A Casa do Capataz
A estrada que levava à fazenda parecia interminável. O vento entrava pela janela parcialmente aberta, trazendo o cheiro da terra úmida, dos campos e do mato que cercava a propriedade. Para Letícia, aquele era um mundo completamente diferente do burburinho de Dallas, do barulho de motores e luzes de neon. Para mim, Henry Walker, cada quilômetro percorrido me aproximava do lugar que eu chamava de lar, mas que agora estava prestes a se tornar palco de uma nova batalha: conquistar o coração de uma mulher que não conhecia minha verdadeira identidade. — Uau… Murmurou Letícia, inclinando-se na poltrona para observar a paisagem. Seus olhos castanhos arregalados refletiam tanto surpresa quanto fascínio. — Isso é enorme e verde! Nunca vi nada assim de perto. Sorri de leve, tentando disfarçar o orgulho e a ansiedade. — Sim, é a fazenda que trabalho, como digamos o capataz. —O dono está viajando, e eu estou cuidando das coisas. — Capataz? Letícia repetiu, arqueando as sobrancelhas, claramente incrédula. — Você parece importante demais para isso. — É só uma máscara. Respondi, desviando o olhar da estrada, mas não dela. — Algumas vezes, para nos proteger, precisamos mentir. O silêncio caiu por alguns minutos. Eu podia sentir a tensão entre nós, aquela mistura de curiosidade, atração e desconfiança que parecia crescer a cada quilômetro. Letícia olhou para a bebê nos braços, e pude ver a preocupação em seu rosto, a responsabilidade que carregava como cuidadora da irmã pequena. Aquilo despertou algo protetor em mim, um instinto que eu não esperava sentir por uma criança que não era minha. Quando finalmente chegamos à fazenda, o sol começava a se pôr, pintando o céu com tons de laranja e rosa. O casarão branco, com varanda ampla e janelas de madeira, parecia maior e mais imponente do que qualquer construção urbana que Letícia tivesse visto. —Essa é a casa do patrão, nós vamos pra minha casa ela é mais humilde. —É lá que vai morar comigo Deixamos o casarão branco para trás, sua imponência refletindo no olhar curioso de Letícia, e seguimos por uma trilha de terra batida ladeada por árvores antigas. A estrada curta nos levou a um espaço mais reservado da fazenda, onde a verdadeira vida acontecia, longe das grandes janelas enfeitadas e da varanda ornamentada da casa principal. — Aqui… Murmurei, apontando para a construção simples à frente. — É a minha casa. Nosso lar, pelo menos por enquanto. A casa do capataz surgia diante de nós: Paredes de madeira pintadas de branco, um telhado inclinado de telhas vermelhas já gastas pelo tempo e uma varanda pequena, com duas cadeiras de balanço de madeira que rangiam quando o vento as tocava. Não havia ostentação, mas havia calor. O tipo de lugar que abraçava o visitante em silêncio, sem necessidade de luxo. Letícia desceu do carro devagar, apertando a bebê contra o peito. Seus olhos percorriam cada detalhe com uma mistura de surpresa e cautela. — É aconchegante. Disse, após um longo suspiro. Sua voz carregava um tom de análise, como se estivesse medindo cada pedaço daquele novo mundo. Sorri de leve, orgulhoso, mas contido. — Não é Dallas, nem um apartamento de vidro com vista para os prédios, mas é um lugar onde se respira paz. Ela não respondeu de imediato. Caminhou até os degraus da varanda e passou a mão pela madeira gasta, como se quisesse sentir a história gravada ali. Quando entramos, o cheiro de madeira encerada e café impregnado nas paredes tomou conta. A sala era modesta, com sofá de couro marrom já marcado pelo tempo, uma pequena estante com alguns livros antigos e uma lareira de pedra que, embora simples, dava um ar acolhedor ao ambiente. — É melhor do que eu pensei disse Letícia, olhando ao redor. — Mas tem algo aqui, algo que parece verdadeiro. Não consegui evitar um sorriso discreto. — Essa é a palavra certa. Verdadeiro. Aqui nada é fachada. —O que vê é o que tem. Conduzi-a até o quarto de hóspedes: Paredes claras, móveis de madeira simples, uma cama arrumada com lençóis de algodão e uma colcha azul desbotada, feita à mão. Não havia luxo, mas havia cuidado. Sobre a cômoda, um pequeno vaso com flores do campo, numa tentativa de dar vida ao espaço. Agora, parecia ter sido colocado ali para recebê-la. Letícia pousou a bebê sobre a cama, ajeitando os travesseiros para formar uma barreira protetora. Ficou em silêncio por alguns instantes, apenas observando a pequena dormir. Seus olhos marejaram, e percebi a vulnerabilidade escondida sob sua força. — Henry… Ela começou, virando-se para mim. — Você tem ideia do que está fazendo? —Trazer duas estranhas para dentro da sua vida assim… Dei um passo à frente, encarando-a de perto. — Talvez eu não saiba exatamente o que estou fazendo, Letícia. —Mas sei de uma coisa: —Aqui vocês estarão seguras. —E não esqueça que você é minha esposa. O silêncio pairou no ar, pesado e intenso. O olhar dela buscava respostas no meu rosto, e eu sabia que cada palavra precisava carregar verdade. Depois de alguns segundos, ela respirou fundo e desviou os olhos, como se aceitasse temporariamente a situação. — Seguras… Repetiu, num sussurro, mais para si mesma do que para mim. — Eu quero acreditar nisso. Guiando-a até a cozinha, mostrei a simplicidade do espaço: Mesa de madeira grande, marcada pelo uso, cadeiras firmes mas antigas, armários brancos com puxadores enferrujados. Sobre a mesa, uma jarra de vidro com água fresca e algumas maçãs recém-colhidas. A janela aberta deixava entrar a brisa da noite e o som distante dos grilos. — Aqui não falta o necessário. Expliquei. — É confortável o bastante para viver bem, mas não espere luxo. Letícia sentou-se, apoiando os cotovelos na mesa, e me olhou com aquele mesmo ar provocador de Dallas. — Luxo não me importa. Mas será que eu consigo me adaptar? Cruzei os braços, sustentando seu olhar. — Isso depende de você. A vida no campo exige força, paciência e coragem. —E eu já vi que dessas três coisas você tem de sobra. Ela arqueou a sobrancelha, abrindo um meio sorriso que escondia algo mais profundo. — Cuidado, Henry. Se continuar me provocando, vou acabar provando que você está certo. O clima entre nós se tornou denso de novo, como se cada palavra fosse um convite velado para algo que nenhum de nós ousava nomear. A bebê chorou suavemente, quebrando o momento. Letícia se levantou de imediato, pegando-a no colo com delicadeza. A cena me atingiu como um soco invisível: Aquela mulher forte, desafiadora, segurando uma criança com tanto cuidado, dentro da minha casa. Um retrato de algo que eu imaginei e desejei com outra mulher… —Mas que agora parecia inevitável viver com Letícia. — Vou precisar de ajuda com ela também. Disse Letícia, balançando a pequena nos braços. — Não sei se consigo lidar com tudo sozinha. Dei um passo em sua direção, baixando o tom da voz. — Não vai estar sozinha. Nunca mais. Nossos olhares se encontraram, e por um instante, o mundo inteiro desapareceu. A vingança, a dor, o passado tudo parecia distante. O que restava era apenas a tensão que crescia entre nós, inevitável, incendiária. A casa do capataz, simples e despretensiosa, tornou-se o cenário de uma nova promessa: Não apenas de proteção, mas de algo muito maior que nem eu, nem Letícia, estávamos prontos para admitir. Naquele lar sem luxo, mas cheio de verdades e mentiras, uma batalha silenciosa começava e eu sabia que não seria fácil vencê-la.