POV AURORA
O dia terminou mais rápido do que eu esperava.
Guardei as minhas coisas e então olhei para mesa onde estava o meu chefe, Kael.
Comecei a caminhar até ele. Só iria dizer um tchau educado.
Quando dei alguns passos até ele... me desequilibrei...
Na verdade tropecei na perna da mesa dele...
Antes do meu braço atingir a mesa em cheio, as mãos de Kael pousaram em minhas costas e ele me puxou para ele...
Meu rosto se ergueu rapidamente, devido ao susto...
Foi rápido demais. Não consegui pensar...
Nossos lábios se tocaram... nesse momento senti todo o meu corpo esquentar, sua boca era tão macia... tinha um gosto tão bom...
A boca dele se abriu, meio centímetro... seus lábios se moveram nos meus... mas foi por pouco tempo... eu senti seu gosto quente... gosto de menta, ou hortelã... Aquilo ficou gravado em mim.
Rapidamente Kael se afastou, seu rosto se fechou, parecia furioso... Mas foi ele quem me beijou, mesmo que por poucos segundos. Ele deu as costas, sem falar mais nada e saiu...
Me deixando atordoada, pensativa, meu coração acelerava tão rápido.
O que foi isso?
Balancei a cabeça em negativa... Foi só um mal entendido. Foi sem querer.
Acabei dizendo a mim mesma.
Logo me apressei e sai daTecnocare.
Tentei não pensar mais no que aconteceu e caminhei.. já estava escuro.
Estava frio e estou cansada, andei de um lado para o outro... E essa roupa... Devia ter usado algo mais quente.
Mas era a melhor que tinha, e não podia sair e fazer compras, tinha muitas contas para pagar e os aluguéis atrasados.
Mas, ainda bem que estou nesse emprego, parece mais um sonho do que a realidade.
Acabei sorrindo.
— Olha só quem anda distraída demais pra essa hora da noite.
Meu coração deu um salto.
Que susto, meu Deus.
Me virei e então vi alguém alto... era Valentin, meu amigo. Estava sorrindo para mim.
— Você me assustou. — falei, ajeitando a mochila no ombro.
— Você está sempre assustada — ele riu. — Achei melhor vir te acompanhar, já que não a achei em sua casa. Fiquei preocupado. Então… onde esteve escondida o dia todo?
Andamos lado a lado pela calçada, pensei em tudo... Antes de começar a falar.
— Você não vai acreditar. — olhei para ele, tentando controlar a empolgação. — Eu fui chamada para um teste na Tecnocare. O dono, o próprio Sr. Vescare, me ligou e… ele disse que eu vou ser secretária pessoal do filho dele.
Esperei que Valentin sorrisse, gritasse de alegria, que me puxasse para dançar.
Mas a reação foi oposta.
O sorriso sumiu do rosto dele. Seus olhos ficaram sérios, tensos.
— Tecnocare… — murmurou, quase cuspindo o nome. — Aurora, você não devia estar lá.
Franzi a testa o encarando por alguns segundos antes de voltar a encarar o caminho á minha frente.
— Não entendi, Val! Não foi você quem disse que eu merecia o melhor? Então por que eu não deveria estar lá? É uma das maiores empresas da cidade! Não! — Sorri largamente. — A maior empresa da cidade!
Ele passou a mão pelo cabelo, visivelmente incomodado.
— Todo mundo nessa cidade sabe. O Sr. Vescare é um mafioso. Ele pode sorrir, ser educado, mas os negócios dele… são sujos. Ninguém mexe com ele porque ninguém quer pagar o preço.
Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Eu me lembrava bem da gentileza com que fui recebida, da calma com que o Sr. Vescare falou comigo. Não havia nada de sombrio nele. E tudo bem, já ouve alguns burburinhos mesmo, mas nunca foi provado.
— Valentin, não é verdade… — balbuciei. — Ele foi um amor comigo. Me tratou como se eu tivesse valor, me deu uma chance para aprender e me colocou em um cargo sem experiência.
— Ele sabe jogar com as pessoas — Valentin rebateu, firme. — É isso que o mantém no topo.
— E por que ele jogaria comigo, Val? — Eu ri, achei engraçado sua fala, mas não entendia o motivo de ter tanta raiva. — Eu sou uma zé ninguém, não tenho nem onde cair morta. Ele foi um anjo, isso sim. Só o filho dele que... — Estalei a língua. — Deixa para lá.
— Ah não, agora você vai me contar. — Ele parou a minha frente me fazendo parar também.
— Não é nada demais, é que o filho dele… — continuei, sem conseguir guardar o que estava preso dentro de mim e continuando a andar enquanto ele voltava para o meu lado. — Kael. Ele… foi estranho comigo. Quase hostil. É como se não gostasse de mim desde o primeiro segundo.
— Então já tem motivo suficiente pra não voltar lá. — Valentin cortou, ríspido.
Balancei a cabeça, confusa.
— Não é só isso. — confessei, hesitando. — Ele me parece… familiar. Como se eu já o tivesse visto em algum lugar.
— Familiar como? — Havia algo estranho e pesado na voz de Valentin, ela pareceu falhar por alguns segundos.
— Não sei explicar… — dei de ombros. — Mas quando olhei nos olhos dele, senti algo estranho. Como se… já tivesse o visto antes, aqueles olhos.
Val apertou os lábios, desviou o olhar, e seguimos em silêncio até a porta da minha casa.
O que me assustava não era só a expressão sombria de Valentin. Era o fato de que, pela primeira vez desde que o conheci, parecia que ele queria me afastar de algo com tanta força… que até me deu a impressão de estar escondendo algo de mim.
Quando chegamos em casa, Val se jogou em meu sofá, ainda estava pensativo.
— Val! — Me sentei ao seu lado.
— Você quer me contar alguma coisa? Você está estranho. — Falei com jeito.
— Não, claro que não, branquinha. — Ele pegou minha mão e entrelaçou na sua. — Eu só quero te proteger, apenas isso.
— Me proteger de que? — Perguntei encarando seus olhos.
Eu sentia que ele estava escondendo algo. O que era?
— Você está me escondendo alguma coisa? — questionei.
— Não, Aurora. — Ele estalou a língua e sorriu. — A família Vescare não é como você pensa. Eles tem uma má reputação e eu conheço essa reputação porque já ouvi muito através dos meus pais e de seus laços. Das reuniões que vou quando sou obrigado. Entende? — Ele beijou o dorso da minha mão. — Não é nada com você. É que não quero que você sofra, ou algo do tipo, ou que sua reputação fique suja porque a deles estão.
— Mas eu não tenho escolha, Val. É uma oportunidade rara, que me dará condições de pagar meu aluguel. — Sussurrei.
— Eu sei, eu sei. Mas já falei que daríamos um jeito. Eu posso pedir uma quantia aos meus pais. — Ele deu de ombros.
— Claro que não, de jeito nenhum. — Fiz uma careta. — Eu sei que está tentando me proteger, mas esse é o emprego dos sonhos de qualquer garota que está crescendo. Não fique contra mim, talvez seja apenas boicote, você sabe que isso existe, e ainda assim, a empresa é a maior daqui.
— Eu sei, tudo bem, branquinha. Eu entendo. — Ele sorriu e deitou sua cabeça em meu ombro. — Mas se acontecer qualquer coisa, qualquer coisa que seja suspeita, você vai me ligar que vou correndo até você. Ok?
— Não vai acontecer nada, Val. — Eu ri.
— Mas se acontecer, qualquer coisa, se você achar suspeito. Você vai me chamar. Promete? — Ele me encarou de soslaio.
— Prometo. — Falei dando de ombros.
— E você também não vai ultrapassar as barreiras do profissionalismo. Ok? Se ele te convidar para casa dele, você não vai. — Ele disse desviando o olhar para a tv a nossa frente. — Promete?
— Você está ficando louco, não está? — Eu não consegui conter a risada que surgiu. — Val, eu sou apenas a secretária, nada além disso, respira.
Ele bufou.
Eu queria entender o motivo pelo qual ele estava tão apreensivo. Talvez ele soubesse de algum podre que eu não sabia... Talvez... Ele só estava tentando me proteger, e eu... Me sentia bem com ele.
— Branquinha... — Ele interrompeu meus pensamentos.
— Oi, Val. — Sussurrei ainda de olhos fechados.
— Como foi mesmo que você conseguiu essa vaga? — Ele perguntou.
— O senhor Vescare disse que um amigo em comum o indicou, pensei que pudesse ter sido seu pai... — Resmunguei.
— Não, eles não são amigos de jeito nenhum. — Ele bufou em resposta.
— Ahh... Então não sei quem foi, de qualquer forma, serei grata a essa pessoa pelo resto da minha vida.
Ele suspirou pesadamente.
Deixei minha cabeça cair no topo do sofá enquanto Val se aninhava mais ao meu corpo.
Eu estava exausta. Mas satisfeita.
Pelo menos... Venci um dia.
Mas o que me intrigava era...
O que foi aquilo que aconteceu? Porque os lábios de Kael se uniram aos meus daquele jeito? Eu senti algo diferente...
Na verdade, foi meu primeiro beijo.