O despertador tocou às cinco da manhã, um som estridente que rasgou o silêncio do pequeno apartamento. Para Isabella, soou como o sino de um ringue de luta. Ela mal dormira, a mente a milhão, repassando a cena no escritório de Pedro, o peso do contrato em sua mesa de cabeceira parecendo afundar a madeira. Salvação ou perdição? Hoje, ela começaria a descobrir.
Às seis e cinquenta, ela atravessou as portas de vidro da Montenegro Corp. O saguão, que ontem parecia apenas luxuoso, hoje parecia um campo inimigo silencioso. O segurança noturno a olhou com surpresa, mas seu novo crachá de acesso a levou sem problemas até o elevador privativo que subia direto para o 12º andar.
As portas se abriram no mesmo hall de mármore, mas agora, no silêncio da manhã, ele parecia ainda maior, mais vazio. O escritório de Pedro estava escuro, a cidade de São Paulo começando a despertar lá fora, um tapete de luzes trêmulas. O caos prometido por ele não era um exagero. A mesa da assistente, que agora era sua mesa, estava uma bagunça. Havia pilhas de documentos desorganizados, post-its colados no monitor e uma caneca de café com uma mancha escura no fundo.
“Impecável”, a palavra dele ecoou em sua mente.
Com uma determinação feroz, Isabella arregaçou as mangas de seu blazer. Começou a organizar tudo, categorizando os documentos por urgência aparente, limpando a superfície da mesa, tentando decifrar o sistema de arquivamento caótico. Descobriu a pequena cozinha anexa ao escritório, onde encontrou uma máquina de café expresso de última geração. Depois de uma rápida pesquisa no celular para entender como operá-la, preparou um café forte, o aroma enchendo o ar. Colocou a xícara de porcelana preta na mesa dele exatamente às sete e vinte e nove.
Um minuto depois, o som suave do elevador anunciou sua chegada.
Pedro Montenegro entrou no escritório como uma força da natureza. Ele não olhou para ela, seus olhos focados em um tablet que segurava. Seu terno hoje era azul marinho, tão afiado que parecia poder cortar.
— Bom dia, senhorita Clark — ele disse, a voz grave e sem calor, enquanto caminhava direto para sua sala. O Relatório de vendas da filial do Sul na minha mesa em cinco minutos. A agenda do dia, impressa, em dez. E cancele meu almoço com o conselho, remarque para um café da manhã amanhã. Encontre um horário.
Isabella ficou paralisada por um segundo. Relatório de vendas? Agenda? Ela não tinha senhas, não tinha acesso a nada.
Ela respirou fundo e o seguiu até a porta de seu escritório. Ele já estava sentado, pegando a xícara de café e tomando um gole, os olhos ainda no tablet.
— Senhor Montenegro — ela começou, a voz firme. Para acessar essas informações, precisarei de senhas e permissões de acesso ao sistema.
Ele finalmente ergueu o olhar para ela, uma sobrancelha levemente arqueada. Aquele olhar parecia perguntar se ela era mesmo tão incompetente.
— Minha antiga assistente deixou um caderno na primeira gaveta. Presumi que você teria a iniciativa de procurar. Descubra. Você tem oito minutos restantes para a agenda.
Ele baixou os olhos de volta para o tablet, dispensando-a.
Isabella sentiu o sangue ferver. Ele não estava apenas a testando; estava jogando um jogo. Ela voltou para sua mesa, abriu a gaveta indicada e encontrou um caderno de anotações com uma caligrafia floreada. As senhas estavam lá, enterradas entre anotações pessoais e listas de compras.
O dia que se seguiu foi um batismo de fogo. As ordens de Pedro eram rápidas, precisas e implacáveis. Ele parecia ter três conversas ao telefone ao mesmo tempo, enquanto digitava e-mails e exigia informações que Isabella tinha que caçar em um sistema corporativo labiríntico. Ele não ofereceu ajuda. Não deu nenhuma orientação. Ele simplesmente esperava que ela resolvesse.
Ela cometeu erros. Enviou um e-mail para o destinatário errado, o que lhe rendeu um olhar fulminante. Gaguejou ao tentar transferir uma ligação importante, sentindo as bochechas queimarem sob o peso do silêncio dele. Cada erro era recebido com uma crítica cortante ou, pior, com um silêncio desapontador que a fazia se sentir um centímetro menor.
No meio da tarde, exausta e faminta, ela percebeu que ele também não havia parado para comer. Hesitante, ela pediu um almoço executivo de um restaurante que viu no caderno de anotações, pagando com seu próprio dinheiro. Deixou a bandeja discretamente na mesa dele entre uma reunião e outra.
Quando ele finalmente notou, horas depois, ele a chamou pelo intercomunicador. — Senhorita Clark, venha até minha sala.
Ela entrou, o coração na boca, esperando outra reprimenda. Ele estava de costas, olhando pela janela.
— Eu não pedi o almoço — ele disse, a voz calma.
— Eu sei, senhor. Mas o senhor não comeu nada e...
— Eu não pago você para se preocupar com minha alimentação — ele a interrompeu, virando-se para encará-la. A intensidade em seus olhos era palpável. — Eu pago você para fazer o que eu mando. Nada mais, nada menos. No entanto... ele fez uma pausa, e seu olhar desceu para a bandeja intocada.
— Você acertou o ponto do salmão. Como sabia?
Isabella lembrou-se de uma anotação rabiscada no caderno: “Salmão grelhado, mal passado. Odeia coentro.”
— Eu tive a iniciativa de procurar — ela respondeu, usando as palavras dele contra ele.
Um brilho de algo que poderia ser respeito — ou talvez apenas surpresa passou pelos olhos dele. Foi a primeira, e minúscula, vitória de Isabella em um dia de derrotas esmagadoras.
— Volte ao trabalho — ele ordenou, mas o tom era um grau menos glacial.
Isabella voltou para sua mesa, sentindo uma exaustão profunda, mas também uma faísca de satisfação. O dia tinha sido um inferno. Mas ela havia sobrevivido. E, de alguma forma, sentia que aquele era apenas o começo de seu verdadeiro teste.