Caíque— Você está com sono? — Mayara pergunta um tempo depois.— Eu não. E você?— Também não.Mayara sai sem falar nada, me deixando confuso por um momento. Até retornar com travesseiro e cobertor que usei anteriormente. Coloca no sofá e sai de novo, indo até a cozinha e voltando com a caneca de chá e uma xícara para ela.— Vou tomar um chá também, vai que o sono aparece — comenta. — Caso queira mais, só pegar. Aceito sua oferta. Ela senta na minha frente com a postura ereta, os olhos atentos por cima da beirada da xícara enquanto bebe o líquido morno. Ela me encara como se quisesse decifrar cada movimento meu. Como se estivesse esperando que eu dissesse algo que confirmasse suas suspeitas. Mas o que exatamente ela suspeita? Será que vê mais da confusão dentro de mim?Seguro a minha xícara com força, sentindo a louça contra minha pele. Tomo um gole da bebida, qualquer coisa para me dar tempo. Para não deixar escapar uma verdade que ainda não sei como nomear e que poderia assustá-la
Caíque— Faz tempo?— Que meus pais se mudaram? — Aceno. — Faz uns três anos. Nos falamos por telefone, Gu fala com eles. Sentimos saudades, mas foi bom para eles, sabe? Estão tendo uma vida mais leve se comparada com a que tinham aqui. Aproveitam mais, tem paz sendo só os dois na casinha deles.— Que bom. E a casa antiga ficou fechada?— Sim. Ela tem uns problemas documentais e ninguém estava com dinheiro para cuidar dessas burocracias. Os parentes queriam ficar na casa de graça, mas nem pagar as contas não queriam. Aí eu tomei as dores e coloquei todo mundo para correr, meus pais iam acabar pagando tudo para os outros morar por puro comodismo. — Ela revira os olhos. — Me tornei odiada por todos, mas eu não ligo. Agora estou juntando dinheiro para ajudar eles com esse assunto, quem sabe reformar e alugar daqui a um tempo, seria um valor extra para meus pais, ainda mais com o avanço da idade.— Bonito da sua parte ajudar eles.— Eles são bons pais e avós incríveis. Só não tiveram opor
MayaraEu não sabia muito bem o que fazer com ele. Caíque tinha entrado na minha vida de uma forma que eu jamais imaginei: sem aviso, sem preparação. Tudo havia acontecido tão rápido, e agora que ele retorna, é uma segunda avalanche que me atinge. Estávamos ali, no mesmo espaço, dividindo algo que nem eu mesma sabia como lidar direito.A paternidade de Gustavo é o que nos une. Continuaremos fazendo tudo por ele, claro. A preocupação com o nosso filho se torna maior do que qualquer mal-entendido ou distância que existisse entre nós. Mas se eu fosse ser sincera, não esperava que Caíque fosse se importar tanto, eu não sabia o que esperar sobre sua reação quando soubesse do Gu, tenho me surpreendido positivamente quanto a isso.Caíque parece feliz. Nosso filho está feliz e eu claramente estou feliz. Por isso, fiz o esforço de deixar o passado de lado e aceitá-lo como um amigo, a fim de termos um bom relacionamento com um foco em comum: o bem-estar do Gustavo.Por isso, quando ele me ligou
MayaraEu não queria pensar nele. Não mais. Já tinha me convencido de que o melhor era seguir em frente, colocar Caíque para trás e seguir com a vida. Estava tão cansada de tudo, da indecisão, da insegurança. Eu tinha tentado – juro que tentei – deixar de lado o que sentia por ele. Mas, de alguma forma, ele sempre estava ali, como uma sombra, como um eco no fundo da minha mente.Eu acreditava que tinha deixado as lembranças de nós dois no passado, assim como imaginei que não me sentiria afetada com sua reaproximação, mas pelo visto as coisas não são tão simples como imaginei.Depois da visita do Caíque e toda a conversa cheia de desabafos que tivemos, é como se a nossa recente amizade tivesse quebrado os muros que ergui nos últimos anos. É como se a nossa rotina sempre fosse essa.O vibro do celular me chama atenção, quando vejo o nome dele piscando na tela, sinto uma tensão pesar no peito. Eu não sabia o que ele queria dessa vez, mas, por algum motivo, o simples fato de ver seu nome
CaíqueEu não sei o que me fez aceitar. Na verdade, sei, sim. Eu ainda não sabia direito como lidar com Mayara, mas o pedido dela foi simples demais para eu recusar, ainda mais se tratando de algo para o nosso filho.— Oi. Você pode ir buscar o Gustavo na escola hoje? — ela pergunta assim que atendo ao telefone, com a voz tranquila, mas que carregava algo de urgente que eu não soube identificar bem.— Claro, eu vou. — Não precisei pensar muito para responder.— Obrigada! — Pude ouvir sua respiração aliviada. — É que estou atrasada com umas coisas aqui, queria terminar antes de ir embora.— Sem problemas. Se precisar de algo, só pedir.— Obrigada, Caíque.Eu estava na rua, tinha acabado de ver algumas casas que estavam sendo alugadas quando Mayara ligou. Aproveito e vou direto até a escola e quando chego, me sinto deslocado momentaneamente. Como ele não sabe que eu viria, decido esperar em frente ao portão fechado. Estar na presença de outros pais, não seria estranho. Se eles não estiv
Caíque— Boa noite, gente. Fiquem à vontade! — Gabriela cumprimenta ao abrir a porta da casa. Ela e Mayara se abraçam, Gustavo é pego no colo.— Boa noite! — cumprimento por último, acompanhando-os para o interior da casa.— Cadê o Daniel? — Mayara pergunta pelo amigo.— Ele se atrasou hoje no trabalho, mas já está chegando.As duas seguem para a cozinha e mesmo que eu ofereça ajuda, elas me dispensam. Vou para a sala com o Gu e passamos um tempo decidindo qual jogo pegar para nos distrair. As coisas têm sido difíceis desde que a paternidade de Gustavo foi confirmada. A aproximação entre nós tem sido lenta, cautelosa. Em alguns momentos parece que está avançando, mas depois voltamos à estaca zero e ainda não sei como lidar com isso.Sentamos no chão e assim que espalhamos as peças de um dos muitos jogos escolhidos pelo Gu, a porta da casa se abre e a voz masculina é ouvida. Gustavo levanta e corre ao encontro do homem. Não querendo ficar sozinho ali, esperando o seu possível retorno,
CaíqueChego à porta da casa dos meus pais. Aqui nunca foi um lugar onde eu me sentia seguro, mas, naquele momento, estava ainda pior. Eu prometi que não voltava mais, mas como seguir em frente sem resolver essa questão da minha vida.Minha mãe nunca foi alguém acolhedora, que se esforçasse em entender as emoções alheias. Ela sempre foi direta e exigia que todos seguissem suas vontades. Era fácil saber o que ela estava pensando só de olhar para o rosto dela. Ela não se preocupava em esconder nada, doa a quem doer.Eu sabia que ela não gostava da Mayara. Tentei mudar isso, mas agora que sei a verdade, fico sem palavras de quão longe ela foi para fazer as suas vontades.Perturbado, entro na casa e a procuro. Ela está na cozinha, mexendo em algo no fogão. O cheiro de comida invadiu minhas narinas, mas o que senti foi um gosto amargo, como se algo dentro de mim tivesse azedado. Ela parecia calma demais, como se soubesse exatamente o que estava acontecendo, como se estivesse esperando pelo
MayaraMayara: Está tudo bem aí?Envio a mensagem para o Caíque, mas não tenho resposta.Fazia tempo que havia chegado em casa e colocado o Gu para dormir. Tentei me distrair com qualquer coisa e não pensar no que poderia ter acontecido para o Caíque sair daquele jeito, mas nada foi bom o bastante.Eu estava apreensiva. Com receio de como e onde ele estaria, e a preocupação aumenta ainda mais já que envio mensagem e tento ligar, mas não tenho um retorno.O dia havia sido calmo e a noite estava mais tranquila do que o esperado, mas tudo mudou quando o Caíque foi atender uma ligação e apareceu perturbado daquele jeito, todo fechado. Eu sabia que havia algo que ele estava carregando, algo muito mais pesado do que poderia imaginar.Estava começando a me desesperar de tanto pensar nele quando, sem mais nem menos, ouço leves batidas na porta. Meu coração deu um salto. Era ele. Só poderia ser o Caíque, deixei portão aberto caso ele voltasse ainda hoje. Desencosto da pia e vou até a porta, se