IVY
Eu fiquei na sala de espera enquanto papai era levado de setor em setor. Cada exame, cada teste, era como se me arrancassem um pedaço de ar. Vi quando os técnicos o conduziram para o eletrocardiograma, depois para o raio-X de tórax, os exames de sangue, o ultrassom abdominal. Em cada ambiente, os médicos murmuravam entre si e, discretamente, enviavam relatórios ao computador do doutor que nos recebera.
Quando, enfim, ele terminou tudo, voltamos ao consultório. O doutor estava sentado atrás da mesa, o semblante sério, os olhos presos na tela. Eu conseguia ver gráficos, números e imagens refletindo nos óculos dele. Ele suspirou, girou a cadeira um pouco para nos encarar e cruzou as mãos sobre a mesa.
— Senhor Bradford… o senhor está à beira de um infarto. — Ele não dourou a pílula. — A pressão que aferi mais cedo, vinte por dezoito, não foi um acaso. O seu coração está sobrecarregado. Trabalhando além do limite.
Meu pai engoliu em seco. Eu apertei a mão dele com força.
— O que isso significa, doutor? — perguntei.
— Significa que se ele continuar nesse ritmo de trabalho, sem cuidar da alimentação, sem atividade física e sem seguir um tratamento, a próxima crise pode ser fatal. — Ele olhou firme para meu pai. — Já perdeu a esposa. Quer que sua filha perca o pai também?
Meu peito doeu. Eu vi os olhos do papai marejarem.
— Não… não quero.
O médico então abriu os relatórios no computador.
— Seus exames mostram obstrução em artérias coronárias, causada por acúmulo de gordura. Ainda não é caso de cirurgia aberta, mas precisamos agir agora. Vou prescrever medicações para controlar a pressão, anticoagulantes leves e mudanças imediatas de hábitos. Se não houver melhora, sim, será necessária uma desobstrução, talvez até cirurgia cardíaca.
Eu respirei fundo e me adiantei:
— Doutor, pode encaminhá-lo também para um nutricionista? E para um gastro? Ele sempre reclama de dor no estômago.
O médico assentiu.
— Já vou providenciar o encaminhamento. Mas adianto: as dores estomacais estão ligadas ao coração. A pressão alta força todo o sistema. Com o tratamento adequado, essas dores também devem melhorar.
O doutor se inclinou para frente, como se quisesse gravar as palavras no coração do meu pai:
— Senhor Bradford, esta é a sua última chance de virar o jogo. Se não fizer dieta, atividade física e usar corretamente a medicação, seu corpo vai cobrar o preço. E sua filha, que já perdeu a mãe, ficará órfã de pai.
As lágrimas queimaram nos meus olhos. Eu me virei para papai, a voz embargada mas firme:
— O senhor vai se cuidar. E eu vou tomar conta de tudo. Eu prometo, papai.
Ele me olhou, os olhos cansados e cheios de arrependimento. Pela primeira vez em anos, vi nele a fragilidade de um homem que sempre tentara ser forte demais.
— Está bem, filha. — Ele apertou minha mão. — Eu vou me cuidar. Por você.
Naquele instante, olhando para o rosto cansado do meu pai, eu vi algo que não era apenas medo — era como se a confissão que ele tinha me feito antes ecoasse em silêncio naquele consultório. Como se, sem palavras, ele me pedisse perdão.
As lágrimas vieram e eu não as segurei. Respirei fundo, segurei firme a mão dele e, mesmo diante do médico, eu disse:
— Eu te perdoo, papai. Por aquilo que você me contou. Mas agora você vai se cuidar. E eu vou te ajudar.
Os olhos dele se encheram d’água, e a voz falhou:
— Minha filha…
Eu continuei, com a firmeza que só o amor dá:
— A sua esposa e a sua outra filha não ligam pra você. Mas eu ligo. Eu só tenho você. E eu não vou deixar que nada aconteça. Você promete pra mim que vai deixar eu cuidar de você e que vai se cuidar também? Por você. E por mim.
Ele baixou os olhos, engoliu em seco e respondeu, com um fio de voz:
— Sim, minha filha. Eu prometo.
Olhei para o médico e, pela primeira vez, senti esperança.
— Pode passar, doutor. Os medicamentos… saindo daqui nós vamos comprar.
O médico abriu a gaveta, pegou uma amostra grátis e explicou:
— Não precisa esperar. Ele vai começar hoje mesmo. — Estendeu-me a caixa. — Aqui está a primeira dose. Ele já vai tomar agora, na minha frente.
Peguei a cartela, ajeitei a cápsula em um copinho com água e entreguei para o meu pai. Ele me olhou por um instante, como se ainda buscasse coragem, e engoliu o remédio. Eu respirei aliviada.
— Além disso — disse o médico, firme —, comprem um aparelho moderno para aferir a pressão. Existem digitais, fáceis de usar. Quero que ele meça todos os dias e registre. Nada de esquecer.
Assenti, anotando mentalmente cada detalhe.
— E, doutor… o estômago dele? — perguntei, lembrando das queixas constantes.
— Vou encaminhá-lo também a um gastroenterologista — respondeu. — Mas deixo claro: grande parte das dores vêm do esforço exagerado que o coração faz. O corpo inteiro está sofrendo.
— Certo.
— Daqui a dois dias, ele volta aqui — concluiu o médico. — Quero rever os exames, ver como ele reage à medicação e ajustar a dosagem se for necessário.
Olhei para o meu pai com firmeza.
— Ouviu, papai? Daqui a dois dias a gente volta. Eu vou com você.
Ele suspirou, cansado, mas com um sorriso quase imperceptível.
— Eu ouvi, filha. E desta vez, eu vou me cuidar.
Saímos do consultório juntos, de mãos dadas. Eu sabia que a estrada seria longa, cheia de vigilância e renúncias. Mas pela primeira vez desde a morte da mamãe, eu senti que talvez, só talvez, eu tivesse uma chance de não perder também o meu pai.