O caminho de volta da fazenda até Manhattan parecia durar séculos.
Lila ficou em silêncio no banco de trás do carro, com os braços cruzados, os olhos fixos na estrada como se ela fosse a culpada por tudo. As palavras dos pais, o cheiro de feno ainda preso no vestido, o som da voz de Taylor dizendo “três anos” ecoavam em sua cabeça como uma sentença.
Ficaria casada com ele por três anos. E a exatamente quatro meses iria se transformar em esposa de um boiadeiro com o ego do tamanho da própria fazenda.
A cada buraco na estrada, ela se sentia mais enjoada. Saber que sua vida, até então cuidadosamente organizada entre brunches em rooftops, jantares beneficentes e campanhas de moda, acabava de virar do avesso.
Quando o carro finalmente estacionou diante da mansão imponente dos Montgomery, Lila desceu sem dizer uma palavra. Não respondeu à mãe, não olhou para o pai. Entrou na casa com a fúria de quem estava prestes a declarar guerra ao planeta.
E no fundo, ela declarou.
Lila Montgomery não apenas bateu à porta do quarto. Ela a fechou com tanta força que o retrato do bisavô caiu da parede do corredor, despencando no chão com um estrondo seco e dramático.
— Que ele seja enterrado junto com a minha paciência — murmurou, chutando o salto alto em direção ao closet.
Jogou a bolsa prateada sobre a poltrona como se fosse uma granada. E então começou a andar de um lado para o outro, bufando.
— Casar?! Com Taylor Remington Miller?! Porque a vovó precisa de estabilidade emocional e porque é “bom para os negócios da família”?
Ela repetia as palavras da mãe em voz afetada, andando com passos furiosos, o celular ainda tremendo na mão de tanto girar nos dedos.
— Ah, claro! Porque não há nada mais calmante para uma senhora cardíaca do que ver a neta sendo empurrada para um casamento arranjado com um caubói de filme pornô dos anos 80!
No closet, o caos começou.
Sapatos voaram. Vestidos foram lançados por cima dos ombros como se estivessem contaminados. Bolsas de grife foram descartadas como panfletos políticos.
E então ela parou em frente ao espelho e respirou fundo olhando para si mesma. Seus olhos azuis faiscavam, seu cabelo estava bagunçado, o rosto levemente ruborizado e murmurou:
— Se é guerra que eles querem… é guerra que eles vão ter.
E escolheu o armamento.
Um vestido rosa-choque. Um tubinho tão justo que parecia pintado no corpo. Zíper dourado que ia das costas até quase a alma. Brilho? Tinha o suficiente para ofuscar paparazzi. Os saltos? Agulha. Altura: intimidadora. E a maquiagem um delineado felino, cílios de efeito chicote e gloss labial que gritava: “Beije-me ou morra tentando”.
Os cabelos loiros estavam ondulados com perfeição e caíam como cascatas sobre as costas nuas.
Ela desceu as escadas como uma deusa da fúria e do glamour.
O celular vibrava com 47 mensagens da melhor amiga, 3 ligações perdidas do irmão e uma da avó, escrita em tom fúnebre:
“Pensei que veria você casar antes de morrer. Agora talvez nem dê tempo.”
Lila bufou.
— Dramática, igualzinha a mim.
Ao sair pela porta principal da mansão, já preparada para incendiar a cidade, encontrou Suze, encostada no conversível vermelho como uma deusa grega em versão ruiva e provocante. Vestido preto curtíssimo, olhos castanhos que esbanjam malícia, e um sorriso que era praticamente um selo de “vamos causar”.
— Finalmente! Achei que você ia aceitar a proposta de casamento em troca de uma joia da Cartier. — disse Suze, abrindo a porta do carro com um estalo.
— Eu aceitaria… se viesse com uma ilha nas Maldivas e um divórcio garantido. — rebateu Lila, entrando no carro como quem estava prestes a cometer um crime estiloso.
Destino da noite?
A boate Velvet Room.
Manhattan fervia. As luzes piscavam com a impaciência de um coração acelerado. O letreiro azul-néon da Velvet Room brilhava como uma promessa de perdição. Assim que desceram do carro, o mundo se dividiu entre o antes de Lila chegar e o depois de Lila chegar.
A fila evaporou.
Os olhares se voltaram como um exército de batedores: alguns disfarçados, outros escancaradamente lascivos.
Lila não estava ali para agradar, estava ali para esquecer.
— Você é uma calamidade natural com glitter — murmurou Suze. — As seguradoras deviam te cobrar pela perturbação em massa que você causa quando entra em lugares públicos.
— E pensar que tudo isso vai ser de um homem só — respondeu Lila, mordendo o próprio sorriso com ironia venenosa.
No bar, a música vibrava sob a pele como adrenalina líquida.
— Cosmopolitan pra mim — disse Lila ao bartender com a segurança de quem está comprando a própria liberdade.
— Sex on the Beach — pediu Suze, cruzando as pernas de maneira estratégica.
— Então me conta. Quem é o pobre infeliz que vai colocar o anel na nossa princesa indomável?
Lila olhou o copo vazio, fez sinal para outro.
— Taylor Remington Miller — disse, cuspindo as palavras como se fossem veneno.
Suze engasgou na risada, batendo no balcão.
— O boiadeiro gostosão?! Aquele que parece saído de um catálogo da Calvin Klein versão fazenda?
— O próprio.
— O que doma touros e cavalga como se o cavalo fosse extensão da alma?
— Esse mesmo.
— Lila! Me belisca! Esse homem é um espetáculo. Um vaqueiro do pecado! As mulheres que passam pela cama dele dizem que… esquecem o próprio nome.
Lila revirou os olhos.
— Deve laçar elas como cavalo e relinchar quando goza.
— AMIGA! — Suze gritou, rindo tanto que os seguranças olharam. — Se você vai perder a virgindade com alguém, que seja com um homem que sabe usar cordas!
— Por mim, podiam ficar com ele. Eu odeio cavalo, mato, lama… e ele é o embaixador da ruralidade.
— Isso é por causa daquela festa, né?
Lila ficou em silêncio.
Aquele arrepio subindo a espinha não era bebida.
Era memória.
Era o olhar dele, dois anos atrás, quando ela caiu de cara na lama na frente de todos os amigos dele. A gargalhada e o que ele disse: “Gente fina não pisa na terra, escorrega nela.”
Ela jamais esqueceu.
— Claro que não — mentiu, com a cara mais cínica que conseguiu.
Suze apenas sorriu, sabendo demais.
— Amiga, começa a se preparar psicologicamente… porque você vai morar numa fazenda, perder a virgindade para um touro reprodutor e descobrir a diferença entre “devagar” e “não consigo andar por três dias”.
Lila gargalhou.
— Se eu sobreviver à primeira noite, talvez escreva um livro: Como domar um boiadeiro sem perder a dignidade (ou as pernas).
— Ou… sem perder o juízo.
Elas riram tanto que o bartender ofereceu drinks grátis. E Lila, pela primeira vez naquela noite, deixou a música entrar na alma. A raiva virou batida, o medo virou dança e a revolta, liberdade.
Na pista, sob luzes pulsantes, ela dançava como se o mundo estivesse prestes a acabar e talvez estivesse mesmo.
Quatro meses.
Quatro meses para virar esposa de Taylor Remington “Cintura de Aço” Miller.
Mas por ora?
Ela era só Lila Montgomery.
Indomável. Imparável. Inesquecível.
E que Deus tivesse piedade do cowboy.
Porque ela… não teria.