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Capítulo 8 – Correntes Invisíveis

Damian

A manhã nasceu de aço no vidro. Eu já estava de pé quando a cidade acendeu seus motores, não durmo muito quando a lua fica plantada na cabeça. O café subiu da cozinha como fumaça disciplinada.

Revisei contratos, apaguei duas mensagens do conselho e outra de um aliado antigo que insiste em chamar obsessão de erro. Erro é perder. Obsessão é método.

Ela apareceu na sala com o cabelo preso num nó alto e uma camiseta ampla que não dizia nada e dizia tudo: não estou aqui para desfilar para você. Os pés descalços, o queixo erguido. O corpo ainda falava a língua da madrugada, eu reconheci.

— Bom dia, — disse.

— É? — ela respondeu, não exatamente hostil, não exatamente aberta.

Apontei a mesa. Sucos, frutas, pão aquecido, ovos. Fiz sinal para que sentasse. Sentei ao lado, não de frente. Domínio também é geometria.

— As regras, — comecei, sem firulas. — Segurança vinte e quatro horas. Você tem acesso às áreas que já mostrei. Quando quiser sair, me avise. Vou organizar a rota e a escolta.

— “Quando quiser”? Ou “se eu quiser”?

— Ambas. — Bebi um gole de café. — Horários restritos por enquanto. A imprensa gosta de caça fresca.

— Eu não sou caça.

— Concordo. É motivo.

Ela pousou o talher.

— Eu tenho aula hoje.

— Cancelada, — respondi, calmo. — Por uma semana. Até estabilizarmos nossas vidas.

— Você cancelou?

— Eu pedi. E paguei a remarcação.

— Você não é meu agente, — disse, os olhos firmes no meu rosto.

— Não. Sou seu marido.

— E isso te dá o direito de cortar a minha vida?

— Dá o dever de protegê-la.

Ela riu curto.

— “Proteção” é a sua palavra preferida para “controle”.

— Você fala como quem nunca foi alvejada.

— E você fala como quem esqueceu que eu existo antes e depois do seu sobrenome.

Mantive a voz baixa:

— Minha esposa não precisa de liberdade. Precisa de proteção, e de mim.

O silêncio que veio não foi de rendição. Foi de barulho interno. Eu ouvi… indignação, medo, vontade de me jogar a bandeja. Bom. Vontade é a língua que eu entendo.

— E se eu decidir algo sem te consultar? — ela perguntou.

— Não decide.

— Você quer me enjaular.

— Quero que respire.

— Com sua mão na minha garganta?

— Com minha mão tirando outras mãos da sua garganta.

Ela se inclinou para a frente, os olhos queimando como torres de sinal.

— Você não sabe o que fazer comigo quando eu digo “não”.

— Sei. Espero, — respondi. — E reforço as cercas.

— Isso não é casamento.

— Isso é sobrevivência.

Ela ficou de pé. Eu fiquei também. Distância justa para que o corpo lembrasse o caminho. O lobo ergueu a cabeça, eu contei até oito.

— Ontem à noite, — ela disse, medindo sílabas, — vi algo… diferente em você.

— O quê?

— Não sei. — Desviou um segundo. — Talvez eu estivesse com sono.

— Talvez, — aceitei, deixando a pergunta pendurada, não entrego respostas antes da hora.

Ela respirou fundo.

— Vou ver meus pais hoje.

— Amanhã, — corrigi. — Hoje não.

— Você prometeu “sempre que eu pedir”.

— Eu cumpro promessas. E cumpro o calendário que as torna possíveis.

— Você é impossível.

— Sou inevitável.

Ela balançou a cabeça, irritada, linda.

— Eu não quero sua vigilância.

— Quer sim, — falei, sem elevar o tom. — Não a minha, a de alguém. Você nasceu medindo riscos para outros. Agora eu meço os seus.

— Você não sabe me medir.

— Estou aprendendo.

— E quando terminar essa aula, vai fazer o quê comigo? — perguntou, um riso áspero na beira. — Vai me marcar? Vai me pendurar no seu mural de vitórias?

O lobo latiu dentro do esterno, um som que nenhum estetoscópio captura. Marca. Palavra que abre portões em mim.

Não agora, repeti ao meu corpo.

— Vou te manter viva, — disse apenas. — E inteira.

— Inteira sob suas condições.

— Inteira, — repeti.

Ela deu a volta na mesa, passos lentos que sabiam exatamente onde me ferir sem tocar. Parou na minha frente.

— Você não entende uma coisa, Damian. Eu posso até dormir no seu teto, comer na sua mesa e usar seu anel. Mas a minha vontade não cabe nos seus relatórios.

— Eu não faço relatórios da sua vontade, — respondi. — Eu os arquivo.

— Armazena, então, — ela desaforou, — porque hoje minha “vontade arquivada” diz que eu vou sair. Sem escolta. Sem aviso.

— Não.

— Vai me impedir? Vai me trancar?

— Não preciso. — Apontei a vista. — A cidade me conta onde você está.

— Você não é deus.

— Não. — Inclinei o corpo, um grau. — Sou quem atende quando o mundo não atende.

Por um instante, o ar ficou fino. A boca dela abriu para um argumento, o corpo, porém, disse outra coisa. Senti o cheiro antes do pensamento: alerta, adrenalina, desejo lutando contra a autodefesa. A ferocidade que amo.

— Fica longe, — ela sussurrou.

— Estou longe, — menti.

Eu queria marcá-la ali, no brilho da manhã, no lugar mais humano possível. Queria dentes, queria a pele dela com o meu nome antigo. O lobo empurrou as costelas por dentro, exigiu. Eu prendi. Controle é guerra diária.

— Você não precisa de liberdade, — repeti, baixo, aproximando milímetros. — Precisa de mim dizendo onde termina o risco.

— Eu decido meu risco.

— Não enquanto eu puder respirar por você.

— Isso não é amor.

— Eu não falei de amor.

— Então o que é?

— É aliança, — respondi, e minha voz saiu mais grave que o planejado. — É destino.

— Eu não acredito em destino.

— Ele acredita em você.

A mão dela veio para empurrar meu peito. Segurei o impulso com um dedo no pulso, leve, pedindo silêncio à tempestade do corpo dela. O toque acendeu ambos. O âmbar roçou minha visão. A respiração dela subiu. Eu poderia soltar. Soltei?

Não.

Puxei-a pela cintura com a medida exata que cabia no mundo e fora dele. O beijo não pediu passagem. Tomou. O primeiro impacto foi choque, dentes quase se encontrando, depois, calor.

A boca dela resistiu um segundo, no segundo seguinte, respondeu, como quem xinga em idioma que vira música. Minha mão subiu para a nuca, a dela encostou no meu ombro, não para me aproximar, para manter o equilíbrio do próprio ódio.

— Damian… — ela disse contra minha boca, raiva e fogo.

— Fala, — pedi, e a palavra virou comando.

O lobo latiu de triunfo, eu apertei o freio com todas as forças que possuo. Não haveria marca hoje. Haveria memória. Haveria a certeza de que, quando eu quiser, ela lembrará o caminho sozinho.

Afastei um centímetro. O suficiente para olhar. O suficiente para ver os olhos dela brilharem de fúria e de outra coisa que doía admitir.

— Nunca faça isso sem pedir, — sussurrou.

— Peço agora, — retruquei, rouco. — Mais.

— Não.

— Então guardo.

Soltei. O ar voltou a existir entre nós, pobre coitado. Ela levou a mão aos lábios, como quem checa se ainda estão no lugar.

— Você acabou de provar o meu ponto, — disse, respirando. — Vigilância não é proteção.

— Você acabou de provar o meu, — respondi. — Instinto não mente.

— O seu.

— O nosso.

Ela recuou dois passos, tensa como arco. Eu não avancei. O corpo inteiro ardia, mas controle é arquitetura, sustenta a casa quando a tempestade insiste.

— Saio às três, — avisou, retomando a voz lisa por cima da pele incendiada. — Com escolta. Meus termos.

— Meus termos, — corrigi. — Levo você. Pessoalmente.

— Não confio em você.

— Não precisa. Eu confio em mim.

— Isso é o problema.

— Isso é a solução.

Ela me odiou por um segundo. E naquele segundo eu soube que a odeio de volta por me fazer querer ser melhor do que fui programado para ser, e pior do que eu já fui.

— Acabou a reunião? — perguntou, seca.

— Por agora, — respondi.

Ela virou as costas e andou. Eu fiquei, ouvindo o lobo roçar as grades por dentro, faminto. Não dei a chave. Não hoje. Amanhã talvez eu precise. Hoje, a coleira segura. Hoje, eu a deixo ir dois passos para poder trazê-la três de volta.

Da janela, a cidade brilhava como faca lavada. Eu toquei o vidro e pensei, sem voz:

— “Minha Luna. Ainda sem marca, já minha. E cada regra que ela detesta é o fio que a mantém viva, enquanto eu aprendo a não quebrar o que prometi proteger.”

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