Amara
A biblioteca tinha cheiro de papel que lembra chuva e de silêncio que sabe segredos. Eu vinha buscando refúgio entre as prateleiras desde criança, naquela manhã, buscava armadura. A coletiva havia virado a cidade de cabeça para cima. Me chamaram de “parceira”, “musa”, “fachada” e “perigo”. Eu precisava de um lugar onde as palavras não me usassem.
Passei os dedos pelo lombo de um volume antigo sobre mitos urbanos, outro sobre heráldica, um terceiro que me encarou com uma lua gravada na lombada. Sorri sem humor. A lua andava intrometida demais na minha vida. Sentei numa mesa ao fundo, perto da janela.
A luz atravessava o vidro como se pedisse licença, desenhando poeira em suspensão. Apoiei o antebraço e o brilho discreto das linhas prateadas apareceu de novo, como um segredo que prefere madrugada, mas às vezes insiste no dia.
— Bonito — disse uma voz atrás de mim. — Quando a constelação decide acordar, é porque o céu está pronto.
Virei, alerta. Entre duas estantes, uma mulher apa