à direita. Cristal observou isso em silêncio, mas guardou a sensação como uma pedra fria dentro do peito. Durante o jantar, a conversa fluía entre Raphael e Emilly com naturalidade. Eles riam de histórias antigas, mencionavam amigos em comum, viagens passadas — tudo que excluía Cristal de forma sutil, mas cruel. — Lembra de quando fomos para Capri e você quase perdeu o voo? — disse Emilly, rindo enquanto tocava o braço de Raphael com familiaridade. — Claro! Você que me salvou daquele desastre. — Raphael sorriu, claramente nostálgico. Cristal soltou o talher com um leve estalo contra o prato. Ambos olharam para ela. — Que engraçado — disse, com um tom calmo, mas cortante. — Vocês têm tantas histórias juntos. Às vezes até parece que vocês são o casal, e eu sou só… a espectadora. O silêncio na mesa durou alguns segundos. — Cristal… — começou Raphael, com um leve tom de repreensão. — Não, deixa, Raphael — Emilly interrompeu, com um sorrisinho polido. — Eu entendo que algumas pessoas se sintam um pouco inseguras em certos ambientes. Cristal inclinou a cabeça, os olhos azuis fixos nela como gelo cortante. — Insegurança é quando a gente teme perder algo que é importante, Emilly. Eu só estou observando o quanto certas pessoas parecem não saber o lugar que ocupam — ela sorriu, delicada como uma lâmina. Raphael pigarreou, visivelmente desconfortável. — Vamos manter a paz, por favor. É só um jantar. —É, só um jantar — Cristal concordou, voltando a cortar sua comida com calma. — Um entre muitos em que você dá mais atenção à sua “melhor amiga” do que à mulher com quem você se casou. Emilly forçou uma risada. — Você está exagerando. — E você está passando dos limites — rebateu Cristal, encarando-a sem piscar. — Eu posso ser muitas coisas, Emilly, mas nunca fui cega. O garçom apareceu no momento exato para servir o vinho, alheio à tensão no ar. Cristal ergue a taça lentamente. — Ao casamento — disse ela, olhando para Raphael com um meio sorriso. — Que seja lembrado por todos os convidados, especialmente os que nunca foram embora. Ela bebeu com elegância, enquanto Emilly finalmente ficava sem palavras — algo raro. E Raphael, encurralado entre as duas mulheres, começava a perceber que Cristal nunca foi a esposa doce e silenciosa que ele imaginava controlar.