Layla
Choveu o dia inteiro como se o céu quisesse lavar os últimos restos de medo que ainda moravam em mim. No fim da tarde, a cidade ficou cinza-azulada, e a cobertura do Kaleo parecia um farol de vidro no meio do oceano.
Eu estava no piano, dedilhando acordes que não iam a lugar nenhum, quando ele apareceu na moldura da porta com a camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que não me deixa mentir para mim mesma.
— Está compondo ou brigando com as teclas? — ele perguntou, encostando no batente.
— Brigando. — Sorri de canto — Elas são honestas demais.
— Então combina com você.
Fechei a tampa do piano e respirei. O cheiro do apartamento, madeira, chuva, o perfume dele, entrou inteiro. Eu tinha decidido horas antes, no carro, quando a janela me devolveu um rosto menos assombrado parar de fingir que ainda faltava algo. Não faltava. Só doía o que ainda não tinha nome.
Caminhei até ele. Não corre, não foge, disse a mim mesma.
— Posso falar? — perguntei, o coração apressado.
— Sempre. —