3

POV KAEL

Dia seguinte... 

A caneta batia contra a mesa de vidro enquanto eu olhava fixamente para a tela do computador. O telefone preso ao ouvido me prendia a uma conversa que eu não tinha paciência para manter.

— Sim — minha voz saiu fria, sem espaço para réplica. — Estarei lá. Não costumo me atrasar. Espero que você também não.

Do outro lado, uma risada nervosa, uma resposta que não ouvi inteira. Eu já havia desligado antes que terminasse.

Joguei o telefone sobre a mesa e encostei-me na cadeira, respirando fundo. Mas, em vez de relaxar, minha mente foi invadida pelo que eu vinha tentando evitar o dia inteiro.

Aurora.

O nome nem precisava ser dito para que o peso dele caísse sobre mim.

Enquanto ela tentava entender a agenda digital, seus dedos tremiam sobre o teclado. Eu me aproximei, irritado com a lentidão.

— Não é tão difícil, preste atenção — minha voz saiu seca, dura demais.

Ela ergueu o rosto, os olhos azuis claros me encontraram. Por um instante, me perdi neles. Havia algo ali… algo que chamava, que gritava dentro de mim. Inferno... Me lembrei de ontem... De quando meus lábios se uniram aos dela.

Merda! Eu fui um idiota. 

Isso não vai se repetir. 

Desviei meus olhos antes que fosse tarde.

Respirei fundo, afastei o pensamento. Maldição. 

**** 

Final do dia... 

Peguei o paletó, desliguei as luzes e deixei a empresa. O caminho até em casa foi um tormento de lembranças, cada olhar, cada detalhe dela queimando na minha memória. O perfume suave que ficou quando passou por mim no corredor ainda parecia preso no meu paletó.

Quando cheguei, a mansão estava iluminada. O cheiro da comida se espalhava pelo ar. Meu pai já estava à mesa, com o jornal dobrado ao lado do prato.

— Demorou — ele comentou sem levantar os olhos.

— Tive trabalho — respondi, largando o casaco na cadeira. — Trabalho que você me deu.

Ele ergueu os olhos, aquele maldito olhar calmo e calculista.

— Imagino que esteja se referindo à sua nova secretária.

— Não brinque comigo, pai. — minha voz cortou o ar. — Por que ela? Por que justamente ela?

Ele pousou os talheres devagar, como se saboreasse cada segundo do meu incômodo.

— Porque ela é competente. Jovem. Precisa da oportunidade.

— Para de jogar comigo! — bati a mão na mesa, o som ecoou pelo salão. — O que você está fazendo com ela?

O silêncio que se seguiu foi mais pesado do que qualquer resposta. O sorriso leve que surgiu nos lábios dele me irritou ainda mais.

— Você está nervoso, Kael. Mais do que deveria estar. Por quê?

Engoli em seco, a raiva queimando por dentro. Ele era tão podre assim?

— O senhor sabe muito bem! Por que está fazendo esse jogo podre? Não se cansa de destruir a vida dela? 

— Eu não estou destruindo a vida dela, estou a ajudando. Ela não tinha emprego, iria ser despejada! — Ele concluiu, voltando ao prato como se nada tivesse acontecido.  

— E como o senhor sabe? O senhor prometeu que nunca mais voltaria lá, que a deixaria em paz! — Esbravejei. 

Ele tinha a seguido de novo? Ou mandando seus homens para a vigiar? 

— E o que eu podia fazer? Vê-la sendo jogada na rua e virando uma mendiga? — Ele me olhou fixamente. 

— Eu não vou viver esse inferno mais uma vez! — Sussurrei. — Eu não quero ela como minha secretária. 

— Não há inferno algum para se viver, Kael. Se compadeça pelo menos uma vez, pense em tudo que ela passou. Estou tentando consertar as coisas. 

Eu gargalhei. 

— Tudo bem, pai. — Minha voz saiu ríspida. — Amanhã o senhor entra naquela sala e a demite. Porque não tem como trazer os pais dela de volta.

Me afastei, o sangue pulsando forte. Mas dentro de mim, a pergunta permanecia martelando: Que merda ele achava que estava fazendo? 

Ele nunca fazia nada sem um plano ou beneficio por trás, ele não tinha capacidade de ter empatia. E o pior era admitir… que a cada vez que pensava nela, minha fúria crescia, não contra ela… mas contra mim mesmo.

Porque eu fui tão covarde que não pude fazer nada. 

Tomei um banho gelado e me joguei na cama, o sono veio rápido, pesado.

Ela estava lá de novo. Aurora. Correndo entre as árvores de uma floresta úmida, os cabelos negros soltos, balançando ao vento. A pele branca brilhava sob a luz filtrada pela copa das árvores, e quando ela se virou, os olhos azuis claros encontraram os meus. Não havia medo, ela me chamava. 

Meu peito ardia. O coração, descompassado. Cada passo dela ecoava como se fosse dentro da minha cabeça. Eu a seguia, contra a minha vontade, como se algo me puxasse. Até que, quando ia alcançá-la...

O despertador explodiu na cabeceira.

Acordei ofegante, a testa suada. O maldito som me arrancou do transe. Joguei o braço por cima do relógio, quase derrubando-o.

— Inferno… — murmurei, me sentando na cama.

Levantei, vesti o terno escuro, ajustei a gravata com força maior do que o necessário e desci. No carro, o silêncio era cortado apenas pelo som do motor. Mas o rosto dela não me deixava em paz.

Cheguei à empresa e encontrei meu pai no saguão, já acompanhado… por ela.

Aurora.

Seu cabelo estava preso de qualquer jeito, a roupa simples demais: uma blusa clara e uma saia sem corte. Ela parecia deslocada entre os vidros polidos, os ternos impecáveis, o brilho da Tecnocare.

Eu poderia simplesmente ignorar. Mas não consegui.

— Você só tem essas roupas? — minha voz saiu afiada, atraindo o olhar dela. — Estamos em uma das maiores empresas do país, e você vem… vestida assim?

Aurora piscou, surpresa, e apertou os lábios como se contivesse uma resposta atravessada.

Meu pai franziu o cenho.

— Kael. Não há necessidade de falar nesse tom.

— Há, sim — retruquei sem tirar os olhos dela. — Se vai representar a empresa ao meu lado, não pode se apresentar como se tivesse saído de uma feira qualquer.

Os olhos dela arderam contra os meus, tão azuis, mas firmes.

— Me desculpe se minhas roupas não te agradam... — respondeu, com a voz firme, embora baixa. — Irei vir com melhores amanhã.

O sangue me ferveu. Por que ela ainda estava me respondendo.

— Ótimo, a competência também exige um guarda-roupa adequado. — Aproximei-me — Se quer ficar aqui, aprenda rápido.

Ela ergueu o queixo, me enfrentando de forma que poucas pessoas ousariam.

— Eu já entendi.

Afastei-me, respirando fundo, tentando controlar a fúria. Porque o que eu queria mesmo era gritar.

Não contra ela, mas contra o que ela despertava em mim. Queria acabar com aquele circo de uma vez por todas, ele não a demitiu, o que me dava a certeza que de viria mais por aí, e eu não estava preparado para jogar aquele maldito jogo. 

Não outra vez. 

Ele já me mostrou o que era capaz de fazer e até onde podia ir, e eu não seria capaz de arriscar.

Não a vida dela. Isso não iria acontecer. 

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