Isabella congelou, a mão pairando a centímetros da maçaneta. O metal gelado parecia zombar dela, um portal para a liberdade que lhe fora negado no último segundo. Ela se virou lentamente, o coração martelando uma batida descompassada no peito. O que ele queria agora? Prolongar a humilhação?
Pedro Montenegro não a encarava. Seus olhos estavam fixos em um ponto qualquer da paisagem urbana do outro lado do vidro, o queixo erguido em um ângulo de arrogância natural. A luz do fim de tarde desenhava uma silhueta poderosa em seu terno caro.
Feche a porta, senhorita Clark ele disse, a voz ainda desprovida de qualquer emoção. E sente-se.
Ela hesitou por um instante, o cérebro tentando processar a mudança abrupta. A derrota que sentira momentos antes deu lugar a uma confusão cautelosa. Ela obedeceu, o clique suave da porta fechando soando como uma sentença final. Voltou à cadeira, as pernas menos firmes do que gostaria, e sentou-se na beirada, a espinha ereta.
O silêncio se esticou novamente, mas desta vez era diferente. Ele a observava, um brilho analítico nos olhos escuros.
— Você me deixou surpreso ele disse de repente, a voz mais baixa, quase conversacional, o que era ainda mais desnorteante. Normalmente, as pessoas que passam por aqui imploram por uma oportunidade. Fazem de tudo para entrarem nesta empresa. Ele se inclinou um pouco para a frente, fixando-a com seu olhar penetrante. Por que não implorou? É algo que me chamou a atenção.
A pergunta a pegou de surpresa. Ele não estava interessado em suas qualificações, mas em sua reação à derrota. Ela percebeu que aquele era o verdadeiro teste. Reuniu toda a sua coragem e respondeu, a voz clara e firme.
Porque meu trabalho tem que falar por si só, senhor Montenegro. Se meu currículo e minhas respostas não foram suficientes, implorar não mudaria a qualidade do meu serviço. Apenas diminuiria o meu valor.
Um fantasma de sorriso tocou o canto dos lábios dele, um gesto tão rápido e frio que poderia ter sido uma ilusão. Ele se recostou na cadeira, satisfeito.
Exatamente. A vaga para a qual se candidatou, no departamento de marketing, não é para você ele afirmou. Você é audaciosa. O marketing a engoliria ou a entediaria em seis meses. Seria um desperdício.
A confusão dela se aprofundou. Aquilo era um elogio? Vindo dele, soava mais como uma análise clínica.
Não entendo aonde o senhor quer chegar.
Pedro abriu uma gaveta de sua mesa e tirou uma pasta preta. Ele a deslizou pela superfície de mogno polido. A pasta parou a centímetros de suas mãos.
Minha assistente pessoal se demitiu há uma semana ele disse, o tom novamente factual e direto. A posição exige alguém com discrição absoluta, eficiência implacável e a capacidade de operar sob pressão extrema. Exige alguém que possa antecipar minhas necessidades antes mesmo que eu as perceba. Exige disponibilidade total, a qualquer hora do dia ou da noite.
Isabella olhou da pasta para o rosto dele, o quebra-cabeça começando a se encaixar de uma forma aterrorizante e absurda. O senhor não pode estar falando sério. Eu não tenho experiência para...
— Eu não me importo com a sua experiência ele a cortou, impaciente. Experiência pode ser ensinada. O que não pode ser ensinado é a fibra. A dignidade. Eu preciso de alguém que não se desfaça sob o meu comando. E você acaba de me provar que não se desfaz.
Ela ficou sem palavras. Ele a havia despedaçado e agora a estava reconstruindo em um papel que ela nunca pedira, um papel que a colocaria diretamente em sua órbita controladora, todos os dias. A ideia era ao mesmo tempo repulsiva e estranhamente... eletrizante.
Mas... por quê?
Porque você precisa desesperadamente deste emprego ele disse, a brutal honestidade a atingindo novamente. Porque você não tem as conexões ou o luxo de recusar. E porque, pela razão que você acabou de demonstrar, eu acredito que você não irá me decepcionar. Ou irá, e será dispensada tão rapidamente quanto foi contratada.
Ele se inclinou para a frente, e a intensidade de seu olhar fez o ar ficar mais denso.
— Abra a pasta, senhorita Clark.
Com os dedos trêmulos, ela o fez. Dentro, havia um contrato. Seus olhos correram pelas cláusulas, mas pararam no final da primeira página, em um número que a fez piscar. O salário. Era mais do que ela ousaria sonhar em ganhar em cinco anos. Era uma quantia que mudaria sua vida. Mudaria a vida de sua mãe.
Era uma coleira de ouro.
O contrato inclui um acordo de confidencialidade rigoroso ele continuou, como se lesse seus pensamentos. Tudo o que você vir ou ouvir neste andar, morre com você. Sua vida pessoal se tornará secundária. Seu foco será esta empresa. Serei eu.
A palavra ecoou na mente dela. Serei eu.
Era uma proposta irrecusável. Uma sentença. Uma aposta perigosa. Trabalhar lado a lado com aquele homem seria como dançar na beira de um vulcão. Ele a consumiria. Mas a alternativa... A alternativa era voltar para a sua vida de dificuldades, para as portas fechadas e para o sonho morrendo lentamente.
Ela ergueu o queixo, encontrando o olhar dele sem vacilar, mesmo que seu interior fosse um turbilhão de medo e excitação. A jovem sonhadora que entrara naquela sala estava sendo forçada a se tornar uma jogadora.
— Eu aceito.
O sorriso que ele lhe deu desta vez foi real. Lento, predatório e cheio de uma satisfação sombria.
— Ótimo. Você começa amanhã. Sete da manhã, em ponto. Minha antiga assistente deixou as coisas um caos. Espero que o escritório esteja impecável e meu café na mesa quando eu chegar às sete e meia. Não se atrase.
Ele se levantou, o gesto indicando que a conversa estava encerrada.
Isabella se levantou também, o contrato pesado em sua mão. Ela não era mais uma candidata. Era uma funcionária. Propriedade, de certa forma, de Pedro Montenegro.
E enquanto caminhava para fora do escritório pela segunda vez, ela não sabia se tinha acabado de assinar sua salvação ou sua perdição.