Capítulo 2

A chuva ainda caía fina quando ele bateu a porta atrás de si, mas eu fiquei parada no meio da sala, respirando fundo, tentando não desabar. O som das gotas batendo na janela se misturava ao ruído do meu coração.

Tudo em mim queria fugir.

Mas fugir de Henrique Lucchese era o mesmo que tentar escapar de uma sombra — ela sempre te encontra, não importa onde vá.

Peguei minha bolsa, minhas chaves, o que restava da coragem, e comecei a juntar algumas roupas. O medo me guiava, mas a raiva me dava forças. Eu precisava ver o papai. Se estivesse mesmo em coma, precisava entender por quê.

Foi quando a voz dele ecoou outra vez, fria como aço.

— Não adianta arrumar nada, Rosália. —

Me virei e o vi novamente encostado na porta do quarto, como se nunca tivesse ido embora. Ele parecia ainda maior, com os ombros largos cobrindo o batente, o olhar de predador fixo em mim.

— O que está fazendo aqui ainda? — Perguntei, tentando soar firme, mas a voz saiu trêmula.

— Observando a sua burrice — respondeu, num tom calmo demais para ser seguro. — Você não vai precisar de nada disso.

— Preciso ver o papai. — Ele riu. Um riso curto, sem humor, daqueles que soam mais como aviso do que como graça.

— Já disse que vai me acompanhar.

— Eu posso ir sozinha!

Henrique se aproximou, e em segundos sua mão já prendia meu pulso. A força dele era absurda, o aperto doía.

— Você vai comigo.

— Me solta, Henrique! — Gritei, mas ele não pareceu ouvir.

Puxou-me pelo corredor, arrastando-me quase sem esforço. O ar parecia mais denso, e o perfume dele — aquela mistura de couro, tabaco e poder — se espalhava, deixando minha respiração curta.

— Não ouse levantar a voz comigo. — A voz dele soou baixa, ameaçadora.

— Você não quer que os vizinhos saibam quem você realmente é, quer?

Aquilo me paralisou.

Ele sabia exatamente onde atingir.

Eu vivia ali sob um nome falso, longe das rotas da máfia, estudando em silêncio, fingindo ser apenas mais uma garota anônima em Manhattan. Se Henrique revelasse a verdade, tudo estaria perdido.

— Você é um monstro. — Nurmurei, tentando conter as lágrimas.

Ele parou, virando-se de repente. Os olhos ardiam com algo entre raiva e prazer em me ver vulnerável.

— E você é uma de nós. Querendo ou não.

Fiquei em silêncio, porque discutir com Henrique era inútil. Ele sempre ganhava.

Sempre.

A família Lucchese era conhecida como a mais disciplinada das Cinco Famílias. Fria, silenciosa, letal. Não deixavam rastros. Meu pai, Vittorio Lucchese, era o Don — o líder absoluto, até o dia em que o corpo dele cedeu ao peso de tantos segredos.

Agora, com ele em coma, o trono estava vago.

E Henrique acreditava que esse trono deveria ser dele.

Só que não era.

Era meu.

A notícia de que eu havia sido escolhida devia estar destruindo o ego dele, e talvez fosse por isso que estava ali: para me controlar, me dobrar, me punir por algo que eu nem sequer havia pedido.

Ele me empurrou até o sofá.

— Sente-se.

Eu o encarei com ódio.

— Eu quero ver o papai.

Henrique se inclinou sobre mim, o olhar a centímetros do meu rosto.

— E você vai. Mas antes precisa entender uma coisa.

— O quê?

— Há mais do que apenas o estado de saúde do velho em jogo.

Minha cabeça latejava.

— Fala logo, Henrique.

Ele deu um passo para trás, andando pela sala com a calma de quem saboreia o medo.

— O Conselho das Famílias se reuniu ontem. — O estômago virou.

— O Conselho?

— Sim. Os De Lucca, os Bonanno, os Marciani, os Conti e nós, os Lucchese. Os cinco pilares da cidade. — Ele me olhou com arrogância.

— E o assunto da reunião foi… você.

Engoli seco.

— Eu?

— O velho te nomeou oficialmente como sucessora, Rosália. — As palavras pareceram um golpe no ar.

— Isso é impossível. Eu nunca quis isso!

— Pois é tarde demais. — Ele se aproximou novamente, o tom cada vez mais ácido.

— Você foi escolhida pra manter a aliança entre as famílias.

— Eu não vou fazer parte disso.

Henrique sorriu, e aquele sorriso me fez sentir pequena.

— Você não tem escolha.

A raiva me fez levantar.

— Eu não sou uma mercadoria! — O olhar dele mudou. Escureceu.

E antes que eu pudesse me mover, senti a mão dele atingir meu rosto com força.

O som do tapa ecoou alto demais na sala.

O impacto me jogou contra a parede. O mundo girou por um instante. O gosto de sangue se espalhou pela boca, e a visão ficou turva.

Henrique respirava pesado, os olhos marejados de raiva — ou de algo pior.

— Viu o que você me fez fazer? — Gritou, com os dentes cerrados.

— Eu tento ser razoável, mas você sempre me desafia!

Segurei a parede, tentando não cair.

Não ia chorar. Não ia dar esse prazer a ele.

Ele se abaixou, segurando meus braços, forçando-me a olhar para ele.

— O seu tempo de brincar de vida normal acabou, Rosália.

— Eu só queria estudar… viver em paz. Sussurrei, entre lágrimas. — Não quero esse trono, Henrique.

— Paz não existe pra gente. Nunca existiu.

O olhar dele suavizou por um breve segundo. Um lampejo estranho, como se houvesse pena ali — ou desejo.

Mas desapareceu rápido.

Ele me soltou, respirando fundo, e passou a mão pelos cabelos, frustrado.

— Vista-se. Precisamos ir.

— Eu quero ver o papai.

— Vai ver. Mas antes, precisa saber o motivo da sua escolha. — O ar parecia pesado demais.

— Que motivo?

Henrique riu, um riso sem humor.

— Você foi prometida, Rosália.

A palavra me fez estremecer.

— Prometida?

— A uma das famílias. O velho achou que seria a melhor forma de manter a paz.

O chão pareceu se mover.

— Eu não vou me casar com ninguém!

Ele deu de ombros.

— Vai, sim.

— Isso é loucura!

Henrique se aproximou, e o toque dos dedos dele no meu queixo me fez recuar.

— Sabe o que é loucura? — disse, com a voz baixa, quase sussurrada.

— Achar que tem escolha.

— Me solta, Henrique.

Ele apertou o maxilar, me obrigando a olhar para ele.

— Você é bonita, Rosália. Demais. E pra seu próprio bem. Aceite. Ele te escolheu pela sua beleza. É por isso que ele te escolheu.

— Quem ele?

Henrique hesitou por um instante, e o silêncio entre nós pareceu se estender por minutos.

— Quem é o homem, Henrique? perguntei, a voz tremendo.

Ele sorriu de canto.

— Não adianta saber agora. Vai descobrir em breve.

— Me diga!

Henrique recuou lentamente, os olhos ainda queimando os meus.

— Você deveria agradecer. Podia ter sido pior.

— Pior?

— Ele é poderoso. Jovem. Controla metade dos portos de Manhattan.

Meu coração começou a disparar.

— Não…

— Um De Lucca Bonanno, Rosália. — Senti o sangue gelar. A Família De Lucca Bonanno era a mais impiedosa das Cinco. Envolvida com tráfico de armas, controle marítimo e negócios sujos com os russos.

Henrique observava meu pavor com prazer evidente.

— Surpresa?

— Eu não vou aceitar isso!

Ele se aproximou mais uma vez, e quando falou, seu tom foi cortante.

— Não tem que aceitar. Só tem que obedecer.

Fiquei imóvel, respirando com dificuldade.

As lágrimas desceram sem que eu percebesse.

Ele olhou para o relógio.

— Cinco minutos. Esteja pronta.

— Pra onde está me levando?

— Para o hospital. E depois… para ele.

— Ele quem?

Henrique sorriu. Aquele sorriso gelado que parecia o prelúdio do inferno.

— Luciano De Lucca Bonanno.

Meu coração falhou uma batida.

Aquele nome era uma sentença.

O Don mais jovem e perigoso de toda Manhattan. Um homem que todos temiam e ninguém ousava desafiar.

Henrique segurou a maçaneta, mas antes de sair, lançou o último golpe:

— Ele está ansioso pra colocar as mãos em você, querida irmã.

A porta bateu com força.

Fiquei ali, sozinha, tremendo, o som da chuva misturado ao eco do meu próprio medo.

A vida que eu tinha acabado de perder escorria pelo chão junto com minhas lágrimas.

Naquela noite, percebi que não havia para onde correr.

Eu era uma Lucchese, filha da máfia, herdeira de um império de sangue.

E agora… prometida a um monstro.

Continua...

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