Kaleo
Acordo antes da cidade. Café sem açúcar, banho gelado, e a cobertura volta a ser uma torre de comando. A claridade entra e revela o que a noite mascara.
Eu ligo uma gravação. O áudio é de anos atrás, uma câmera de segurança do estacionamento próximo de onde Adrian morreu. O arquivo é ruim, granulado, mas eu reconheço cada sombra.
A chuva cai oblíqua. Um carro estaciona fora da faixa. Duas figuras discutem, abafadas, distorcidas. Um terceiro farol aparece ao fundo, sem placa visível. Trinta segundos se passam. A silhueta menor corre. O corpo maior, meu irmão, atravessa a diagonal. O impacto. O mundo sem som.
Pauso. Amplio. Não adianta. Eu decorei esse vídeo até saber o tempo entre os relâmpagos. E, toda vez, a mesma frase se repete como refrão: ela correu. Ela deixou meu irmão. Se é injusto? Talvez. Se é útil? Muito. O ódio organiza.
O desejo desorganiza. Por isso eu empilho o primeiro e bebo o segundo. Só que a ordem, essa tola obediente, tem falhado.
Saio. Desço sem escolta,