A tempestade começou naquela noite.
Helena mal pregou os olhos. Cada som da casa parecia mais alto, cada sombra parecia se alongar, ameaçadora. Ela rolou na cama por horas, sentindo a presença de Gustavo em cada canto, mesmo que ele não estivesse ali. Na manhã seguinte, o cheiro de café e pão fresco enchia a cozinha. Uma cena comum, quase reconfortante, mas Helena sabia que nada era normal. Gustavo estava sentado à mesa, o jornal em mãos, a xícara de café à sua frente. Seu rosto era uma máscara de serenidade. — Dormiu bem? — ele perguntou sem erguer os olhos. Helena hesitou antes de se sentar. — Sim. Mentira. Gustavo virou a página do jornal lentamente, como se estivesse aproveitando a manhã tranquila. Mas Helena conhecia aquele homem. Ele estava esperando. Observando. Testando. Ela pegou uma fatia de pão e passou manteiga, mantendo a expressão serena, tentando ignorar o peso do olhar dele sobre ela. — Tenho uma reunião hoje à tarde — Gustavo disse, casualmente. — Mas quero que esteja em casa à noite. Helena assentiu, sentindo a ansiedade subir pelo seu peito. — Algum motivo especial? Ele sorriu. — Só quero jantar com minha esposa. Faz tempo que não passamos uma noite juntos. Helena forçou um sorriso e continuou comendo. Mas por dentro, sentia-se sufocada. --- À tarde, ela decidiu sair. Precisava espairecer, colocar os pensamentos em ordem antes que enlouquecesse dentro daquela casa. Dirigiu sem destino até que, sem perceber, encontrou-se estacionando diante do apartamento de Miguel. Seu coração acelerou. Ela não deveria estar ali. Mas precisava vê-lo. Subiu as escadas rapidamente, batendo na porta com um pouco mais de força do que pretendia. Em segundos, Miguel abriu, a expressão surpresa se suavizando ao vê-la. — Você veio. Helena entrou sem responder. Assim que a porta se fechou atrás dela, os braços de Miguel a envolveram. Ela não sabia quem beijou quem primeiro, mas em um segundo estava contra a parede, os dedos dele em seus cabelos, os lábios ávidos nos dela. — Eu não parei de pensar em você — Miguel murmurou contra sua boca. Ela segurou o rosto dele com as mãos, os olhos ardendo. — Gustavo quer um jantar hoje à noite. Miguel parou. — Ele disse algo? Helena negou com a cabeça. — Não… mas eu sinto que ele sabe. Miguel passou as mãos pelos cabelos, nervoso. — Helena, isso está ficando perigoso. Você tem que sair daquela casa. — Não posso simplesmente sair. Gustavo não deixaria. — Então o que você vai fazer? Ficar lá até ele decidir o que fazer com você? Ela fechou os olhos, sentindo o desespero subir. — Eu não sei… Miguel segurou seu rosto, forçando-a a encará-lo. — Eu não vou deixar ele te machucar. O coração dela se apertou. Ele não entendia. Gustavo não era um homem comum. Se ele descobrisse, não haveria escândalo, gritos ou brigas. Ele destruiria tudo no silêncio. E Miguel seria o primeiro a pagar o preço. --- Ao voltar para casa, Helena sentiu o peso do medo crescer ainda mais. O relógio marcava quase oito horas quando ela desceu para o jantar. A mesa estava impecavelmente arrumada. Velas acesas, vinho caro, pratos refinados. Gustavo estava sentado à cabeceira, rolando uma taça de vinho entre os dedos. Ele ergueu os olhos quando ela entrou. — Você demorou. Helena engoliu em seco. — Fui dar uma volta. Ele sorriu. — Entendo. Espero que tenha sido agradável. Ela se sentou, sentindo as pernas fracas. O jantar começou tranquilo, mas Helena sentia o olhar de Gustavo cravado nela o tempo inteiro. E então, no meio do silêncio, ele disse: — Sabe, estive pensando em uma coisa. Helena ergueu os olhos. — O quê? Gustavo girou a taça de vinho, um sorriso leve nos lábios. — Eu nunca gostei de ser traído. O coração dela parou. Os olhos dele encontraram os dela. — Você não tem nada para me contar, tem? Helena congelou. O jogo havia acabado.