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Capítulo 7 – O Olhar da Fera

Amara

Acordei com a sensação de que alguém dizia meu nome sem som. O quarto estava escuro, uma penumbra azulada filtrada pelas cortinas. Tentei voltar a dormir, mas o coração batia rápido, como se tivesse corrido dentro de um sonho que eu não lembrava. O teto não devolveu respostas, devolveu só a certeza de que eu não conseguiria fechar os olhos de novo.

Empurrei o lençol e sentei na beira da cama. O silêncio da cobertura não era de paz, era de aquário. Tudo parecia suspenso no vidro. Peguei o celular, vi a hora, hesitei: duas e quarenta. Nenhuma mensagem de Lara.

— Melhor assim, — sussurrei, enfiando o aparelho de volta no criado-mudo. Eu não queria explicar a ninguém a prisão de luxo que agora chamavam de casamento.

Fiquei descalça. O piso frio subiu pelas pernas como um aviso. Abri a porta com cuidado. No corredor, a luz de presença acendeu com um suspiro elétrico, e eu me odiei por pensar nas câmeras.

— Não há no quarto, nem no banheiro — repeti. Ainda assim, a ideia de ser observada se colava a mim como segunda pele. Respirei fundo e avancei.

A sala se abriu silenciosa, toda vidro e sombra. Na parede oposta, a cidade brilhava, mas foi outra luz que me fez parar.

Ele estava diante da janela, de costas para mim, apenas de camisa e bermuda, alto demais para ser ignorado, quieto demais para ser humano. A lua batia nele como água. Senti um arrepio nascer no calcanhar e subir pela coluna.

— Damian? — chamei, baixo, como quem testa a água antes de mergulhar.

Ele não se virou. O perfil denunciava o maxilar tenso, a linha dos ombros feita para suportar mundos. A voz veio depois, grave, sem pressa:

— Não consegue dormir.

Não era pergunta. Engoli seco.

— Não.

— Acontece nas primeiras noites, — disse. — O prédio fala. A cidade também.

— Você também.

Ele sorriu de canto, tão pouco que quase passou por reflexo.

— O que ouviu?

— Nada que eu consiga repetir. — Dei dois passos. — Você… fala com a vista?

— Eu falo com o que responde.

— E a lua responde?

Silêncio. Foi então que ele virou o rosto. Por um segundo, o mundo errou o foco. Os olhos dele, que eu sempre chamei de cinza, tinham um brilho impossível, âmbar-dourado, feito de animal e metal quente. Não era reflexo de lâmpada, a sala mal tinha luz. Era algo nascendo de dentro, acendendo fundo, como brasas se abrindo. Eu parei de respirar.

— Damian… — A palavra saiu da garganta como um pedido.

Ele piscou, apenas isso, e o âmbar recuou, devolvendo a cor que todos aceitavam como humana. Eu pisquei de volta, convencendo-me de que a visão era truque da madrugada.

— Você está pálida, — disse ele.

— Você… — Procurei a frase. Perdi. — Estava diferente.

— A noite muda os olhos de todos.

— Os seus brilharam.

— Os seus cortam.

Ele deu um passo em minha direção. Eu recuei meio. Não por medo de homem, por medo do que o corpo reconhecia sem permissão. Ele parou, respeitando uma linha que nem eu sabia ter desenhado.

— Quer água? — perguntou.

— Quero verdade.

— Verdade é cara, Amara. — Um sorriso quase triste. — E você já pagou caro demais hoje.

Estávamos a poucos passos um do outro. Eu ouvi o ar entrar nele. Ouvi também algo mais, um som baixo, tão baixo que talvez só minha pele tivesse ouvido: um rosnar contido, distante, o eco de um animal se arrastando por dentro do peito dele em direção à lua. Pisquei forte.

— Você ouviu isso? — sussurrei.

— O quê?

— Nada. — Menti para mim, para ele, para a madrugada. — Acho que estou cansada.

— Cansada e orgulhosa, — disse. — Péssima combinação.

— Melhor que cansada e domada.

— Você não é domável.

— E isso te irrita?

— Isso me interessa.

Aproximou-se mais um passo. Um calor estranho atravessou o ar, como se o apartamento tivesse um clima próprio, feito do corpo dele. O perfume era limpo, mas havia algo a mais, um cheiro que eu não sabia nomear, de terra molhada e chuva antes da queda. Fiquei tonta de súbito. Ele ergueu a mão com calma enquanto dava a volta e parou atrás de mim, me virei imediatamente.

— Não toque, — avisei, e minha própria voz tremeu.

A mão parou a centímetros do meu rosto.

— Eu não vou tocar. — As pupilas dele dilataram. — Só vou aguardar.

— O quê?

— O momento em que você deixa de fugir.

— Eu não fujo.

— Você corre em círculos, — corrigiu. — Quer estar longe de mim e perto de algo que eu também sou.

— Você não sabe o que eu quero.

— Eu sei o que preciso. — O âmbar ameaçou de novo, ele o conteve. — E não confundo necessidade com capricho.

— Chama “necessidade” de tudo aquilo que deseja?

— Só do que me escolhe de volta.

— Eu não escolhi você.

— Não hoje.

— Nem amanhã.

— Amanhã veremos.

Meu coração batia rápido demais, como se tentasse fugir sem o resto de mim. Eu sabia abrir a porta da minha raiva, mas não sabia fechar a janela da minha curiosidade.

Meu olhar escorregou para a lua sobre o ombro dele, uma intuição sem lógica me disse que havia um fio entre os dois, um fio que, se puxado, mostraria uma versão do mundo que eu não estava pronta para aprender.

— Preciso… — Eu respirei. — Preciso voltar para o meu quarto.

— Volte.

— Sozinha.

— Sempre que pedir, — disse, sem ironia. — E mesmo quando não pedir, se for necessário.

— Proteger não é vigiar.

— Às vezes é idêntico.

— Para você.

— Para quem perde tudo quando esquece a diferença, — murmurou, mais para ele do que para mim.

Fiquei parada, sem saber se o que me travava era o medo, a raiva ou o fascínio. Ele baixou a mão, um gesto pequeno que pareceu uma promessa quebrada a meu favor.

Fiz menção de passar. Ele saiu do caminho, abrindo espaço com o corpo inteiro. Ao cruzar por ele, o calor me envolveu por um instante, e eu quase virei o rosto para sentir mais. Quase.

— Amara, — ele chamou, baixo.

— O quê?

— Eu espero. — Pausa. — Mas não cedo.

— Eu também, — respondi, sem saber por que aquilo soou como desafio e reza ao mesmo tempo.

Voltei pelo corredor com passos que eu queria que soassem firmes. A luz de presença acendeu, e eu a odiei de novo por me lembrar de que havia olhos, mesmo que não houvesse câmeras ali.

Fechei a porta do quarto rápido demais. Encostei as costas na madeira e deslizei até sentar no chão, abraçando as pernas.

— Foi imaginação. — repeti, insistente, tentando recolar a realidade nas bordas. — Reflexo de alguma luz, truque do sono.

Fechei os olhos e vi o brilho âmbar me olhando de volta. Abri e vi o teto. Eu podia fingir ignorância, mas meu corpo não fingia. Ele tremia na memória daquele segundo em que algo no ar mudava de densidade e nome.

Engatinhei até a cama, puxei o lençol como quem puxa uma corda para não cair. Deitei de lado, o coração ainda percebia perigo onde o olhar buscava negação.

— Calma, — pedi ao corpo. — Ele é só um homem. — A palavra “só” me pareceu frágil.

Atrás da porta, a madrugada continuava. Ouvi passos distantes, ou inventei. Talvez ele tivesse voltado à janela, talvez falasse com a lua, talvez nada disso existisse fora da minha cabeça.

Ainda assim, a sensação se impôs como sentença, eu estava presa numa casa sem chaves, com alguém que não era apenas incontrolável, era algo que o mundo não conseguiria impedir, mesmo que soubesse o que era.

Fechei os olhos por fim, e uma frase cruzou a mente como lâmina: se isso é imaginação, por que parece verdade demais para não doer?

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