E assim começou uma nova etapa na minha vida.
Olhei para Lilibet, ainda em prantos falsos, e disse sem tremer: — Está na hora de você começar a agir como uma adulta, e não como uma menina mimada. Depois, voltei-me para Clarice, que me encarava com os lábios crispados. — Você deveria ter educado a sua filha e ter colocado ela para estudar, mas preferiu sustentá-la em mentiras. Agora você vai ter que trabalhar para sustentar vocês duas, porque a sua filha inútil não serve para nada. Clarice arregalou os olhos, mas não respondeu. O silêncio foi a única arma que lhe restou. Continuei: — Em consideração ao meu pai, vou dar a vocês uma mesada de cinco mil dólares para cada uma. Apenas isso. O apartamento será colocado no seu nome, Clarice, mas vocês duas terão que aprender a viver com o que têm. Um carro também será disponibilizado, e nada mais. Se quiserem mais, trabalhem. Eu acho que já estou sendo boa demais. Senti a força das palavras reverberando no salão. Pela primeira vez, ninguém me interrompeu. Respirei fundo e concluí: — E mais uma coisa. Todos os funcionários que você contratou, Clarice, todos aqueles que ajudaram a transformar a minha vida em um inferno… estão demitidos. Cada um deles. Novos empregados serão contratados, mas não esperem carta de recomendação. Não vou falar mal de vocês, mas também não darei nenhuma boa palavra. Vocês não merecem. O silêncio caiu pesado. Eu podia ver a fúria escondida nos olhos de Clarice, o desespero nos de Lilibet. Mas nada podiam fazer. A decisão era minha. Ao meu lado estava Leon. Ele não me amava, eu sabia disso. Mas ficou ali, firme, como um escudo, sustentando-me no momento em que eu precisei mais. Sua presença me deu forças para manter a cabeça erguida. A “Ivy feia” tinha ficado para trás. Agora, eu era a herdeira. Olhei ao redor, para cada canto daquela mansão que já não era minha casa, mas sim a lembrança de tudo que eu havia perdido. Respirei fundo e anunciei: — Vou contratar um caminhão de mudanças e retirar tudo que era da minha mãe daqui de dentro. Depois disso, essa casa será vendida. Eu não quero recordação nenhuma. Porque as duas pessoas que eu mais amei morreram aqui. Eu não quero guardar lembranças de um lugar onde eu só fui infeliz. Virei-me para Leon, sentindo todos os olhares pesarem sobre mim. — Se você ainda pretende cumprir o acordo, vamos cumprir agora. Eu sei que você não me ama, Leon. Sei que está apenas honrando um compromisso feito entre nossos avós. Mas eu tenho apenas uma exigência: fidelidade. Se depois que nós gerarmos um filho você quiser se divorciar, pode ir. Mas o filho ficará comigo. A sala inteira ficou muda. Minha voz tremeu, não de fraqueza, mas de convicção: — Eu não vou mais me rebaixar ou me humilhar para ninguém. Durante anos, segui à risca o que a minha mãe me pediu antes de morrer: que eu me escondesse, que não mostrasse quem eu era. Eu fiz isso. Mas ela também disse que, quando eu completasse vinte e um anos, eu poderia ser eu mesma. E a partir de hoje… eu sou a Ivy. Olhei para Clarice, para Lilibet e para cada empregado que me humilhou ao longo dos anos. — Hoje eu sepultei o meu pai. E hoje vocês saem desta casa. Vocês e todos os empregados que ajudaram a transformar a minha vida em um inferno. Arrumem o que é de vocês e saiam. Não quero mais ver nenhum de vocês aqui dentro. Leon se aproximou, pousando a mão no meu ombro, tentando me acalmar: — Calma, Ivy… Mas eu me desvencilhei. — Não, Leon. Não é calma. Eu aguentei essas pessoas durante anos. Agora eu não aguento mais. Pelo egoísmo dessas duas, o meu pai morreu. Eu não suporto olhar para a cara delas. Nem para os empregados que participaram dessa farsa. Todos vão embora. Agora. O eco das minhas palavras percorreu cada parede, como se a própria mansão tivesse ouvido minha sentença. E foi naquele instante que percebi: a menina que se escondia tinha ficado para trás. Eu não era mais a “feia”. Eu era a herdeira. E ninguém nunca mais iria me calar.