Capítulo 5 – O Embate

O relógio da sala marcava sete e vinte da noite quando o ronco de um carro importado ecoou pela entrada principal, anunciando a chegada dos Remington. Do lado de fora, a mansão moderna dos Montgomery exibia sua imponência com linhas retas, amplas janelas de vidro, madeira clara e iluminação indireta que destacava cada detalhe da fachada. 

Por dentro, a casa não era menos impressionante. 

Mas Lila… Lila estava à beira de explodir.

Sozinha na biblioteca, ela andava em círculos, os saltos afundando no tapete macio enquanto tentava conter a raiva que lhe fervia no peito. Os braços cruzados com força, o maxilar travado, e o olhar em chamas. Nada daquilo fazia sentido. Por mais que os pais insistissem que aquele casamento era estratégico, uma fusão perfeita entre os Montgomery e os Remington, tudo dentro dela gritava que aquilo era um erro.

E o motivo principal tinha nome, sobrenome… e maldita beleza.

Taylor Remington Miller.

Sim, ele era lindo. Ridiculamente bonito. Alto, ombros largos, cabelo loiro levemente bagunçado e olhos de um azul tão profundo que irritava. O tipo de homem que parecia saído direto de um comercial de perfume, daqueles com cavalos selvagens correndo em câmera lenta e vento no rosto. Tinha uma presença que dominava o ambiente e uma voz grave que fazia qualquer distração se calar. Lila odiava o fato de que, por mais que quisesse, seu corpo não conseguia ignorá-lo.

Mas odiava ainda mais o próprio Taylor.

Não era só implicância. Era mágoa, orgulho ferido, um rancor que ela alimentava desde aquela noite maldita, dois anos atrás, numa festa beneficente na fazenda dos Remington.

Ela estava com Suze, sua melhor amiga, quando ouviu a voz dele vindo de um canto do jardim. Taylor falava com dois amigos, sem saber que ela estava perto. Ela não queria escutar… mas escutou.

— Bonita ela é, sem dúvida — disse, rindo. — Mas jamais me envolveria com uma garota como a Lila Montgomery.

— Por quê? — perguntou um dos amigos, também rindo.

— Porque ela é mimada. Vive cercada de luxo, tem um gênio pior que touro bravo. Seria impossível domá-la.

Domar...

A palavra reverberou na mente de Lila como um soco.

Ela ficou paralisada, não disse nada. Por mais que sua vontade era ter partido para cima dele e ter feito ele engolir tudo o que disse. 

A partir daquele momento, Taylor se tornou o homem que ela jurou odiar pelo resto da vida. Um sujeito que a julgou sem conhecê-la, que a reduziu a uma caricatura fútil, como se ela fosse só uma boneca de luxo feita para agradar em jantares de gala. Quem ele pensava que era? Um peão de luxo, só porque preferia cavalos a coquetéis?

Desde então, cada vez que o via, o sangue de Lila fervia. Não importava o quanto ele estivesse bonito, e ele estava sempre, bastava lembrar daquela frase para todo o corpo dela se encher de raiva.

E agora… agora estavam prestes a se casar. Por ironia do destino, e pela chantagem emocional constante da avó, que ameaçava “não morrer em paz” se não visse a neta casada com o “homem ideal”, Lila se via noiva de alguém que ela detestava.

Ela se aproximou da estante da biblioteca e apoiou as mãos sobre um dos livros, tentando respirar fundo. Mas tudo dentro dela continuava em ebulição. Odiava o que ele disse. Odiava a forma como a subestimou. E odiava ainda mais o fato de que, quando ele entrava em um cômodo, algo dentro dela estremecia, como se o corpo traísse aquilo que o coração rejeitava.

Ele a fazia sentir coisas. Raiva… Tensão… Desejo.

E ela odiava isso também.

— Arrogante… — murmurou, girando uma mecha do cabelo loiro entre os dedos com força. — Arrogante e insuportável.

Mas mesmo irritada, mesmo à beira de explodir, Lila sabia o que ia acontecer. Ele entraria pela porta da frente e perderia o fôlego por um segundo. Sempre perdia  antes de recuperar a pose, levantar o queixo e fingir que ele era invisível.

No portão principal, Taylor Remington Miller hesitava antes de sair do carro. O blazer azul-marinho estava impecável no cabide do banco traseiro, mas ele insistia em permanecer apenas com a camisa de algodão dobrada até os cotovelos e o jeans escuro que vestiu no escritório da fazenda naquela tarde. Seu pai, lançou-lhe um olhar reprovador, o leve franzir de testa já deixava claro que ele esperava do filho, senão entusiasmo, ao menos elegância. Do outro lado, Sophia Remington Miller  ajeitava as pérolas no pescoço e sorria com doçura, fingindo não perceber o mau humor que exalava do primogênito.

— Taylor, você sabe o que está em jogo aqui — murmurou ela, pousando a mão enluvada sobre o ombro largo de Taylor. — Espero que saiba se comportar, pense na sua avó e no futuro de sua fazenda. 

Taylor respirou fundo, engolindo uma réplica cortante. As ordens do pai ainda ecoavam desde o café da manhã: “Você vai negar esse pedido a sua avó? Essa aliança é pensando no seu futuro e o da sua irmã, não seja egoísta. Pense na sua fazenda.” Aquilo o corroía. Sentia-se uma cabeça de gado sendo conduzida pelo curral de interesses familiares.

O mordomo abriu as portas com um sorriso profissional. O hall de entrada se revelou imediatamente suntuoso, com lustres de cristal pendendo sobre uma mesa redonda de mármore onde repousava um arranjo de peônias e hortênsias. Taylor avaliou o ambiente com um rápido movimento de sobrancelhas, luxo sem sutileza, concluiu e mal teve tempo de absorver mais, pois Lila surgiu à frente, seguida pelos pais.

Ela não lembrava que ele era tão alto. A postura firme, a camisa delineando os músculos dos antebraços, os cabelos loiros penteados para trás de forma displicentemente elegante. Ele, por sua vez, tampouco esperava encontrar a noiva com aquele olhar inteligente, um toque de desafio brilhando atrás dos cílios. O vestido cor de rubi abraçava-lhe a cintura de modo calculado, discreto o suficiente para manter as aparências, ousado o bastante para fazê-lo perder dois segundos de raciocínio. Foram apenas dois segundos, mas bastaram para que Lila erguesse o queixo num sorriso que beirava o deboche.

— Senhor Remington — saudou ela, inclinando a cabeça com a precisão de quem concede uma audiência real. — Sejam bem-vindos. Espero que a viagem da fazenda até a civilização não tenha sido... exaustiva.

A frase saiu doce como mel, mas com veneno escondido entre as sílabas. Taylor arqueou uma sobrancelha. Aquela voz, refinada e provocativa, já era mais do que conhecida — era como o tilintar de um sino que ele aprendera a ouvir com os dentes cerrados.

Ele estendeu a mão, o olhar fixo no dela.

— Estradas em boas condições facilitam, senhorita Montgomery — respondeu, medindo cada palavra. — Às vezes a gente esquece que nem todo mundo pisa na lama… Mas tem gente que prefere viver em estufas.

O olhar dele escorregou deliberadamente até os sapatos vermelhos de Lila, de salto agulha, brilhando sob a luz do lustre como se nunca tivessem tocado o chão.

O aperto de mãos foi firme demais, prolongado demais. Um gesto que parecia cortês por fora, mas por dentro era uma queda de braço silenciosa. Quando se soltaram, os dois sorriram — sorrisos frios, afiados.

Lila recuou um passo e voltou-se para as formalidades.

A mãe dela, Isabella, elogiou os arranjos florais com orgulho contido. A senhora Remington retribuiu com um comentário amável sobre o mármore italiano. O pai de Lila mencionou a madeira restaurada do corrimão, e o senhor Remington murmurou algo sobre investimentos duráveis e bom gosto clássico.

Era um teatro. Um balé coreografado de gentilezas. Mas, no fundo do palco, os dois protagonistas trocavam farpas com os olhos.

E Lila queimava.

A presença dele a incomodava. O cheiro leve de madeira e terra que ainda o acompanhava, mesmo sob o perfume caro. A camisa que não disfarçava os ombros largos de quem cresceu em selas, e nem o andar tranquilo, seguro demais para o gosto dela.

Ele parecia saber que era desejável. E pior: parecia saber que ela o desejava, mesmo tentando disfarçar. E isso a enfurecia ainda mais.

Logo que os pais e futuros sogros se afastaram para discutir o cardápio do jantar, Lila o conduziu até a biblioteca. Era para serem “apresentados oficialmente”, embora já se conhecessem há anos. O clima era de cordialidade, mas a porta nem tinha se fechado e as faíscas já explodiam.

— Então é isso — começou ela, andando até a janela, os braços cruzados. — O herdeiro da boiada e a princesa do mármore. Casamento dos sonhos, não?

Taylor se encostou no batente da porta, cruzando os braços também. O relógio da parede marcava 19h36, mas o tempo parecia suspenso dentro daquele cômodo.

— Acho que casamento dos sonhos depende da perspectiva. Me disseram que você estava animadíssima com o vestido.

Ela se virou em um estalo.

— Me disseram que você só aceitou esse noivado porque seu pai ameaçou cortar os fundos da sua fazenda.

Ele riu, seco.

— E me disseram que você só está aqui porque sua avó ameaçou tirar seu nome do testamento.

Os dois se fitaram, faíscas no ar.

— Pelo menos eu sei onde fica o meu lugar — disse ela, com a voz mais baixa e firme. — Eu pertenço a este mundo. E você? Prefere cavalos a pessoas. Ainda me pergunto o que está fazendo aqui.

— Talvez tentando salvar a propriedade da família da falência emocional — rebateu ele. — Ou talvez tentando entender por que alguém que me odeia tanto fica toda arrepiada só de me ouvir falar.

Lila se aproximou num passo. O salto ecoou como um estalo no chão de madeira.

— Eu não estou arrepiada.

— Não? Então por que está com os ombros tensos, o queixo levantado e as bochechas vermelhas?

Ela piscou, rápido. Maldito fosse ele por notar.

— Isso se chama raiva, senhor Remington.

— Ah, claro. E o olhar que você me lançou quando cheguei? Puro ódio. Quase senti um beijo vindo logo depois.

Lila cerrou os punhos.

— Você é um... um arrogante. Um camponês arrogante com ares de nobreza. Um jeca com um cartão black.

— E você é uma princesa mimada, criada no berço do luxo, que nunca lavou uma louça na vida. Uma garota mantida pela família, sustentada por heranças e aparências.

A ofensa caiu como um tapa. Mas ela não recuou.

— Melhor ser sustentada por uma família que me ama do que viver se escondendo atrás de cercas e cavalos porque não sabe lidar com gente de verdade!

— Melhor cheirar a cavalo do que a perfume francês vencido!

— Você não sabe nada sobre mim! — explodiu ela, com a voz subindo. — E ainda tem a audácia de me julgar! Você, que há dois anos disse que jamais se envolveria comigo porque eu era “mimada demais e impossível de domar”!

A voz dela tremeu, mas a firmeza continuava. Taylor arregalou os olhos por um instante. 

— Você ouviu aquilo? — ele perguntou, mais baixo.

— Eu ouvi. — disse ela, fria. — E nunca mais esqueci. 

Um silêncio cruel caiu entre os dois. O tipo de silêncio que precede ou uma tragédia… ou um beijo. Mas nenhum dos dois recuou e Taylor foi quem quebrou o silêncio primeiro. Ele se afastou, passou a mão pelos cabelos, irritado. Caminhou até o outro lado da biblioteca, sem encará-la, e então virou-se com o rosto endurecido.

— Quer saber? Eu não vou me casar com você.

Lila sorriu triunfante.

— Ah, que alívio — disse, com veneno nos lábios. — Porque eu jamais me casaria com um peão metido a CEO, que cheira a curral e se comporta como um jeca egocêntrico. Nem se fosse o último homem da Terra.

Ele avançou dois passos.

— Você sempre foi insuportável, sabia?

— E você sempre foi previsível. Só sabe dar ordens para animais porque gente te desafia demais.

— Melhor lidar com bois do que com princesas histéricas.

— É melhor ser histérica do que viver fingindo que é homem de negócios só porque tem uma fazenda com nome de filme da N*****x!

Os dois estavam irritados. O sangue fervia em ambos, e algo dentro deles parecia querer mais: 

Mais briga, mais gritos, mais... tudo.

Mas então a porta da biblioteca se abriu com um rangido. Era a mãe de Lila, com um sorriso tenso nos lábios.

— Lila, querida... o jantar será servido em cinco minutos.

Ambos se viraram, compenetrados. Em um segundo, a postura mudou, como se vestissem máscaras. Taylor passou a mão pelos cabelos e  Lila ergueu o queixo.

— Estaremos lá — disse ela, com um sorriso doce e assassino.

Quando Isabella se retirou, Lila lançou um último olhar para Taylor.

— Cuidado ao sair, senhor Remington. Pode tropeçar no próprio ego.

— E você, senhorita Montgomery — respondeu ele, com a voz baixa — deveria tomar cuidado com o que deseja. Porque às vezes, a gente acaba conseguindo exatamente isso… e se arrepende profundamente.

Ela passou por ele como uma rajada de perfume e fúria.

Ele a observou com os olhos azuis faiscando e o peito arfando.

E, por um momento, ambos souberam: Aquilo não tinha acabado, tinha apenas começado.

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