A cerimônia foi íntima, elegante e calculada — como tudo o que envolvia os Moretti e os Bennett. Trinta convidados, nenhum passo em falso, uma celebração que mais parecia uma reunião de acionistas do que um casamento. O vestido de Emma era deslumbrante, feito por ela mesma, costurado em silêncio nas noites solitárias em seu ateliê, enquanto pensava na vida que a aguardava com Lucas Bennett. Um tom marfim perolado, moderno, de mangas longas rendadas e corte reto, simples o suficiente para não parecer uma princesa infantil, sofisticado o bastante para uma mulher que sabia exatamente o que queria.
Lucas usava outro de seus ternos sob medida. Sério, bonito, e irritantemente blasé. A cerimônia durou vinte e cinco minutos. A aliança foi colocada em seu dedo com a mesma frieza com que se fecha um contrato. O beijo foi leve, ensaiado, e nem chegou aos lábios — encenado para as câmeras como um gesto simbólico. Emma não se surpreendeu. Esperava menos que romance, queria ao menos respeito. E, por enquanto, Lucas não havia cruzado nenhuma linha... ainda.
Após os cumprimentos e discursos curtos, os noivos tiraram as fotos de praxe e, duas horas depois, já estavam dentro do carro preto que os levaria até o novo lar: um apartamento de luxo no coração de Chelsea, de frente para o Tâmisa.
O imóvel era mais uma estratégia do que uma escolha pessoal. Foi comprado por Danielle Bennett e Clara Moretti, as mães dos noivos, que haviam se unido para transformar aquela união em algo minimamente funcional. O lugar era neutro, decorado por um designer suíço com móveis modernos e arte contemporânea. Um apartamento grande o bastante para que ambos tivessem seus próprios espaços, mas íntimo o suficiente para parecer que compartilhavam uma vida juntos.
No carro, Emma pegou o telefone, recebendo algumas mensagens e as respondendo calmamente, clicou no link de uma matéria que falava sobre o casamento, uma foto do noivado foi usada — visto que não foi permitido fotógrafos na cerimônia — e a matéria era sobre a lua de mel que não aconteceria. Era esperado que Lucas e Emma saíssem da cidade, como todo casal após o casamento, mas ambos optaram por não fazer uma viagem, para a imprensa foi declarado que Emma tinha um prazo para a nova coleção e que eles viajariam apenas no final do ano, quando conseguissem adiantar seus serviços.
Largando o aparelho, Emma olhou para Lucas que não disse muito no caminho até o apartamento. Emma também não se esforçou dessa vez, os contatos entre eles foi sempre iniciado por ela, para avisá-lo sobre a cor do vestido, pedir opinião sobre algo do apartamento que suas mães estavam decorando, então dessa vez ela não faria esforço. E no fundo o silêncio entre eles era incômodo, claro, mas não insuportável. Ela sabia que precisaria começar alguma ponte — se o casamento duraria dois anos, como prometera a si mesma, ao menos tentaria o básico: uma convivência pacífica, entretanto, naquele instante ela queria apenas paz.
O motorista estacionou em frente ao prédio. Um porteiro uniformizado os cumprimentou. O elevador de acesso exclusivo os levou direto ao 11º andar. Quando a porta do apartamento se abriu, Emma respirou fundo. Era bonito. Moderno, clean, prático. Havia até um buquê de flores sobre a bancada da cozinha, provavelmente enviado por alguma tia entusiasmada.
Lucas soltou um assobio breve enquanto analisava o ambiente.
— Não está mal — disse, caminhando até o bar embutido na parede de vidro. — Whisky?
Emma o observou, mantendo a bolsa nas mãos e negou com um movimento rápido.
— Não. Vou subir, estou cansada.
Não era mentira, estava mentalmente cansada, o tempo todo pensando que Lucas não apareceria ou iria aprontar algo que causaria problemas, ela só precisava de um banho longo e dormir.
Lucas assentiu, já derramando o líquido âmbar no copo de cristal.
— Dorme bem, senhora Bennett — murmurou com um sorriso debochado.
Emma não respondeu. Subiu a escada de madeira silenciosamente e entrou no quarto principal, que, conforme haviam combinado, seria dividido por eles — ao menos aos olhos dos outros. Havia uma suíte menor com escritório anexo para Lucas e um quarto de hóspedes que Emma já imaginava usar em breve.
Ela tirou o vestido com calma, pendurando-o no cabide acolchoado, vestiu um robe e entrou no banheiro. Emma pensou em usar a banheira, mas desistiu, optando pelo chuveiro, permitindo que a água quentinha caísse em suas costas, relaxando seus músculos.
Após alguns minutos, desligou a água, retirou a maquiagem que escorria pelo seu rosto e vestiu uma camisola de seda. Ao olhar para a cama arrumada, hesitou. Não sabia se Lucas apareceria ali naquela noite. Não que ela fizesse questão. Mas seria um indicativo importante sobre o que esperar daquele dia em diante.
Ele não apareceu.
Emma acordou sozinha. O outro lado da cama intacto.
Na manhã seguinte, encontrou Lucas já vestido, tomando café na varanda. Ele estava ao telefone, negociando com alguém sobre prazos de entrega de tecidos. Ela passou por ele sem dizer nada e entrou na cozinha, onde havia um café simples disposto sobre a mesa. Alguém, provavelmente a governanta que fora contratada para visitar o local duas vezes por semana, organizara tudo.
Durante os três dias que se seguiram, a rotina foi silenciosa e tensa. Emma saía cedo para a Moretti Fashion, onde ocupava suas horas com reuniões, decisões de coleção e análises de mercado. Lucas, por sua vez, passava o tempo entre seu escritório recém-montado e visitas à fábrica dos Bennett, além de reuniões com possíveis parceiros. Ambos se cruzavam esporadicamente no apartamento, quase como colegas de república com agendas lotadas.
No quarto dia, Emma decidiu mudar a estratégia.
Preparou um jantar.
Ela mesma.
Dispensou a governanta, vestiu um vestido preto simples, puxou o cabelo para um coque baixo e assumiu a cozinha. Escolheu um menu italiano: caponata de entrada, massa fresca com ragu de cordeiro como prato principal e um tiramisù caseiro para a sobremesa. Serviria um tinto encorpado que ela sabia harmonizar perfeitamente. Queria que fosse uma noite sem máscaras.
Às 19h30, a mesa estava posta. Velas acesas. Luz baixa. Jazz instrumental ao fundo. Ela checou o celular. Lucas ainda não havia dado sinal. Nem uma mensagem.
Às 20h10, ouviu a porta da frente se abrir.
Ele entrou de blazer escuro, sem gravata, os cabelos levemente bagunçados pelo vento.
— O que é isso? — perguntou, olhando para a mesa.
— Jantar — Emma respondeu com naturalidade. — Achei que poderíamos conversar.
Lucas franziu o cenho, hesitou por um segundo, depois andou até a cadeira e sentou-se.
— Você cozinha? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Entre outras coisas, sim — respondeu. — Achei que seria um bom começo para nos conhecermos melhor.
Ele não respondeu. Pegou o talher e começou a comer, sem elogios, sem comentários. Emma tentou manter a calma, enquanto servia o vinho nas taças postas.
— Como está o andamento da parceria com a filial de Manchester? — ela perguntou, tentando puxar assunto.
— Indo. Estamos alinhando cronogramas.
— E a campanha dos tecidos orgânicos? Vi que saiu na “Business Weekly”. Boa aposta.
Lucas a olhou, surpreso com a informação.
— Você leu?
— Leio tudo que impacta nosso mercado.
Ele assentiu.
— Achei que você só se interessasse pelo seu próprio império — comentou, mais seco do que deveria.
Emma recostou-se na cadeira, cruzando os braços.
— Lucas, se for para fazermos esse casamento funcionar minimamente, precisamos conversar. Eu sei que não nos escolhemos, mas isso não significa que temos que viver como dois estranhos.
Lucas suspirou, largando os talheres.
— Emma, eu não sou o cara que sonha com jantares à luz de velas e planos de casal. Não é nada pessoal, mas estou tentando manter a cabeça focada no que importa. Minha empresa precisa de mim, minha família conta comigo.
— E você acha que eu estou aqui brincando de casinha? — ela rebateu, a voz mais firme. — Eu também tenho uma empresa. Também sou filha única de uma família poderosa. Mas ao contrário de você, eu estou tentando. Eu topei esse acordo e estou disposta a fazer dar certo — respirou fundo. — Pelo menos, a parte da convivência.
Lucas a encarou. Por um segundo, parecia que responderia com algo sincero. Mas então, apenas balançou a cabeça e se levantou.
— Obrigado pelo jantar. Estava bom. Mas eu tenho um encontro com um fornecedor — disse, já pegando as chaves do carro. — Não sei se volto hoje.
Emma sentiu um nó na garganta, mas não demonstrou.
— Boa noite, Lucas.
— Boa noite, Emma.
E então ele se foi.
O som da porta se fechando reverberou pelo apartamento silencioso. Ela encarou a mesa posta, a comida quase intocada no prato dele, e o vinho que agora parecia amargo.
Não chorou. Ela não era o tipo de mulher que chorava por se decepcionar com alguém, principalmente alguém que não era importante. Lucas nem tentava ser importante.
Apenas recolheu os pratos, colocou-os na pia, tirou os sapatos e subiu as escadas. No quarto, olhou para o próprio reflexo no espelho. Forte, elegante, inabalável.
Homem nenhum pisaria nela, ela não se casara para ser ignorada, mesmo em um casamento de contrato.
E Lucas Bennett aprenderia isso. Mais cedo ou mais tarde.