Camila ficou ali, ajoelhada no chão frio da ponte, encarando as imagens nas mãos como se o papel queimasse sua pele.
A primeira mostrava ela mesma, mais jovem, com olhos marejados, barriga já visível sob o casaco desgastado. A segunda… O bebê nos braços de uma mulher que Camila jurou que nunca mais veria. — Onde você conseguiu isso? — sussurrou, a voz quebrada. Leonardo ajoelhou-se ao lado dela, o rosto imperturbável. — Eu tenho olhos em todos os lugares. Principalmente nos lugares que você acreditava ter deixado para trás. Ela ergueu os olhos, furiosa. — Você não sabe o que aconteceu. Você não tem ideia do que eu vivi! — Então me conte — disse ele, a voz baixa, quase gentil. — Mas saiba que isso muda tudo. Agora, você não tem mais para onde correr, Camila. Ela se levantou com dificuldade, como se cada parte do corpo estivesse sendo esmagada por lembranças. — O que você quer? Leonardo a encarou com uma calma que a deixou ainda mais nervosa. — Quero que você venha comigo para a Suíça. Apenas por três dias. Lá, você vai me ajudar a fechar o acordo com a Lucien International. Em troca, eu entrego todas as provas. Tudo será apagado. O passado... enterrado. Camila riu, amarga. — Você quer me usar como moeda de troca? — Não. Quero que você seja minha peça-chave. Como antes. Ela o empurrou, mas ele segurou o braço dela, firme. — Não finja que não sente. Você está em guerra com o seu desejo e sua moral. Mas uma hora um deles vai vencer. E eu sei qual será. Enquanto isso, do outro lado da cidade, Alexandre entrava no restaurante particular onde uma mulher o esperava há quase vinte minutos. A mensagem que ele recebera dizia que ela tinha informações sobre Leonardo Aragon. Quando a viu, sentiu um arrepio. Ela era alta, de cabelos negros, pele clara como porcelana, e olhos que pareciam saber demais. Vestia um vestido vermelho sangue, e havia algo nela que lembrava perigo. — Senhor Marchand. Sente-se. — Quem é você? — Apenas alguém que também foi usada e descartada por Leonardo. Assim como a sua... protegida, Camila. Alexandre se sentou devagar. — Diga o que tem a dizer. — Leonardo tem um contrato com os irmãos Lucien, da Suíça. Mas há algo por trás: um escândalo envolvendo tráfico de dados, espionagem industrial e... desaparecimentos. — E onde Camila entra nisso? — Ela é a isca. Mas o que ele não sabe é que ela carrega um segredo que pode destruir os Aragon. Alexandre engoliu em seco. — Que segredo? — Um filho. Naquela mesma noite, no quarto do hotel, Júlia tentava se concentrar em qualquer coisa que não fosse o jeito como Enzo a olhava. Eles haviam decidido assistir a um filme juntos, mas nenhum dos dois conseguia prestar atenção na tela. — Por que está tão quieta? — ele perguntou, deitado ao lado dela, a camisa aberta revelando parte do peito definido. — Porque minha melhor amiga está se perdendo... e eu não consigo ajudar. — Às vezes, a gente precisa deixar que as pessoas enfrentem seus próprios fantasmas — disse ele, tocando suavemente o braço dela. — E às vezes, elas voltam com cicatrizes... mas também com força. Ela olhou para ele. — Você fala como se conhecesse essa dor. Enzo desviou o olhar. — Eu conheço. — Me conta. — Só se você me deixar te beijar depois. Ela sorriu, mesmo sem querer. — Idiota. — Eu sei. E então ele se aproximou. Não foi um beijo apressado. Foi lento, tenso, cheio de promessas. Quando os lábios finalmente se tocaram, o mundo pareceu parar. Júlia sentiu que havia algo ali. Algo que poderia, talvez, ser mais que uma distração. Camila andava de um lado para o outro em seu quarto, o envelope ainda em cima da cama. O rosto da criança na foto era impossível de esquecer. Ela pegou o celular e discou um número que jurou nunca mais usar. Chamou três vezes. — Alô? A voz do outro lado era feminina, madura, gélida. — Preciso vê-la — disse Camila. — Agora. — Achei que estivesse morta. — Talvez eu devesse estar. — Então venha. Mas saiba: não há volta. Horas depois, em um casarão afastado no subúrbio parisiense, Camila entrou. As paredes estavam cobertas de quadros antigos, o cheiro de lavanda e livros velhos era familiar. No sofá, a mulher da foto. — Você não mudou muito — disse ela, cruzando as pernas. — Só os olhos estão mais cansados. — Onde ele está? — Seguro. Longe de tudo isso. Eu cuidei dele como se fosse meu. Porque, de certa forma, ele é. Camila sentiu as pernas fraquejarem. — Você o tirou de mim. — Você o deixou. — Eu fui forçada! — E agora quer consertar? Camila chorava. — Eu quero vê-lo. Só isso. — Não é tão simples. — Nada nunca foi. A mulher a olhou com compaixão amarga. — Leonardo está jogando alto. Se você não jogar melhor... ele vai vencer. E você vai perder tudo. De novo. Na manhã seguinte, Leonardo esperava no helicóptero particular. Camila chegou com uma expressão indecifrável. Ele sorriu. — Sabia que viria. — Estou aqui por ele. Só por ele. — Claro que está — disse ele, puxando a porta para ela entrar. Enquanto o helicóptero decolava rumo à Suíça, em Paris, Alexandre tomava uma decisão. — Quero que você investigue tudo sobre Leonardo Aragon — disse ele ao seu assistente. — Inclusive os registros de nascimento em Marselha. Algo me diz que tem uma criança envolvida nisso. — Sim, senhor. Alexandre encarou o horizonte. — E se Camila estiver em perigo... eu vou tirá-la de lá. Nem que precise derrubar um império.