Camila acordou sobressaltada.
O celular ainda vibrava com a última mensagem de Leonardo, como se sua presença se infiltrasse até nos sonhos dela. A claridade de Paris entrava pelas janelas do pequeno apartamento, mas mesmo o sol não conseguia dissipar o frio que apertava o peito dela. Ela se sentou na cama, respirando fundo. Precisava manter o controle. Precisava se lembrar de quem era. Mas isso estava cada vez mais difícil desde que Leonardo reapareceu. “Reapareceu...” A palavra girava na mente dela como uma agulha girando numa ferida antiga. Porque a verdade — a verdade que Camila escondia até de si mesma — era que ela já conhecia Leonardo Aragon. Não pelo nome. Mas pelos olhos. Pela presença. Pela voz. Ele era o homem da noite que ela passou tentando esquecer. O homem que entrou na sua vida anos atrás, em outra cidade, sob outro nome, e destruiu tudo que ela acreditava. Na época, ele a deixara com um coração partido... e com um segredo. Um que ela jamais contou a ninguém. Nem mesmo a Júlia. No elegante café próximo ao Sena, Camila encontrou-se com Júlia e Enzo, que já esperavam em uma mesa afastada. O ar entre eles estava diferente. Menos provocativo, mais íntimo. — Dormiu? — perguntou Júlia. Camila assentiu vagamente. — Um pouco. E vocês dois? — Aparentemente, nós dois dormimos... pouco — respondeu Enzo, piscando para Júlia, que desviou o olhar, corada. Camila ergueu as sobrancelhas. — Alguma coisa que eu deva saber? — Nada que uma moça decente deva ouvir — disse Enzo, sorrindo. Mas seus olhos mostravam um certo cuidado. Ele não era apenas o rebelde sedutor. Havia algo mais ali. Camila notou isso pela primeira vez. — Enzo — ela disse, encarando-o — você conhece o Leo? Ele tomou um gole de café antes de responder. — Conheço. Todo mundo no nosso círculo conhece. O sobrenome dele é Aragon. E ele é mais perigoso do que parece. Camila sentiu um arrepio. — Por quê? Enzo a observou por alguns segundos, como se decidisse o quanto contar. — Porque ele nunca aparece onde não deve estar. E se está atrás de você, Camila, não é coincidência. É escolha. E, quando um Aragon escolhe, ele destrói. Na mesma tarde, Camila caminhava pelos corredores de mármore do prédio onde Alexandre a havia convidado para uma exposição privada. Era um espaço exclusivo da família Marchand, usado para eventos culturais e negociações empresariais discretas. Ela usava um vestido justo na cintura, com ares de sofisticação parisiense. Sentia-se mais forte, mais decidida. Não deixaria Leonardo controlá-la de novo. — Impressionante, não é? — Alexandre apareceu ao seu lado, oferecendo uma taça de vinho branco. — A arquitetura? Ou o fato de que você tem acesso a tudo isso? — Os dois. Mas, sinceramente, prefiro o modo como você olha as obras. Camila sorriu. — Está me paquerando? — Tentando te entender — ele corrigiu, com honestidade nos olhos. — Tem algo em você que me intriga. Ela hesitou. — E se eu for mais confusão do que você imagina? — Eu gosto de desafios. — Ele se aproximou. — Posso te beijar? Camila foi pega de surpresa. Não por ele querer. Mas por ela querer também. Mas antes que pudesse responder, a porta de vidro se abriu com um estalo forte. Leonardo. — Que cena... poética — disse ele, com a voz calma e os olhos de tempestade. Alexandre virou-se. — Está nos seguindo? — Vim buscar o que é meu. Camila se aproximou, furiosa. — Eu não sou sua. — Ainda não — respondeu ele, olhando-a de cima a baixo, como se cada curva dela fosse uma promessa feita só para ele. Alexandre se colocou entre os dois. — Você passou dos limites. Leonardo apenas riu. — E você acha que tem alguma chance? Não vê que ela está brincando com você? Que ela sente algo... muito mais profundo? — Você não sabe nada sobre mim — respondeu Camila, com a voz firme. Mas por dentro, tudo tremia. Leonardo se aproximou dela, como se o mundo ao redor desaparecesse. — Eu sei que você sonha comigo todas as noites. Sei que você acorda querendo me odiar... e termina o dia imaginando como seria se me deixasse encostar em você de novo. Camila corou, furiosa, mas o corpo reagia. O cheiro dele, a proximidade, os olhos... era como estar de volta àquela noite proibida que mudara sua vida. — Vai embora — sussurrou ela, tentando não fraquejar. Ele se inclinou até o ouvido dela. — Você tem até amanhã pra me procurar. Senão, vou fazer o que faço de melhor: acabar com tudo que toca em você. Quando ele se afastou, Alexandre se aproximou. — Você precisa contar a verdade. Quem ele é? Camila não respondeu. Porque a verdade era perigosa demais. Na noite seguinte, Camila foi até a ponte onde Leonardo havia deixado a primeira mensagem. Ele a esperava. — Eu sabia — disse ele, quando a viu. — O que você quer de mim, Leonardo? Ele estendeu a mão, com um envelope. — Seu passado. Está tudo aqui. A verdade que você enterrou. Ela pegou o envelope, as mãos tremendo. Quando abriu, viu a primeira foto. Ela. Grávida. Sozinha. E uma segunda imagem. O bebê nos braços de uma mulher desconhecida. Camila caiu de joelhos. Leonardo se abaixou. — Você me deixou sem escolha. Agora, você vem comigo... ou todos vão saber.