Narrado por Muralha
Acordei com o ronco da favela me chamando.
Helicóptero longe, moto subindo, grito de mãe mandando filho botar chinelo.
Música alta da boca, cheiro de café queimado e maconha misturado no ar.
É assim que o morro respira.
E eu respiro com ele.
Levantei da cama sem pressa.
Mas com propósito.
Tem coisa que o tempo não cura.
Só organiza.
E ontem…
bagunçou tudo de novo.
Abri a janela da laje e olhei pro alto.
O céu de sempre.
Mas a favela?
Ela sentiu.
Ela viu.
Ela sussurrou o nome dela na minha quebrada inteira:
Alana.
A mulher que voltou com farda… mas nunca deixou de ter sangue daqui.
Ela tentou bancar a durona, seguir o código dela, bater de frente comigo.
Mas ontem, na porrada, no tiro, no caos…
ela precisou de mim.
E eu fui.
Sem pensar.
Sem cobrar.
Porque a verdade é que não importa quantos anos tenham passado, quantas cicatrizes, quantas vezes ela tenha me virado as costas…
Se Alana sangra,
eu sangro junto.
E se for pra morrer,
é com ela no campo.
Ou contra ela.
A