####O CORAÇÃO DE JEFFREY

IVY

Naquela manhã, acordei decidida: não iria à faculdade. Havia algo mais importante.

— Papai, hoje eu não vou para a universidade. Eu vou com o senhor ao médico.

Ele levantou os olhos do jornal, surpreso.

— Como assim, minha filha?

— A sua secretária já cancelou os compromissos da manhã e marcou a consulta. — Respirei fundo. — Eu vou com o senhor. O senhor não está bem, e eu não quero que vá sozinho.

Ele me olhou demoradamente, como se buscasse em mim uma lembrança distante. Seus olhos marejaram.

— Até nisso você se parece com a sua mãe, Ivy… — disse, com a voz embargada. — O mesmo cuidado, a mesma preocupação, o mesmo jeito doce. A sua mãe trabalhava incansável nos laboratórios, desenvolvendo novos medicamentos, e eu ficava ao lado dela, dando suporte.

Houve uma pausa. Vi seus dedos tremerem ao dobrar o jornal, e senti que havia algo mais.

— Papai?

Ele suspirou fundo, e pela primeira vez vi nele um homem cansado, não apenas fisicamente, mas de alma.

— Essa é uma história longa, filha… mas chegou a hora de você saber.

Meu coração disparou.

— Do que o senhor está falando?

Ele baixou os olhos, envergonhado.

— Antes de me casar com a sua mãe, eu já era casado… com a Clarice.

Senti o chão se abrir sob meus pés.

— Como é que é, papai?!

Ele ergueu a mão, pedindo calma.

— Sim, minha filha. Eu e Clarice fomos casados por quatro anos. Naquela época, eu já trabalhava com seu avô. Ele foi o homem que me deu as maiores oportunidades da minha vida, acreditou em mim como ninguém. Mas ele não sabia do meu casamento com Clarice. Ela era secretária dele, sempre soube jogar com as aparências.

Engoli em seco, tentando compreender.

— E… e como o senhor foi casar com a mamãe, então?

Ele passou a mão pelo rosto, como se limpasse uma mácula.

— Um dia, seu avô me chamou. Disse que estava doente e que queria garantir o futuro da filha. Pediu que eu me casasse com a sua mãe. Eu fiquei em choque. Disse que precisava pensar. Cheguei em casa e contei para Clarice. E sabe o que ela disse? "Nós vamos nos divorciar. Você se casa com a Samanta. Depois de um tempo, você se separa dela e volta para mim."

Meu estômago revirou.

— Meu Deus…

— Só que… — ele hesitou, os olhos marejados de lembrança — a sua mãe era tão doce, tão genuína, tão boa… que eu não consegui mais pensar nela como um simples acordo. Eu me casei para agradar seu avô, mas acabei me afeiçoando a ela. Ela se apaixonou por mim… e eu aprendi a gostar dela. Não como merecia, talvez, mas… eu gostava.

Senti as lágrimas queimarem.

— E o senhor traiu a mamãe com Clarice?

Ele abaixou a cabeça, tomado pela vergonha.

— Sim, filha. E isso é a maior culpa que eu carrego. Às vezes, eu voltava para Clarice. Mas nunca deixei que a sua mãe percebesse, nunca deixei de tratá-la bem. E, depois que ela morreu… eu cumpri o que Clarice exigiu. Esperei seis meses, como ela determinou, e me casei novamente com ela. Mas você já deve ter notado: eu nunca mais dividi o meu quarto com Clarice. Durmo até hoje no mesmo quarto em que dormia com sua mãe. Ela tem o dela. Porque, no fundo, eu nunca mais quis nada com ela.

As lágrimas escorriam pelo rosto dele.

— Eu me sinto culpado, Ivy. Culpado por enganar duas pessoas tão boas: o seu avô, que confiava em mim como num filho… e a sua mãe, que merecia todo o amor do mundo. Acho que esse cansaço, essa doença que sinto, é o preço que estou pagando.

Fiquei imóvel, o coração esmagado.

— E a Lilibet, papai?

Ele respirou fundo, encarando-me como se fosse uma sentença.

— A Lilibet é sua meia-irmã. Eu e Clarice já tínhamos a Lilibet quando nos divorciamos.

Levei a mão à boca, chocada.

— Papai… eu não sei o que dizer.

Ele segurou minha mão com força, os olhos suplicando.

— Não precisa dizer nada, filha. Só precisava que você soubesse.

E eu, em silêncio, senti o peso de uma herança que não era feita apenas de empresas ou contratos, mas de segredos que mudariam para sempre a forma como eu enxergava minha família.

IVY

Chegamos cedo à clínica. Eu caminhei ao lado do meu pai, preocupada, mas tentando disfarçar com um sorriso leve. Ele parecia mais cansado do que nunca. Quando entramos no consultório, o médico se levantou para cumprimentá-lo.

— Senhor Bradford, faz anos que o senhor não aparece aqui, não é mesmo? — disse o médico, ajustando os óculos e nos olhando com uma ponta de reprovação.

Meu pai forçou um sorriso.

— É… o trabalho não me deixa muito tempo livre. Sempre acabo adiando.

— Pois é justamente isso que adoece os homens mais fortes — respondeu o médico, pedindo que ele se sentasse. — Vamos começar pelo básico: aferir sua pressão.

Ele colocou o aparelho no braço do meu pai, inflou a braçadeira, e eu vi a expressão dele endurecer conforme lia os números.

— Vinte por dezoito. — Ele suspirou fundo, tirando o estetoscópio dos ouvidos. — Eu não sei como o senhor ainda não teve um infarto.

Meu coração disparou. Segurei firme a mão do papai.

— Como assim, doutor? — perguntei, quase sem voz.

— A pressão está perigosamente alta. Vamos precisar agir agora. — Ele olhou para meu pai. — O senhor já deveria ter feito check-ups regulares há muito tempo. Isso aqui não aparece de um dia para o outro.

— Eu… sempre estive ocupado demais — meu pai murmurou, evitando meus olhos.

— Pois agora vai ter que estar ocupado em continuar vivo. — O médico se levantou e foi direto. — Vamos fazer todos os exames ainda hoje, aqui mesmo na clínica. Os resultados serão enviados para o meu computador, e assim que tudo estiver pronto, vamos conversar. Isso é de urgência, senhor Bradford.

Eu ajudei o papai a se levantar. Cada passo que ele dava parecia mais lento, mais pesado. E a cada segundo, o medo crescia dentro de mim.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App