Os dias que se seguiram ao jantar foram estranhamente silenciosos, como se um novo pacto silencioso houvesse sido firmado entre Emma e Lucas. Ele passou a dormir em casa com mais frequência, mas mantinha a mesma distância emocional — cortês, pontual, superficial. Emma, por sua vez, decidiu parar de tentar. Cumpria sua parte como esposa pública e mantinha intacta a compostura nos ambientes sociais e corporativos, mas não cedia um milímetro sequer em sua dignidade privada.
Na prática, pareciam dois executivos dividindo uma cobertura e uma agenda social. As manhãs eram breves, com “bom dia” trocados entre goles de café. As noites, silenciosas. Emma ocupava o quarto principal, Lucas alternava entre o quarto de hóspedes e o escritório. Nada mais foi dito sobre o jantar interrompido — nem pedidos de desculpas, nem promessas. Apenas a indiferença confortável que já se tornara rotina.
Foi em meio a essa calma tensa que surgiu o primeiro convite oficial para o casal: uma gala beneficente da Fundação Bennett, em apoio ao desenvolvimento têxtil sustentável no norte da Inglaterra. O evento reuniria grandes nomes da moda, empresários, investidores e figuras da mídia — e era, claro, uma excelente oportunidade de aparição pública.
Emma não hesitou, se era para manter as aparências, que fosse com excelência.
Na noite do evento, ela saiu do closet vestida em um longo azul marinho assinado por si mesma, justo na cintura, com decote profundo nas costas e mangas longas em tule bordado. O cabelo preso em um coque trançado, maquiagem sutil com lábios em vermelho fechado e brincos de safira.
Lucas, ao vê-la no topo da escada, engoliu em seco antes de disfarçar o impacto com uma expressão neutra. Vestia um smoking preto com gravata borboleta, o cabelo penteado para trás com a precisão de quem nunca deixava nada fora do lugar. Por alguns segundos, apenas se encararam.
— Está… impressionante — disse ele, por fim.
Emma apenas assentiu.
— Obrigada.
No carro, o silêncio entre eles era elegante, como o de dois colegas indo fechar um grande negócio.
O salão do evento estava decorado com orquídeas brancas e iluminação âmbar. Mesas redondas se distribuíam pelo espaço, cada uma com os nomes de patrocinadores importantes. Fotógrafos se posicionavam perto da entrada principal. Assim que desceram do carro, os flashes começaram.
— Senhor e senhora Bennett! Olhem aqui! Só mais uma!
Eles posaram lado a lado. Lucas passou a mão pela cintura de Emma com leveza, e ela correspondeu com um sorriso de fachada impecável. Foram anunciados e, uma vez dentro do salão, cumprimentaram os anfitriões com diplomacia.
Lucas era um nome forte entre os investidores da indústria têxtil, mas naquela noite ele percebeu algo que nunca havia se dado ao trabalho de notar: Emma Moretti era mais do que filha de Clara. Ela era influente. Respeitada. Admirada. Em poucos minutos, estava rodeada por estilistas, empresários e editores de moda.
— A coleção cápsula que você lançou em Milão foi um divisor de águas — disse uma mulher de vestido prata, apertando a mão de Emma com entusiasmo.
— Obrigada, Sofia. Estamos com uma linha de tecidos orgânicos sendo testada agora — respondeu Emma com elegância. — Em breve devo fechar com um fornecedor local.
Lucas ouvia de longe. Bebia seu whisky, encostado na coluna próxima à pista de dança, observando a desenvoltura com que Emma se movia entre os nomes mais relevantes da noite. Sua voz era segura, sua postura altiva. Não era uma princesa mimada, era uma rainha discreta e estratégica. E ali, entre tantas pessoas importantes, ela brilhava sem esforço.
Mas algo mais chamou sua atenção.
Um homem se aproximou dela com naturalidade. Alto, moreno, sorriso fácil. Tocou o braço dela com intimidade ao cumprimentá-la, e Emma sorriu de um jeito que Lucas não conhecia. Não o sorriso ensaiado das aparições públicas, nem o educado dos jantares formais — era um sorriso real, leve, familiar.
Lucas franziu o cenho.
O homem encostou o rosto no dela num beijo demorado, cochichou algo e ela riu, inclinando-se ligeiramente. Lucas reconheceu o rosto: Rafael Montenegro. Estilista, sócio da Moretti Fashion, ex-namorado de Emma — informação que, na época do noivado, ele havia ignorado como irrelevante. Agora, parecia tudo, menos isso.
Sem pensar duas vezes, Lucas pegou duas taças de champanhe com um garçom e atravessou o salão.
— Querida, aqui está sua bebida — disse ele, com um sorriso forçado nos lábios, entregando a taça a Emma e colocando a mão em sua cintura com mais firmeza do que o necessário.
Emma piscou lentamente, surpresa com a abordagem repentina. Rafael olhou para Lucas com uma expressão entre o sarcasmo e a análise.
— Boa noite, Lucas. Não sabia que ainda conseguia encontrar uma esposa em eventos como este.
— Surpresas acontecem — respondeu Lucas, com um sorriso frio.
Emma manteve a calma, sorvendo o champanhe com a naturalidade de quem sabia exatamente o jogo que estava sendo jogado.
— Rafael estava me contando sobre a nova coleção que ele e Clara estão desenvolvendo para o inverno — disse, retomando o controle da conversa.
— Imagino que esteja indo muito bem — respondeu Lucas, apertando um pouco mais os dedos em sua cintura.
Rafael deu um último gole em sua taça e se despediu com um beijo no dorso da mão de Emma.
— Foi um prazer, como sempre. Senhor Bennett — acenou, e se afastou.
Emma se virou para Lucas.
— Isso foi mesmo necessário?
— Só quis garantir que você tivesse com o quê brindar — respondeu ele, com um olhar que escondia mais do que dizia.
Ela não respondeu. Não ali. Mas algo nela mudou. E ele sentiu.
No caminho de volta para casa, o silêncio entre eles era denso. Mas dessa vez, não era desconfortável — era carregado de tensão mal resolvida, como eletricidade antes de uma tempestade. Lucas dirigia com os dedos apertados no volante, os olhos fixos na estrada, mas sua mente ainda estava presa ao jeito como Emma riu com Rafael. À naturalidade com que ela se encaixava naquele universo que ele nunca se deu ao trabalho de conhecer.
Emma, sentada ao lado, encarava a janela, os olhos fixos na paisagem borrada pelas luzes da cidade. Também estava pensativa, mas por razões diferentes. Estava processando o súbito interesse de Lucas, os toques prolongados, a interrupção óbvia — e não sabia se se irritava ou se se divertia com o fato de ele estar, pela primeira vez, se mostrando incomodado com algo.
O carro parou diante do prédio e ambos subiram em silêncio até a cobertura. Assim que entraram, Emma tirou os brincos e os deixou sobre a mesinha da sala, tirando os sapatos em seguida.
— Você foi… — Lucas fez uma pausa dramática, como se procurasse a palavra certa. — Interessante hoje à noite — comentou por fim, encostado no batente da porta da sala, ainda com o paletó.
— Interessante? — Emma arqueou uma sobrancelha. — Você sabe fazer elogios melhores do que isso.
— Impressionante, então. Eu não fazia ideia de que você comandava aquele espaço com tanta... autoridade.
— Talvez porque você nunca se interessou em ver — retrucou, sem desviar o olhar. — A maioria das pessoas só enxerga o que quer.
Lucas se aproximou devagar. O terno bem cortado, a gravata já solta, os olhos fixos nela.
— E se eu disser que quero ver agora?
Emma cruzou os braços, cética.
— Não estou procurando plateia.
— E se eu não quiser só assistir?
Ela respirou fundo. Lucas estava tentando. Ela sabia — ainda que de forma torta, talvez tardia. Mas ela também não era ingênua. Sabia o que aquela aproximação podia significar: desejo, talvez orgulho ferido, talvez até ciúmes. Mas arrependimento real? Ainda era cedo demais.
Ainda assim, algo em seu corpo respondeu antes que a lógica pudesse intervir. Talvez fosse o modo como ele a olhava agora, como se enxergasse pela primeira vez algo que sempre esteve ali. Ou talvez fosse simplesmente carência, cansaço, frustração. Um instante de rendição.
— Então me mostra — disse, por fim, a voz baixa, carregada de desafio.
Ele avançou devagar. As mãos pousaram na cintura dela com firmeza, os olhos mergulhados nos dela. O primeiro beijo foi tenso, contido, como se ambos testassem até onde podiam ir. O segundo foi mais urgente. As mãos dele afrouxaram o zíper do vestido com precisão. As dela desfizeram os botões da camisa com impaciência.
Tropeçaram até o quarto entre beijos famintos. A tensão acumulada encontrou escape nos lençois, no toque impaciente, no desejo represado. Não houve palavras doces, mas houve entrega. Um momento bruto, mas intenso, marcado por uma mistura confusa de prazer, raiva e necessidade.
E, pela primeira vez desde que assinaram os papeis do casamento, dividiram a mesma cama.
Emma acordou com a luz tênue da manhã entrando pelas frestas da cortina. Por um momento, deixou-se ficar ali, sentindo o lençol sobre a pele nua, o travesseiro ainda quente do lado de Lucas. Virou-se — e encontrou o espaço vazio.
Sentou-se na cama, confusa. O relógio marcava 8h30. Ele havia saído cedo... de novo.
A decepção veio sutil, mas dolorosa. Nenhuma mensagem, nenhum bilhete. Nada além do silêncio habitual.
Levantou-se, tomou um banho demorado e vestiu-se para o dia. Tinha uma reunião com a equipe criativa e depois, uma visita de fornecedores — incluindo Rafael, que viria discutir a finalização da coleção de inverno.
Na sala de reuniões da Moretti Fashion, os ânimos estavam animados. Clara ainda estava em viagem a Barcelona, e Emma assumia as rédeas com confiança. Rafael chegou por volta das dez com uma pasta repleta de amostras e croquis.
— Trouxe o café da sua torrefação favorita — disse ele, entrando com um sorriso. — Ainda lembra como gosta?
Emma riu.
— Forte, sem açúcar, com toque de canela. Claro que lembro. Eu sou a mesma, Rafa.
— Menos o sobrenome — brincou ele, entregando a xícara.
— Isso muda pouco — respondeu ela, olhando nos olhos dele.
Conversaram por mais de meia hora sobre cores, tecidos e datas de entrega. A conversa foi técnica, mas fluida — como entre dois parceiros de longa data que conheciam bem os ritmos e preferências um do outro.
Foi nesse momento que Lucas chegou.
Vestia uma camisa azul escura, mangas dobradas, o blazer pendurado no braço. Tinha um semblante mais leve do que o habitual, como se tivesse vindo com a intenção de se redimir.
Ao ver Emma sentada à mesa, rindo com Rafael, inclinada sobre os desenhos, ele parou na porta. O sorriso desapareceu quase instantaneamente. Ficou imóvel por alguns segundos. Emma levantou o olhar, surpresa ao vê-lo ali. Seus olhos se encontraram — e ela viu tudo. A hesitação. O ciúme. E, acima de tudo, o orgulho ferido.
Lucas hesitou. Depois, sem dizer uma palavra, se virou e foi embora.
Emma franziu a testa. Levantou-se num impulso, indo até o corredor. Já era tarde. Ele já havia desaparecido.
— Estava tudo bem? — perguntou Rafael, se aproximando.
— Estava. Agora... não sei — respondeu ela, com um aperto discreto no peito.
Emma tentou não se deixar afetar.
Voltou à sala de reuniões, encerrou a conversa com Rafael com a mesma gentileza de sempre, mas o sorriso havia desaparecido. Era como se algo tivesse sido desligado internamente. Uma rachadura sutil, mas presente.
Terminou o expediente com eficiência, como de costume.
Quando chegou em casa no início da noite, no entanto, algo parecia estranho. Não havia sinal de Lucas. Nenhuma mensagem. Nenhum som vindo do andar de cima, nem o barulho da água correndo no banheiro, nem o tilintar de copos na cozinha.
O apartamento estava vazio — de pessoas e de intenção.
Emma suspirou, tirou os sapatos e deixou a bolsa no aparador. Caminhou pela sala, esperando encontrá-lo talvez adormecido no sofá, mas nada. Conferiu o quarto. A cama estava arrumada como de manhã.
A ausência era gritante.
Ela conferiu o celular por reflexo. Nenhuma chamada, nenhuma notificação. Abriu o aplicativo de rastreamento que as mães haviam instalado no início do casamento, sob a justificativa da segurança. Ainda estava ativo. O último ponto registrado de Lucas era a empresa, horas atrás. Depois... nada.
Emma mordeu o lábio inferior. Podia mandar uma mensagem. Podia perguntar onde ele estava, se viria jantar. Mas a raiva — aquela pontada de frustração disfarçada de orgulho — a impediu. Ele havia ido até a empresa dela, supostamente para encontrá-la. E simplesmente desistido ao vê-la trabalhando? Era esse o limite da disposição dele?
Passou o resto da noite sozinha, dividida entre raiva e indiferença, como se o orgulho tentasse enganar o coração. Tomou banho, jantou algo leve e assistiu a uma série com o controle remoto nas mãos, mas sem prestar atenção.
Às três da manhã, acordou de um cochilo no sofá. O apartamento ainda estava em silêncio.
Lucas não voltou naquela noite.
Na manhã seguinte, o clima havia mudado.
O céu de Londres estava nublado, carregado. E o humor de Emma também.
Ela acordou mais cedo, tomou café em silêncio e se vestiu para o trabalho com calma cirúrgica. Não porque estivesse tranquila, mas porque cada gesto era uma forma de controle. A raiva, contida. A frustração, empurrada para o fundo.
Lucas chegou em casa às oito e quarenta. Entrou pela porta da frente como se fosse apenas mais uma manhã comum, com o cabelo um pouco bagunçado e os olhos escondidos atrás dos óculos escuros. Carregava um copo de café na mão.
Emma estava sentada à mesa da cozinha, com o tablet na frente, lendo relatórios. Não se levantou.
— Bom dia — ele disse, a voz baixa.
Ela ergueu os olhos lentamente, sem pressa.
— Bom dia? — repetiu, com uma risada seca. — É essa a sua abordagem? “Bom dia”?
Lucas tirou os óculos. Seus olhos estavam cansados, mas não havia culpa neles. Apenas cansaço e um resquício de arrogância.
— Achei melhor te deixar trabalhar ontem. Não quis atrapalhar.
Emma largou o tablet na mesa com um estalo.
— Não quis atrapalhar? — Ela se levantou. — Lucas, você foi até lá, me viu, não disse uma palavra, virou as costas e desapareceu. Dormiu fora. E hoje entra por essa porta fingindo que foi só... um contratempo?
— Eu ia te chamar para almoçar. Vi você com o Rafael, parecia ocupada. Animada. Achei melhor não interromper — respondeu, apoiando-se no balcão da cozinha.
— Então você se ofendeu porque me viu trabalhando com meu ex? — perguntou ela, incrédula. — Você tem ideia do quanto isso é infantil?
— Não é infantil. Eu só... — ele parou, esfregando a testa. — Eu achei que você estivesse mais interessada nele do que em mim. Foi ridículo, eu sei.
— Sim, foi. E covarde também. Você teve a chance de agir como um adulto e preferiu desaparecer — retrucou, firme. — Depois da noite que tivemos... da primeira vez que você demonstrou qualquer interesse genuíno... você simplesmente sumiu.
Lucas respirou fundo.
— Eu não sabia o que fazer, Emma. Não sei ainda. A gente mal consegue conversar sem se atacar.
— E sabe por quê? Porque você foge. Porque toda vez que algo exige um pouco de esforço emocional, você pula fora. Você acha que basta aparecer com um sorriso e me beijar que tudo se resolve?
— Você também não é exatamente um exemplo de vulnerabilidade, Emma. Sempre tão perfeita, tão distante, tão... inacessível — rebateu ele, agora com a voz mais alta.
— E você acha que foi fácil ser acessível com alguém que nunca me deu espaço? Que me ignorava dentro da própria casa, que não fez o menor esforço pra conhecer a mulher com quem casou?
Lucas ficou em silêncio. O peso das palavras pairava entre eles como uma sentença.
— Eu achei... — começou ele, mais baixo. — Eu achei que dava pra seguir como estava. Que, com o tempo, as coisas se ajeitariam. Mas eu fui um idiota. Eu sei disso.
— Um idiota arrogante — completou Emma. — E ainda é. Porque até agora, você não pediu desculpas. Só está justificando.
Ele baixou os olhos. Pela primeira vez, parecia realmente afetado. A fachada de indiferença começava a trincar.
— Me desculpa — disse, por fim. — Eu fui babaca. De novo.
Emma o encarou por longos segundos. A raiva ainda estava ali, mas havia uma parte dela que queria acreditar. Que queria ver mais do que palavras.
— Você precisa decidir o que quer, Lucas — disse ela, com a voz firme, mas controlada. — Porque eu não vou mais tolerar migalhas. Ou você está dentro, ou está fora. E se estiver fora, seja honesto. Me poupe do teatro.
Ele assentiu lentamente.
— Eu estou tentando... ficar dentro. Mas acho que não sei como.
— Então aprenda. Ou saia do caminho.
Emma pegou a bolsa, passou por ele e saiu pela porta sem olhar para trás.
Emma saiu de casa com os nervos em combustão. Mesmo sob a neblina úmida de Londres, cada passo era firme, decidido, como se o vento frio servisse apenas para manter a cabeça erguida.
No caminho até a empresa, ela releu algumas mensagens de Daniella — conselhos, memes bobos e, por fim, um simples: “Seja firme, Emma. Você já aguentou coisa pior.” E sim, era verdade. Ela lidava com empresários enganosos, negociações milionárias, prazos quase impossíveis. Um marido emocionalmente instável era apenas mais um problema a ser gerido. Mas ainda assim… doía. Mais do que ela queria admitir.
Na empresa, o dia transcorreu com uma intensidade reconfortante. A agenda lotada preenchia qualquer brecha que a memória tentasse usar para revisitá-lo. Lucas. O toque dele ainda estava em sua pele, a voz dele ainda ecoava em seus pensamentos. E mesmo assim, ela seguia — como sempre.
No meio da tarde, Rafael entrou na sala dela com um sorriso despreocupado, entregando relatórios. Trocou piadas, sugeriu um café. Emma, apesar da tensão do dia, riu. Riu de verdade, pela primeira vez. E naquele momento, olhando para o amigo de anos — o homem que estivera ao seu lado em momentos difíceis, inclusive quando ela casou com Lucas — sentiu algo curioso: leveza.
Mas o que Emma não viu foi Lucas, parado do lado de fora da porta de vidro, observando a cena sem ser notado.
Ele tinha ido até ali de novo, com a intenção de convidá-la para almoçar. Levar uma desculpa qualquer, ou quem sabe ser sincero pela primeira vez em semanas. Mas o sorriso dela ao lado de Rafael tirou o ar de seus pulmões.
Emma estava bem. E não era com ele.
Viu os dois conversando próximos, trocando comentários sobre gráficos e amostras de tecido, como se fizessem parte de uma equipe imbatível. Como se ele — Lucas — nunca tivesse existido na vida dela. Um estranho entrelaçado por um sobrenome, mas nada além disso.
Sem dizer uma palavra, ele deu meia-volta e foi embora. Rápido, silencioso. Nem percebeu que, segundos depois, Emma olhava para a porta com a estranha sensação de que havia perdido algo.
A noite caiu com peso. O céu, de um cinza escuro quase violeta, anunciava chuva.
Emma chegou em casa por volta das oito, o salto ecoando no piso de madeira. Esperava, mesmo contra a razão, encontrar Lucas ali — sentado no sofá, ou de pé encostado no batente da cozinha, talvez esperando para conversar. Para se desculpar com mais do que palavras.
Mas o apartamento estava vazio. De novo.
Ela largou a bolsa e ficou ali, parada, olhando para o ambiente organizado demais, como se tudo estivesse suspenso no tempo. E sentiu-se ridícula. Pela esperança, pelo desejo mal disfarçado, por ainda se importar.
Quando o relógio bateu às dez da noite e o silêncio persistia, Emma desligou todas as luzes e foi para o quarto. Não ligou para ele. Não mandou mensagem. O orgulho ainda era mais alto do que a saudade.
Mas naquela noite, demorou a adormecer.
Lucas não voltou.
E no dia seguinte, quando ele entrou pela porta às sete e meia da manhã, encontrou Emma já pronta, com os cabelos presos em um coque impecável, vestida com elegância, sentada à mesa tomando café como se fosse uma terça-feira qualquer. A calmaria era falsa — Lucas sentiu assim que entrou.
— Dormiu bem? — ela perguntou, sem desviar os olhos da xícara.
— Emma...
— Onde você dormiu?
Ele hesitou.
— No escritório. Fiquei por lá mesmo. Não quis incomodar.
Ela assentiu, ainda olhando o café.
— Claro. E mais uma vez, decidiu que não precisava avisar.
Lucas tirou o casaco e jogou sobre a cadeira, irritado.
— Emma, por favor. Eu fui até sua empresa ontem. Fui te procurar. Mas te vi com ele, com o Rafael, e...
— E?
— E você estava feliz. Solta. Rindo. Parecia... mais viva do que comigo.
Ela enfim o encarou, fria.
— E por isso decidiu ir embora sem dizer nada?
— Eu não queria fazer uma cena. Eu... não sabia o que dizer.
Emma riu com sarcasmo.
— Você nunca sabe o que dizer, Lucas. E tudo bem. Mas então não venha fingir que está tentando quando foge na primeira dificuldade.
— Eu não fugi. Eu me afastei pra não atrapalhar.
— É sempre sobre você, não é? Sua insegurança, seu medo, seu desconforto. Você nunca para pra pensar em como isso me afeta. Em como eu me sinto sendo constantemente deixada sozinha.
Ele abaixou a cabeça. Sentou-se à frente dela.
— Eu estou tentando. Juro que estou.
— Não está tentando o suficiente. Porque tentar significa enfrentar. E você vive correndo. Meus sentimentos não são obstáculos, Lucas. Não são seus inimigos. Mas se você continuar tratando tudo como um campo de batalha, não vai sobrar nada entre nós.
Ele engoliu em seco. Pela primeira vez, sentiu que estava à beira de perdê-la. De verdade.
— Me diz o que fazer.
Emma se levantou, pegou a bolsa e respirou fundo.
— Comece por aparecer. Esteja presente. Seja claro. E, principalmente, pare de fugir.
Antes de sair, virou-se uma última vez.
— Isso não é mais sobre casamento arranjado. É sobre respeito. Você ainda tem o meu, Lucas. Mas ele está por um fio.
E com isso, ela saiu, deixando para trás um homem que começava, enfim, a entender o que estava prestes a perder.