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####A PREOCUPAÇÃO DE EVY COM O PAI

IVY

A partir do momento em que mudei de sala e de série, minha vida tomou outro rumo. A escola deixou de ser apenas um lugar de sobrevivência e passou a ser o cenário onde eu florescia, onde eu mostrava do que era capaz. Minhas notas só subiam, meus professores me elogiavam, e a cada avanço meu coração se enchia de esperança.

Mas se, do lado de fora, eu subia degrau após degrau, dentro de casa o inferno crescia junto.

Clarice nunca suportou a ideia de que eu pudesse me destacar mais do que a filha dela. E Lilibet… ah, Lilibet simplesmente não aguentava viver à sombra de ninguém. Antes, quando estávamos na mesma sala, ela conseguia me atacar, me humilhar, me diminuir. Agora, com a distância entre nós, ela não tinha mais controle sobre minhas conquistas. Então, passou a ser como um animal acuado: quanto mais percebia que não brilhava, mais destilava veneno.

Eu nunca vi uma pessoa tão jovem gastar tanta energia para se destruir. Aos quatorze anos, Lilibet já se agarrava e se beijava pelos corredores da escola, sem o menor pudor. Eu a observava de longe, às vezes com nojo, às vezes com pena. Era como se ela quisesse chamar a atenção de qualquer forma, mesmo que fosse da pior maneira. Clarice, é claro, sabia de tudo. Fazia vista grossa, fingia que era normal. Às vezes até a deixava dormir fora, inventando desculpas esfarrapadas.

O papai? Esse, chegava tarde demais do trabalho, exausto demais da vida, para perceber qualquer coisa.

Enquanto isso, eu, aos dezesseis anos, já estava na universidade. Lembro do dia em que ele finalmente descobriu.

Ele olhou para mim, confuso, quase tropeçando nas próprias palavras:

— Como assim você já está na universidade?

Sorri tímida, com os olhos marejados.

— Papai, sempre fui eu. As notas boas sempre foram minhas, não da Lilibet.

Ele ficou em silêncio por um instante, como se tentasse processar o óbvio que esteve diante dos olhos dele por anos. E então suspirou fundo.

— Eu devia ter sabido…

Mas não disse mais nada. O cansaço parecia maior do que qualquer indignação. Ele simplesmente não tinha forças para reagir.

E foi nesse instante que eu percebi o quanto meu pai estava mal. O quanto ele vinha se apagando, pouco a pouco, desde a morte da mamãe. Eu olhava para ele e via um homem cansado, sobrecarregado, talvez doente. Seus ombros estavam sempre curvados, sua pele cada vez mais pálida, os olhos apagados.

Algo em mim gritou: eu não posso perdê-lo também.

Eu já não tinha mãe. E a ideia de perder meu pai me deixava desesperada.

Decidi, ali mesmo, que iria fazer com que ele fosse ao médico. Nem que eu tivesse que arrastá-lo pela mão, nem que ele me odiasse por isso. Eu precisava cuidar dele, como ele cuidava de mim.

Naquela noite, enquanto o ajudava a se acomodar no sofá, falei com toda a firmeza que consegui reunir:

— Papai, você precisa procurar um médico.

Ele tentou rir, mas a tosse engoliu o riso.

— Eu estou bem, filha. Só é o trabalho.

— Não, papai. — Balancei a cabeça, decidida. — Não é só o trabalho. A mamãe já se foi. Eu só tenho o senhor. E eu não vou aceitar perder o senhor também.

Ele me olhou em silêncio, e por um instante pensei ter visto lágrimas surgirem nos olhos dele. Então, cansado, apenas assentiu.

— Tá bom, minha filha. Eu vou.

E naquele instante, eu soube que era a única que ainda podia salvá-lo.

Eu os escondia debaixo de toucas e lenços, com medo de que Clarice, ou pior, Lilibeth, sentissem inveja e mandassem cortá-los. O cabelo da Lilibeth era sempre curto — e ela dizia odiar cabelo comprido. Eu amava o meu, porque me lembrava da mamãe. Então, por segurança, eu o mantinha escondido. Era meu refúgio secreto.

Meu pai sempre repetia a mesma coisa quando me olhava de perto:

— Quando você estiver moça, vai ser linda como a sua mãe. Você tem os olhos dela, os cabelos dela. Você é a cópia fiel dela.

E eu, tímida, perguntava quase em sussurro:

— O senhor acha mesmo, papai?

— Tenho certeza, filha. Só não entendo por que você insiste em esconder o cabelo. Deixa solto, vai.

Mas eu apenas baixava os olhos.

— Não, papai… eu gosto de usar touca. Eu gosto do cabelo grande, comprido. É como se eu guardasse mamãe em cada fio.

Ele suspirava, cansado, mas não insistia mais.

Naquele tempo, eu já tinha dezesseis anos. O dia do oftalmologista e do dentista chegou, mas papai, como sempre, estava atolado de trabalho.

— Eu não vou poder ir com você, filha — disse ele, com aquele ar culpado que já me era familiar. — Mas como você já tem dezesseis anos, vou mandar um segurança te acompanhar.

Meu coração se apertou.

— Papai, de preferência uma segurança mulher. E… que não seja daqui de casa.

— Tudo bem, filha. Vou pedir para a minha secretária mandar a assistente dela ir com você. Pode ser?

Assenti, aliviada.

— Pode sim, papai.

Ele sorriu.

— Vai dar tudo certo. E aproveita para ver se já dá para tirar esse aparelho.

Fiquei com vontade de rir, mas apenas assenti.

— Sim, papai.

Naquele dia eu tinha consulta marcada com o oftalmologista. Papai me disse que não poderia ir comigo, que pediria para a assistente da secretária dele me acompanhar. Assenti em silêncio, mas por dentro já tinha tomado uma decisão.

No carro, olhei para a assistente e baixei a voz:

— Você pode marcar uma consulta para o meu pai? Ele anda tão cansado… eu estou preocupada.

Ela me olhou surpresa, como se hesitasse em falar. Então respirou fundo e confessou:

— Vou te contar um segredo. Outro dia, na empresa, seu pai desmaiou. Ele pediu para não contar nada a ninguém, para não preocupar você.

Senti o coração apertar.

— Então, por favor… marque um médico para ele. Eu vou com ele. Não quero que vá sozinho. Eu só tenho o papai, entende?

Ela assentiu, com um olhar cúmplice.

— Tudo bem. Não se preocupe, eu vou cuidar disso.

Sorri em gratidão e acrescentei:

— Só te peço mais uma coisa: não fale nada sobre o aparelho. Hoje eles vão retirar e colocar um móvel, mas eu não quero que a Clarice descubra.

Ela soltou um meio sorriso.

— Fique tranquila. Eu também não gosto dela. Depois que sua mãe faleceu e ela assumiu o lugar… mudou completamente. No trabalho era toda solícita, agora se acha dona do mundo.

E eu apenas confirmei com um aceno. No fundo, aliviada por encontrar alguém que enxergava o que eu via todos os dias.

Na consulta, o ortodontista confirmou que eu poderia retirar. Pedi a ele, em segredo, que fizesse um aparelho móvel, discreto, para que ninguém na mansão descobrisse que eu não precisava mais do fixo. Assim, continuei a fingir. Continuei a me esconder, como minha mãe havia me pedido antes de morrer: guardar quem eu era até que chegasse a hora certa.

Quando voltei, a assistente prometeu que ia atender ao meu pedido que marcaria uma consulta médica para o papai.

Naquela noite, quando ele passou pelo meu quarto para dar boa-noite, segurei sua mão.

— Papai, o senhor está cuidando de mim… mas não está cuidando do senhor. Eu estou preocupada. O senhor está cada vez mais cansado. Pode ser só e****a, mas e se for algo pior? Eu só tenho o senhor, papai. Eu não tenho mais ninguém.

Ele tentou sorrir, mas os olhos denunciaram o cansaço.

— Não se preocupe, minha filha.

— Promete que vai ao médico? — insisti, quase chorando. — A assistente que foi comigo hoje pode marcar. O senhor vai?

Ele respirou fundo e, por fim, assentiu.

— Prometo, minha filha.

E eu o abracei, desejando com todas as forças que fosse apenas cansaço. No fundo, um medo me corroía: e se eu perdesse o meu pai também? Já não tinha mãe… não suportaria ficar sozinha nesse mundo.

Naquela noite, adormeci com a sensação de estar vivendo numa corda bamba, escondendo quem eu era para sobreviver, e implorando em silêncio para que Deus me deixasse, pelo menos, meu pai.

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