O terraço não era o fim.
Jonas seguiu por entre as sombras, cruzando as caixas d’água, sentindo o ar rarefeito, tentando não pensar em quantos lances de escada havia subido. Mais ao fundo, a silhueta da estrutura da casa de máquinas do elevador se destacava como um bloco escuro recortado contra a neblina noturna.
A porta estava aberta.
Ele parou.
Por quê? Quem abriu? Isso nunca tá aberto...
A dúvida piscou na mente, mas o corpo já ia à frente. Devagar, ele entrou. Os pés pisaram o chão coberto de fuligem e graxa seca. O espaço cheirava a óleo velho e ferrugem. Havia um zumbido grave, contínuo, como se a própria engrenagem do prédio estivesse respirando.
E então… ele viu.
Não diretamente.
Apenas um movimento.
Rápido, fluido, quase sem som.
Ele se escondeu atrás de um dos pilares de concreto que sustentavam a sala. Segurava a respiração. Não sabia se era o medo ou o instinto que dizia pra não se mover.
A criatura passou.
Alta.
Esguia.
A pele… se é que era pele… era lisa, úmida, de um tom esverdeado metálico que parecia absorver a pouca luz do ambiente. As pernas eram longas, tortas, e os braços pendiam como fios soltos, terminando em dedos que pareciam lâminas. A cabeça era desproporcional, inclinada para frente, com olhos grandes e opacos, como duas pedras negras afiadas pelo tempo.
Mas o que mais assustou Jonas foi a forma como ela se movia.
Não como algo procurando.
Mas como algo que sabia exatamente onde estava.
Ela andava pelo espaço com passos curtos e suaves, quase flutuando. A cada movimento, parecia farejar o ar, como se sentisse cheiro de medo, de pensamento, de presença.
Jonas não se mexia. Mal piscava.
O suor escorria pelas têmporas. O coração doía de tanto bater.
Isso não é real. Isso não é real. Isso não é real.
Mas era.
Porque ele podia ouvir o som da respiração dela — baixa, líquida, gorgolejante — como se o ar tivesse que lutar para entrar naquele corpo.
E então… a criatura parou.
A cabeça virou devagar.
Na direção dele.
A cabeça da criatura virada em sua direção parecia congelar o tempo. Jonas ficou imóvel, com o corpo colado ao pilar, os olhos fixos naquele par de esferas negras que, embora não expressassem nada, pareciam atravessá-lo por completo.
Mas então, num estalo seco — talvez um ruído vindo de algum lugar do prédio — ela desviou o olhar.
E voltou a se mover, desaparecendo lentamente na outra extremidade da casa de máquinas, onde a escuridão era mais densa.
Jonas não respirou por mais um tempo. Contou até dez, depois até vinte. Só então se permitiu soltar o ar pela boca, o mais silenciosamente possível.
Preciso sair daqui. Devagar. Sem chamar atenção.
Ele se arrastou para fora, mantendo o corpo baixo, rente ao chão sujo, evitando qualquer canto mais claro. Ao alcançar a porta, se ergueu devagar, o olhar atento a todos os lados. A névoa ainda cercava o topo do prédio como um casulo vivo.
Voltou para a escada de incêndio e começou a descer. Os degraus pareciam mais frágeis agora, mais altos. Cada rangido ecoava como um grito abafado.
Quando chegou ao último andar, onde ficava o hall dos elevadores, teve uma ideia arriscada — mas talvez mais rápida.
Se eu conseguir pegar o elevador, posso descer direto pro térreo. Chegar ao porteiro. Sair desse prédio. Chamar ajuda. Ou... algo.
Se aproximou do elevador devagar.
O painel digital estava completamente apagado. Sem números. Sem luz.
Apertou o botão.
Nada.
Tentou outra vez.
Silêncio.
Jonas encostou a testa contra a parede de metal fria.
Claro. Eles desligaram. Cortaram a energia do elevador. Querem que a gente ande. Que a gente se perca. Que a gente canse.
Olhou para os lados. O hall estava vazio — mas a ausência de som não era tranquilizadora. Era... preparatória.
Sabia que estava sendo observado. Talvez não com olhos. Talvez com outra coisa.
Voltou-se para a escada.
Não vai ter atalho.
Ele respirou fundo.
Vai ter que ser no escuro mesmo.