Minha alma se desprendeu do corpo cinco minutos antes da morte, flutuando até o posto de cura da alcateia.
Mamãe estava sentada ao lado do leito da Linda, o rosto tomado pela angústia, murmurando em oração:
— Linda, por favor... não assuste a mamãe... Se você não abrir os olhos, meu coração vai se despedaçar...
A tenda inteira parecia arder com a fúria do meu pai:
— Se a Coni tivesse protegido direito a sua irmã, isso nunca teria acontecido! Quando ela voltar, vou arrancar o couro dela!
Fiquei parada ali, em silêncio, observando tudo de longe. Uma dor difícil de descrever apertou meu peito.
Pai... desde pequena, você só sabe me culpar?
Eu já não tenho mais um pedaço de pele intacto. Já não há mais castigo que reste para mim.
Algumas Curandeiras se reuniam discretamente ao redor da cama da Linda, trocando impressões em voz baixa. Quando confirmaram que ela tinha apenas arranhões leves e nenhum osso fraturado, uma das curandeiras mais velhas se arriscou a perguntar, com muito cuidado:
— Curandeira-Chefe... a Coni foi contaminada com veneno de prata. Parece estar em estado grave... talvez devêssemos...
A expressão suave da minha mãe se transformou de imediato em puro desprezo. Ela a cortou, furiosa:
— Ela está se fazendo de vítima? Quer comover alguém? Depois de quase deixar a Linda nesse estado, ainda tem a cara de pau de fingir?
Um nó de mágoa me sufocou. Mesmo em espírito, meu peito parecia encolher.
Eu também sou sua filha. Por que nem um pingo de preocupação?
Nesse momento, mamãe tentou se conectar comigo através da Conexão Espiritual.
Antes mesmo de o elo se firmar, ela já despejava palavras sem parar.
O que ouvi primeiro não foi consolo, nem preocupação — apenas aquela velha repreensão fria que eu conhecia tão bem.
— Coni! Desde que sua irmã entrou na enfermaria, você sumiu completamente! Isso é atitude de irmã mais velha?!
Naquele instante, meu coração congelou de vez.
Ela nem percebeu que minha Conexão estava instável — que eu estava morrendo. Na cabeça dela, só existia a filha mais nova, perfeita.
Claro. Ela sempre desejou que eu nunca tivesse nascido.
Lembro como fui trazida de volta ao acampamento, coberta de sangue, sussurrando no frio da neve:
— Mãe... Eu não vou aguentar... Por favor... me salva...
E tudo que ouvi dela foi um gelo cortante:
— Você ainda quer competir com sua irmã?! Sabe que ela quase teve o rosto ferido por uma garra de prata?!
Sem olhar para trás, ela levou todas as Curandeiras com ela. Todas foram cuidar da Linda.
Ela nunca teve tempo para me amar.
A jovem Curandeira que estava ao meu lado, com os olhos marejados, não aguentou e ligou para minha mãe:
— Curandeira-Chefe... a Coni não vai resistir... O espírito da loba dela está se desmanchando...
Minha mãe riu, fria como lâmina:
— O que ela te deu? Um feitiço? Até você caiu no teatrinho dela? Nunca imaginei que ela tivesse tanta habilidade assim!
Mal terminou de falar, Linda — que nem estava desmaiada — abriu os olhos lentamente e murmurou, com a voz fraca:
— Pai... e a minha irmã... como ela está?
Mamãe olhou para a filha “frágil e sensível” com um brilho terno no olhar, cheio de carinho.
Mas para mim, só restou a lâmina do desprezo:
— Coni! Por que não aprende com sua irmã? Mesmo assim, ela ainda pensa em você! Se não aparecer em três minutos para pedir desculpas, não me chame mais de mãe!
E então, desligou a Conexão Espiritual por conta própria, tremendo de raiva.
Meu pai bufou, indignado:
— Pra quê chamar essa garota de novo? Já não fez mal o bastante à Linda?
No leito, Linda baixou a cabeça com fingido arrependimento, disfarçando o leve sorriso de triunfo que curvou os cantos da boca.
— Pai, mãe... não briguem com ela... A Coni só ficou assim porque nunca aceitou eu ter ficado com a vaga dela para estudar na Cidade Central... Ela tem motivo pra me odiar...
Deixei escapar um riso amargo.
Nem morrendo, a Linda perde a chance de me apunhalar pelas costas.
Mas eu sabia: meus pais jamais veriam aquele sorrisinho falso.
Na cabeça deles, Linda sempre foi a filha exemplar.
E eles nunca vão descobrir que o ataque, o trajeto, e até o desvio para a mina de prata — tudo foi armado por ela.