Bárbara se desvencilhou do aperto de Henrique, um brilho de desafio em seus olhos castanhos. -- O que você não tem, Senhor Mancini, é a capacidade de entender que existem coisas mais importantes na vida do que dinheiro, status e a aprovação de mulheres superficiais..
A voz dela, embora baixa, carregava uma força que o surpreendeu. -- Eu não o julgo por suas escolhas, mas não espere que eu as admire. E quanto ao que me interessa... digamos apenas que meus objetivos não incluem me tornar mais um troféu na sua coleção.. A frieza na voz de Bárbara e a alusão a um "troféu" atingiram Henrique em cheio. Ele estava acostumado a ser desejado, a ser o prêmio, e a indiferença dela o incomodava mais do que gostaria de admitir. -- Acha que é melhor do que eu, por acaso? Não esqueça que eu sou milionário e você é apenas uma roceira. A pergunta saiu carregada de uma arrogância que ele raramente precisava usar, mas que agora lhe servia de escudo. -- Não penso que seja melhor do que ninguém, respondeu Bárbara, calma apesar da arrogância dele. -- Apenas diferente. E talvez, Senhor Mancini, essa diferença seja exatamente o que você precise para enxergar além do seu próprio reflexo. Infelizmente não consegue ver além da sua visão limitada de coisas materiais. Ela deu-lhe as costas então, caminhando em direção à porta que levava aos fundos da casa, deixou Henrique sozinho com suas palavras e com uma sensação incômoda de que, pela primeira vez, alguém havia lhe mostrado um espelho que refletia não sua riqueza ou beleza, mas sim a superficialidade de sua existência. Ele ficou parado por um longo momento, digerindo as palavras de Bárbara. A raiva inicial deu lugar a uma confusão crescente. Ele não conseguia entender a motivação dela. Se não era dinheiro ou status, o que a levava a aceitar um casamento tão claramente indesejado? A curiosidade, que antes era apenas uma fagulha, agora se inflamava dentro dele. Henrique saiu da casa, e debaixo da sombra de uma grande árvore, sentiu o ar fresco da tarde chegando batendo em seu rosto, tentando dissipar a sensação de desconcerto. O motorista, que o esperava pacientemente no carro, abriu a porta. Henrique entrou, afundando no banco de couro, a mente ainda presa na conversa com Bárbara. -- Para casa, senhor? perguntou o motorista gentilmente. Henrique hesitou com pensamentos atordoados. A mansão, antes um refúgio, agora parecia uma prisão dourada. Ele precisava pensar, precisava entender. -- Não, respondeu, finalmente. -- Para o escritório do meu pai. Ele precisava de respostas. Precisava entender o que o levara a concordar com aquele casamento, e, mais importante, precisava entender o que Bárbara Sousa esperava ganhar com tudo aquilo. A sensação de que havia algo mais por trás daquela união forçada, algo que ele ainda não conseguia decifrar, o corroía por dentro. E ele estava determinado a descobrir o que era. O escritório de Hermano Mancini era um reflexo do homem: imponente, silencioso e repleto de segredos guardados a sete chaves. As paredes, revestidas de madeira escura, pareciam absorver a luz, criando uma atmosfera quase claustrofóbica. Henrique entrou sem bater, a impaciência evidente em seus passos firmes. Seu pai, sentado à imponente mesa, ergueu o olhar, os olhos escuros e penetrantes fixando-se no filho. -- A que devo a honra desta visita inesperada, Henrique? perguntou Hermano, a voz grave e controlada, sem um traço de surpresa. -- Não ia visitar sua noiva? - Preciso entender, pai -- Henrique foi direto ao ponto, ignorando a formalidade. -- Por que Bárbara Sousa? Por que esse casamento? Papai, eu não quero me casar agora, muito menos com aquele mulher sem atrativos femininos. Hermano recostou-se na cadeira, entrelaçando os dedos. Um leve sorriso, quase imperceptível, curvou seus lábios. -- Você está questionando minhas decisões, Henrique? Já falei que essa decisão já está tomada. Na próxima semana irá se casar com ela. -- Estou questionando a lógica, -- rebateu Henrique, impaciente. -- Ela não quer se casar comigo, eu não quero me casar com ela, mas por alguma razão ela concordou. O que está escondendo? Qual o propósito disso? Eu não consigo entender, pai. -- Propósito sempre existe, meu filho, Hermano respondeu, enigmático. -- Às vezes, ele apenas se revela com o tempo. A união com a família Sousa é… vantajosa. Extremamente vantajosa. -- Vantajosa como? Por mais que pense nisso, não consigo enxergar essa vantagem. Henrique pressionou, sentindo a frustração crescer. -- Ela não tem dinheiro, não tem influência... A família Sousa é uma das mais pobres daquela região e o senhor acha que vou acreditar que é por causa de "vantagens"? -- Ela tem algo muito mais valioso, -- Hermano interrompeu, a voz baixa, quase um sussurro. Seus olhos fixaram-se em um ponto distante, como se estivesse perdido em memórias. -- Algo que eu preciso… recuperar. Henrique franziu o cenho, confuso. -- Recuperar? O quê? Hermano voltou seu olhar para o filho, o sorriso enigmático de volta aos lábios. -- Algo que nos pertence por direito, Henrique. Algo que foi… "guardado" pela família Sousa por muito tempo. Este casamento é a chave. Um silêncio pesado se instalou no escritório, carregado de insinuações. Henrique sentia que estava à beira de um segredo, de uma verdade obscura e complexa que seu pai se recusava a revelar por completo. A sensação de que Bárbara era apenas um peão em um jogo maior, um jogo cujas regras ele desconhecia, o incomodava profundamente. -- E o que Bárbara ganha com isso? perguntou Henrique, a voz rouca. O que fez pra ela aceitar um absurdo desse? Hermano deu de ombros, a indiferença em seu gesto era perturbadora. -- Proteção. Segurança. Uma vida longe das… dificuldades que a esperam. Henrique sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A conversa com Bárbara, sua resistência, sua alusão a algo mais importante que dinheiro e status… tudo começava a fazer um sentido distorcido e preocupante. Ele olhou para o pai, os olhos cheios de uma desconfiança crescente. -- Há algo que você não está me contando, afirmou Henrique, com a certeza em sua voz. Ele sabia que existia algo muito importante escondido por seu pai e por Barbara. Nos seus pensamentos cogitara que "talvez", só um "talvez", Barbara fosse uma mulher sem princípios e estivesse chantageando Hermano Mancini de alguma forma. Para Henrique, ela era uma mulher inteligente e interesseira mesmo com toda pele de boa moça da roça. Hermano apenas sorriu, um sorriso frio e calculista que não alcançava seus olhos. -- Apenas tenha paciência, Henrique. Em breve, tudo ficará claro. E você entenderá que este casamento é o melhor para todos nós.. Agora vá trabalhar, já que está aqui na empresa. Henrique saiu do escritório do pai com a mente em turbilhão. A certeza de que havia um segredo, e que esse segredo envolvia Bárbara, o corroía. A indiferença do pai, a menção de "algo muito mais valioso" e a fria oferta de "proteção" como justificativa para o casamento, tudo parecia se encaixar de uma forma distorcida. Ele não conseguia se concentrar no trabalho. A imagem de Bárbara, sua voz calma e desafiadora, e a maneira como ela o havia desarmado com suas palavras ecoavam em sua cabeça. Era uma mulher que se recusava a ser subjugada, que não se curvava diante de sua riqueza ou poder. Essa resistência, antes irritante, agora o intrigava.