A porta se abriu para um mundo de luz baixa e sussurros caros. O ar que atingiu Helena não era o da sua oficina em Candeias, pesado com o pó de pedra e o sal do mar, mas uma mistura artificialmente gelada de perfume importado, couro e uísque single malt. A suíte presidencial não parecia um quarto de hotel, mas o covil de uma sociedade secreta. Sofás de veludo escuro estavam dispostos em ilhas de conversação, e homens em ternos que custavam mais que o carro de Helena seguravam copos de cristal, suas vozes um murmúrio grave e confiante.
Nenhuma mulher, além das que serviam discretamente as bebidas, estava em pé. Elas se sentavam ao lado dos homens, sorrindo com um brilho polido e vazio nos olhos. Helena sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela não era como elas. Ela era uma impostora, uma peça de cerâmica crua em meio a diamantes lapidados, e todos pareciam saber disso. Cada olhar que cruzava o seu parecia desnudá-la, avaliá-la, precificá-la. Para sobreviver, ela fez o que sempre fazia quando se sentia intimidada: construiu uma muralha por dentro. Ergueu o queixo, endureceu o olhar e vestiu uma máscara de indiferença fria.
Do outro lado da sala, recostado em uma poltrona de couro que mais parecia um trono, Dante Alencar, conhecido naquela noite apenas como Leo, sentia o tédio corroê-lo como ácido. Ele odiava aqueles eventos. Eram desfiles de egos, onde homens que já possuíam o mundo competiam para provar que podiam possuir um pouco mais. Seu sócio, um homem mais velho chamado Afonso, o arrastara até ali com a promessa de contatos valiosos. Mas, para Dante, tudo aquilo era um teatro doentio.
— Um pouco de entretenimento não faz mal a ninguém, Leo — dissera Afonso, gesticulando para uma mulher loira que ria de forma estridente em um canto. — Relaxe. Beba. Talvez encontre algo que lhe interesse.
Dante duvidava. Seu interesse não era algo que se comprava. Até que a porta principal se abriu.
Ele a viu no mesmo instante. Não foi o vestido preto simples ou a beleza inegável de seus traços que o prenderam. Foi a tempestade em seus olhos. No meio daquela sala cheia de sorrisos falsos e posturas ensaiadas, ela era a única coisa real. Havia desafio em sua postura, medo em sua rigidez e um orgulho feroz que brilhava como uma chama em meio à fumaça. Ela não queria estar ali, e essa recusa silenciosa era a coisa mais sedutora que ele já vira. Ele se endireitou na poltrona, o tédio evaporando, substituído por uma súbita e predatória curiosidade. Quem era ela?
Carla materializou-se ao lado de Helena, seu sorriso profissional não alcançando os olhos preocupados.
— Você veio — sussurrou ela. — Tente parecer que pertence a este lugar. Você é o lote número sete. Quando chamarem, suba naquela pequena plataforma perto do bar. Não diga nada. Apenas... esteja lá.Antes que Helena pudesse responder, um homem de terno prateado subiu em um pequeno estrado, batendo palmas suavemente para chamar a atenção.
— Cavalheiros, obrigado pela presença e pela generosidade de sempre — disse ele, com uma voz aveludada. — Vamos começar nosso leilão beneficente com um item verdadeiramente espetacular...Helena parou de ouvir. Seu sangue zumbia em seus ouvidos. Lote número sete. Ela era um objeto com um número, uma mercadoria esperando seu arremate. A bile subiu novamente, mas ela a engoliu, transformando o gosto amargo em uma determinação gélida. Ela se agarrou à imagem da oficina de seu pai, à casa de sua mãe, ao rosto assustado de seu irmão. Aquilo era seu escudo.
Um fim de semana em Paris foi leiloado. Depois, um relógio de edição limitada. A cada lance, a cada martelo batido, Helena sentia sua própria execução se aproximar. Então, o homem de terno prateado sorriu.
— E agora, para o nosso lote número sete. Uma oportunidade única. Um fim de semana inteiro em um bangalô privado no resort mais exclusivo de Itacaré, com tudo incluso. E, claro, na companhia de nossa misteriosa beldade.O nome de Helena não foi dito, mas todos os olhos se viraram para ela. Carla deu-lhe um leve empurrão. Andar até a plataforma foi a caminhada mais longa de sua vida. Cada passo era uma traição a si mesma. Ela subiu os dois degraus, sentindo-se como um animal em exibição. A luz focada nela era quente, expondo cada poro de sua pele, cada tremor que ela tentava esconder. Ela não olhou para ninguém, fixando o olhar em um ponto abstrato na parede oposta, sua expressão uma máscara de pedra.
Dante a observava, imóvel. A vulnerabilidade que ela tentava esconder com tanta ferocidade o atingiu como um soco. Ele viu a escultora nela, a mulher que criava beleza com as próprias mãos, agora transformada em um objeto para ser leiloado. A injustiça da situação o enfureceu, mas essa fúria se misturou a um sentimento mais sombrio, mais possessivo. Ele não a queria para se divertir. Ele a queria para... desvendá-la. Para quebrar aquela máscara e ver a mulher de verdade por baixo. Ele a queria para si.
— Começamos os lances em cinquenta mil — anunciou o leiloeiro.
Um homem mais velho, perto do bar, levantou um dedo.
— Setenta e cinco — disse Afonso, o sócio de Dante, dando uma piscadela em sua direção.— Cem mil — veio de um grupo no canto. Era um jogo, e ela era o prêmio.
Helena sentia o corpo dormente. Os números eram irreais, absurdos. Eram quantias que poderiam mudar sua vida, mas o custo era sua alma.
— Duzentos e cinquenta mil.
A voz veio do fundo da sala, calma, mas carregada de uma autoridade que silenciou os murmúrios. Helena não se virou, mas sentiu a mudança na atmosfera da sala. A diversão havia acabado; agora, era sério.
Afonso se virou para Dante, surpreso.
— Leo? O que está fazendo?Dante não respondeu. Seus olhos estavam fixos em Helena, uma intensidade predatória em seu olhar.
O homem do canto, um rival conhecido de Dante nos negócios, sorriu.
— Trezentos mil.— Meio milhão — retrucou Dante, sem piscar. A palavra soou como uma ordem, não um lance.
A sala ficou em silêncio absoluto. Meio milhão. Por um fim de semana. Era um absurdo, uma demonstração de poder tão brutal que se tornava vulgar. O rival de Dante empalideceu, balançando a cabeça em derrota. O leiloeiro, visivelmente chocado, tentou se recompor.
— Meio milhão... dou-lhe uma... dou-lhe duas... — Sua voz falhou. — Vendido! Ao senhor Leo.
O martelo bateu. O som ecoou na cabeça de Helena, final, irrevogável. Como a porta de uma cela se fechando. O nó em seu estômago se apertou tanto que ela pensou que vomitaria ali mesmo. Ela havia sido comprada.
Ela desceu da plataforma, suas pernas como gelatina. Queria correr, desaparecer, mas seus pés pareciam presos ao chão. Foi então que o viu se aproximando.
O homem que dera o lance.
Ele era alto, movendo-se com uma graça fluida que contradizia seu poder evidente. A multidão se abriu para ele como o mar se abrindo para um deus antigo. O terno caro, a postura confiante, tudo nele gritava perigo. Quando ele parou na sua frente, o mundo pareceu encolher, contendo apenas os dois. Seu rosto ainda estava parcialmente obscurecido pelas sombras da sala, mas ela podia ver um maxilar forte, lábios bem desenhados e olhos que pareciam perfurar sua alma.
Ela podia sentir o calor que emanava de seu corpo, o cheiro sutil de algo caro e unicamente masculino. Ele a olhava de cima a baixo, não com a lascívia dos outros homens, mas com uma intensidade analítica, como se estivesse apreciando uma obra de arte rara que acabara de adquirir.
Ele se inclinou ligeiramente, sua voz um barítono baixo e aveludado que enviou um arrepio por todo o seu corpo.
— Acho que você é minha este fim de semana.