Aurora acordou com um peso no peito.
Não era só o acúmulo dos últimos meses, das escolhas adiadas, dos livros rejeitados, da sensação de estar sempre à beira do abismo. Era algo mais antigo. Uma voz que ela vinha tentando ignorar desde o dia da proposta de venda da Constela.
Levantou da cama, calçou os chinelos devagar e foi até o pequeno escritório que dividia com Davi.
Sobre a mesa, o manuscrito de Cartas Que Nunca Foram Escritas estava impresso, encadernado com grampos provisórios.
Ela passou os dedos pela capa, como se fosse um relicário.
Lembrou-se do início. Das noites em claro discutindo nomes para a editora. Das reuniões feitas na varanda, com chá frio e esperanças quentes. Do primeiro contrato assinado tremendo, do primeiro e-mail de um leitor dizendo “esse livro me salvou”.
Aquilo não podia ser só sobre dinheiro.
Nem sobre liberdade.
Era sobre legado.
— Não vamos vender — disse em voz baixa, para si mesma.
Davi a encontrou na cozinha, preparando café como quem coreografa um