A igreja era modesta demais para o que deveria ter sido o casamento perfeito. Não havia coro de músicos refinados ou arranjos luxuosos de flores frescas vindas da Europa. O altar simples destoava completamente do brilho e da grandiosidade que as famílias Monteiro de Alcântara e Vieira de Sá costumavam ostentar. Era um casamento às pressas. Um casamento forçado. E todos sabiam o motivo. Os cochichos mal-disfarçados ecoavam pelo ambiente abafado, palavras venenosas e olhares julgadores que Cecília fingia ignorar enquanto avançava, com passos calculados, em direção ao homem que, em breve, seria seu marido. "Desonrada." "Pobre moça, presa a um devasso como ele." "A perfeita Cecília trocou o noivo pelo cunhado… Que escândalo!" Cada sussurro parecia um golpe em seu orgulho, mas ela manteve a postura impecável – as costas retas, o queixo levemente erguido –, recusando-se a demonstrar qualquer fragilidade. Ainda assim, o coração pulsava descontrolado em seu peito. *** M
A viagem até Ilhabela foi mais longa do que Cecília imaginava. O calor do verão grudava em sua pele, e a estrada de terra sacolejava a charrete a cada pequeno buraco. Max estava ao seu lado, guiando o cavalo com uma expressão fechada. Desde que partiram de São Paulo, ele mal dissera duas palavras, o que a deixava inquieta. Por fim, quando o cheiro salgado do mar invadiu suas narinas e a brisa fresca aliviou o calor, Cecília se inclinou para frente, os olhos brilhando ao vislumbrar o azul infinito que se desenrolava diante deles. — É o mar? — Ela perguntou, a voz carregada de espanto. Max lançou-lhe um olhar de canto, um sorriso discreto dançando em seus lábios. — Sim. Não imaginava que nunca tivesse visto. Ela balançou a cabeça devagar, ainda absorvendo a visão fascinante. — Nunca saí do interior, e meu pai achava uma frivolidade viajar para lugares como este. — Seus olhos permaneciam fixos na imensidão azul. — É ainda mais bonito do que imaginei. Max riu baixo, o som ro
A brisa salgada soprava suavemente, brincando com os cabelos de Cecília enquanto ela observava o mar ao pôr do sol. O céu era um espetáculo dourado e alaranjado, refletindo-se nas águas calmas. Ela nunca vira nada tão grandioso, tão vasto e indomável. — Você está encantada. — A voz de Max veio atrás dela, rouca e carregada de um divertimento contido. Cecília sorriu sem tirar os olhos do horizonte. — É impossível não estar. Parece que o mundo se estende infinitamente... que tudo é possível. Max se aproximou, os passos firmes sobre a areia, e deslizou um braço ao redor de sua cintura, trazendo-a para perto. — Nem tudo, Cecília. — murmurou, os lábios roçando a curva sensível do pescoço dela. Ela estremeceu, inclinando a cabeça para lhe dar mais espaço. O toque dele era fogo e domínio, mas também havia um traço de reverência, como se ele próprio estivesse aprendendo a descobrir o amor. — O que não é possível, Max? — perguntou em um sussurro. Ele virou-a suavemente em seus braços,
Max estava determinado a dar uma vida boa para Cecilia, porém voltou para casa ao cair da noite, com os ombros tensos e o cenho franzido. O dia fora exaustivo, e a realidade da nova vida pesava sobre ele. Procurou trabalho em todos os lugares possíveis—cartórios, armazéns, até mesmo no porto—mas nada parecia promissor. Eduardo fizera questão de fechar portas para ele. Ao abrir a porta da casa, encontrou Cecília de pé, com um avental amarrado à cintura e algumas mechas de cabelo soltas do coque. O rosto estava corado pelo esforço, e havia uma mancha de poeira em sua bochecha. — Você está parecendo uma gata de rua — ele murmurou, deixando o chapéu de lado. Cecília ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços. — E você está parecendo um homem que levou mais portas na cara do que gostaria de admitir. Max suspirou, passando a mão pelos cabelos. — E levei. Ela se aproximou, os olhos castanhos estudando cada linha de tensão no rosto dele. — Mas eu fiz progresso por aqui — disse,
O sangue de Max gelou. Seus dedos se fecharam com força ao redor do papel, antes de ele marchar até a cozinha e jogá-lo no fogão a lenha. As chamas o consumiram rapidamente, mas o gosto amargo daquelas palavras permaneceu em sua boca. Cecília, que o seguiu em silêncio, observou a cena com os braços cruzados. — Isso tem a ver com alguma mulher? — questionou, arqueando uma sobrancelha. Max desviou o olhar, focando nas últimas cinzas do bilhete. — Não é nada com que você precise se preocupar. — Oh, claro. Porque quando um homem queima uma carta sem sequer me contar do que se trata, isso certamente não é algo com que eu deva me preocupar — ela rebateu, cruzando os braços. Max suspirou, esfregando o rosto. — Cecília… — Era de alguma mulher? — ela insistiu, sem ceder um centímetro. Max hesitou por um instante. — Não exatamente. Cecília bufou, virando-se de costas. — Então há uma mulher envolvida. — Isso é passado — Max afirmou, sua voz tensa. Mas as palavras dele
Naquela noite, Max mal conseguiu dormir. O peso da culpa repousava sobre seus ombros como uma âncora, afundando-o em pensamentos que não lhe davam trégua. O corpo quente de Cecília ao seu lado era a única âncora que o mantinha firme, mas nem mesmo o conforto do toque dela conseguia dissipar completamente a tempestade dentro dele. Pela manhã, quando o sol mal havia surgido no horizonte, ele já estava de pé, vestindo-se com gestos rígidos. Cecília despertou ao ouvir o farfalhar das roupas, piscando sonolenta antes de se erguer na cama. — Max? — A voz dela ainda carregava a doçura do sono, mas seu olhar logo se fixou na expressão dele, captando sua inquietação. — Preciso sair. — Ele respondeu sem olhá-la, prendendo os botões da camisa com movimentos tensos. Cecília franziu o cenho e puxou o lençol para cobrir o corpo antes de deslizar para fora da cama. — Para onde? — Arrumar um trabalho. — Max soltou um suspiro pesado, passando a mão pelo rosto. — Não posso mais adiar isso.
O gosto amargo da bebida já não lhe causava efeito algum. Ele havia tomado uma, duas, três doses, mas a culpa que lhe corroía o peito continuava latejando dentro dele como uma ferida aberta. Eduardo tinha ido embora. Seu irmão, aquele que sempre carregara o peso do nome Vieira de Sá com orgulho, partira sem dizer uma palavra. Max sentia o peso dessa escolha como se carregasse uma pedra amarrada ao peito. Ele sabia o motivo. Sabia que Eduardo se fora por sua causa. Por Cecília. E, ainda assim, por mais que tentasse se arrepender, por mais que tentasse convencer a si mesmo de que jamais deveria ter desejado a mulher que não era sua, ele não conseguia. Porque a verdade era cruel e imutável: ele a amava. Mas o que restava agora? Ele não podia voltar para casa. Não ainda. Não quando Cecília o olhava com aqueles olhos carregados de incerteza. Não quando ela o segurava como se estivesse com medo de que ele fugisse. Ele precisava de respostas. E por isso, quando um dos hom
Max tentou abrir os olhos. A dor explodiu em sua cabeça, latejante, como se mil navalhas estivessem enterradas em seu crânio. O gosto de sangue impregnava sua boca, a pele ardia onde haviam lhe atingido. A cada respiração, sentia o peito protestar com uma pontada aguda. Estava escuro, mas ele soube de imediato que estava preso. As cordas em seus pulsos estavam apertadas demais, cortando sua circulação. Os tornozelos também estavam presos, restringindo qualquer movimento. O cheiro ao redor era fétido — ferrugem, mofo e suor. Ele tentou se mexer, puxar os braços para se soltar, mas uma fisgada cortante nas costelas o fez engasgar em um grunhido de dor. Cecília. O pensamento dela veio como um choque. Ele se lembrou do último momento antes de sair de casa — o jeito como ela o abraçou forte, como se temesse perdê-lo. E ele, tolo, apenas a beijou rapidamente e disse que voltaria logo. Agora, ela devia estar sozinha, esperando por ele. Ou pior: podia estar em perigo. Max sentiu o de