O corredor da emergência fervilhava de atividade. Os paramédicos empurravam a maca com urgência, enquanto relatavam o caso. — Trauma craniano severo, possível hemorragia interna. Ombro deslocado. Saturação instável no transporte, estabilizada na chegada — disse o paramédico, ofegante, enquanto corria ao lado da maca. Doutor Marcelo, já de máscara e luvas, esperava na entrada. Ele manteve a postura calma, mas o impacto de ver Gabriel naquele estado o atingiu profundamente. Gabriel era mais que um colega. Era um amigo e um dos melhores neurocirurgiões do hospital. "Quantas vezes ele esteve nesse mesmo corredor, recebendo pacientes graves? Agora é ele quem precisa de nós." — Levem-no para a tomografia imediatamente. Precisamos da dimensão completa do dano antes de qualquer intervenção — disse Marcelo, sua voz carregada de autoridade. Enquanto a equipe movia Gabriel, Marcelo sentiu uma onda de culpa o atingir. Ele lembrava das conversas informais com Gabriel no refeitório, sobre
Após a saída de Marcelo, Gabriel ficou em silêncio, com os olhos fixos no teto. O som dos monitores cardíacos ecoava na sala vazia, criando uma batida constante que fazia seu coração acelerar."Eu preciso vê-la. Eu preciso me levantar."Mas seu corpo não respondia como deveria. A dor no ombro era intensa, e a pressão surda na cabeça não dava trégua. Ele fechou os olhos e deixou sua mente vagar.As lembranças voltaram em flashes. Ele estava dirigindo... Mariana estava ao lado, sorrindo suavemente enquanto mexia no rádio. O sorriso dela era a última imagem clara que ele conseguia se lembrar.O som estridente dos pneus derrapando. O impacto. O grito de Mariana."Mariana! Meu Deus, Mariana!"O peito de Gabriel apertou enquanto a cena se repetia em sua mente como um pesadelo infinito. Ele tentou afastar a lembrança, mas era impossível.Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto, mas ele a enxugou com raiva. Não era hora para fraqueza. Ele precisava ser forte por ela e pelo bebê."Você já
A noite estava silenciosa no hospital, quebrada apenas pelo som constante e ritmado dos monitores cardíacos ao lado de Mariana. As luzes suaves do teto lançavam um brilho pálido sobre seu rosto cansado e pálido. Ela estava imóvel, respirando com dificuldade, as mãos instintivamente protegendo seu abdômen arredondado. Cada dor persistente no ventre era um lembrete cruel da vulnerabilidade de sua situação.Seus pensamentos se embaralhavam entre a preocupação com seu bebê e a incerteza sobre o estado de Gabriel. Ele estava vivo? Estaria se recuperando? Ninguém lhe dizia nada, e a incerteza estava destruindo sua mente.O silêncio foi abruptamente interrompido pelo som sutil de passos ecoando no corredor. Mariana prendeu a respiração, os sentidos aguçados por uma inquietação inexplicável.A porta do quarto se abriu lentamente, rangendo de maneira sinistra. Mariana esperava ver uma enfermeira, mas seu coração congelou ao reconhecer Dra. Gisele Alencar entrando. Impecavelmente vestida com um
O ônibus balançava suavemente na estrada deserta, cortando a madrugada com suas luzes fracas. Mariana estava encolhida no assento, os olhos fixos na escuridão do lado de fora da janela. Cada quilômetro que se afastava da cidade parecia levar um pouco de sua força junto.A respiração dela ainda estava descompassada. O que Gisele tinha falado ecoava em sua mente como um pesadelo sem fim."Gabriel morreu... Ele morreu por sua causa."Ela apertou a barriga com as mãos, como se isso pudesse proteger o bebê da dor avassaladora que tomava conta de seu peito."Você tem que ser forte, Mariana... Ele precisa de você."O motorista anunciou a próxima parada, uma cidade pequena e desconhecida, perdida no interior. Era para lá que ela ia. Não fazia ideia do que encontraria, mas qualquer lugar era melhor do que aquele hospital onde sua vida estava ameaçada.Quando o ônibus finalmente parou, ela desceu hesitante, sentindo o peso da mochila pendendo em suas costas. O vento frio cortava sua pele e a es
Matheus estacionou em um prédio discreto, sem letreiros ou placas chamativas. O lugar parecia mais uma casa grande do que um hospital.Ele desligou o carro e virou-se para Mariana.— Espere aqui. Vou falar com ele primeiro.Ela assentiu e observou enquanto Matheus entrava no prédio. O coração dela batia acelerado. O medo ainda estava lá, rondando como uma sombra, mas agora havia algo mais forte que ele: esperança.Poucos minutos depois, Matheus reapareceu acompanhado de um homem alto e de aparência confiável. Ele tinha um jaleco branco e uma expressão atenta.— Mariana, esse é o Dr. Lucas Ferreira. Ele é um dos melhores obstetras que conheço.O médico sorriu suavemente.— Prazer, Mariana. Matheus já me contou um pouco. Sei que está com medo, mas aqui você está segura. Vamos te examinar, tudo bem?Ela assentiu, sentindo um nó na garganta.Matheus estendeu a mão para ajudá-la a sair do carro. Assim que ficou de pé, um arrepio percorreu seu corpo, e uma tontura repentina fez suas pernas
Mariana estava sentada na varanda dos fundos da clínica, envolta por um cobertor fino e o som distante da cidade silenciosa. O céu começava a clarear, tingido de azul-acinzentado, e o cheiro de café recém-passado vinha da cozinha onde Matheus organizava as últimas coisas.Ela olhava para o horizonte com os olhos inchados, mas havia paz ali. Pela primeira vez em muito tempo, o medo não era o sentimento dominante. O silêncio daquela manhã carregava uma sensação de encerramento — e também de recomeço.Passos firmes ecoaram até a varanda. Matheus surgiu, trazendo duas canecas fumegantes, mas o olhar dele carregava algo a mais.— Preciso te contar uma coisa. — ele disse, estendendo a caneca.Mariana franziu o cenho, pegando a bebida. — O que foi?Ele se sentou ao lado dela, respirou fundo e foi direto:— Eu descobri a verdade, Mariana. O Gabriel está vivo.Ela congelou. As mãos trêmulas fizeram a bebida chacoalhar dentro da caneca.— O quê? — sussurrou, como se as palavras não pudessem ser
O sol da manhã iluminava as ruas tranquilas de Chapada dos Veadeiros. O céu era de um azul quase irreal, e o canto dos pássaros misturava-se ao som suave das folhas dançando com o vento. Mariana caminhava com passos apressados, mas tranquilos, segurando a mão de um garotinho de cabelos castanhos claros e olhos curiosos.— Mãe, hoje tem desenho novo na escola? — ele perguntou, pulando em um pé só.— Tem sim, meu amor. E se você se comportar, a mamãe vai te buscar com um presente. — ela respondeu com um sorriso.O menino sorriu largo, empolgado com a ideia.Ao chegarem ao portão da escolinha, Mariana se abaixou para ajeitar a alça da mochila dele.— Se cuida, tá bom? Nada de correr na hora do lanche. — disse, tocando suavemente o rosto do filho.— Tá bom, mamãe. — ele respondeu, abraçando-a apertado antes de entrar.Ela observou o pequeno Guilherme entrar pelo portão colorido, com a típica mistura de alívio e saudade que toda mãe sente ao deixar o filho.Alguns minutos depois, Mariana j
O hospital seguia seu ritmo frenético. Mariana atravessava o corredor com uma pilha de prontuários. Atrás dela, duas enfermeiras trocavam olhares rápidos e cochichavam.— Já soube da história? — murmurou uma, os olhos fixos em Mariana.— Não me diga que é verdade, ele traiu ela realmente — respondeu a outra, disfarçando a curiosidade. — Com a Dra. Cibele da pediatria?Mariana manteve o ritmo firme, as mãos apertando os prontuários com mais força do que o necessário. A mandíbula estava tensa. Ao longe, avistou o Dr. Gabriel Alencar, que passou apressado, lançando um breve olhar em sua direção antes de seguir adiante.As risadas abafadas das enfermeiras ficaram para trás, mas o clima parecia mais pesado a cada passo. Lucas. O nome dele ainda ecoava em sua mente, especialmente desde que soubera da traição com Cibele. As fofocas sobre eles corriam pelo hospital, mas Mariana não deixava transparecer o quanto aquilo a afetava.Ela entrou na sala de prontuários, os movimentos automáticos e e