Assim que cruzou a porta de casa, Linda deixou-se cair delicadamente no sofá.
Mal reclamou que estava com fome, e Natã — o mesmo guerreiro orgulhoso que jamais se aproximava do fogão — correu para a cozinha, decidido a preparar pessoalmente uma refeição nutritiva “só para ela”.
Papai surgiu com um vestido cravejado de rubis nas mãos, um presente de “boas-vindas pela recuperação”.
Mamãe passou a manhã redecorando o quarto da filha, cobrindo-o com Sinos Lunares e flores frescas, tudo para que ela acordasse com “boas energias”.
Linda, apenas girando em frente ao espelho com o vestido contra o corpo, fazia os corações deles pararem. Bastava um movimento para que todos se alarmassem, com medo de que ela se ferisse de novo.
E eu?
Minha alma os seguiu de volta para casa.
Mas a casa onde eu crescera — e onde vivi todas as minhas memórias — agora me feria com cada detalhe.
Estava ali, mas era como se nunca tivesse existido.
A campainha tocou.
Eu reconheci o cheiro antes mesmo de vê-lo: Ivan.
Meu companheiro.
Vestia seu manto de batalha, mas nas mãos trazia um pequeno pacote com suplementos naturais.
Entrou direto e se aproximou de Linda com gentileza:
— Minha senhora, soube que Linda recebeu alta hoje. Trouxe alguns nutrientes para fortalecer seu corpo.
Linda recolheu a bandeja de lanche, baixou os olhos e fez-se tímida:
— Ivan... não precisava. Já estou quase totalmente recuperada...
Ele sorriu. Um sorriso suave — aquele que, comigo, ele jamais mostrou.
Fiquei olhando para ele.
A dor que senti não tinha nome. Era só o frio crescendo dentro.
De repente, ele perguntou:
— E a Coni?
O ambiente congelou.
Se não fosse ele a mencionar-me, talvez esta família já tivesse apagado para sempre o nome 'Coni' da memória.
Mamãe, de imediato, escureceu o rosto:
— Não mencione essa ingrata! Bastou ouvir umas verdades que fugiu feito loba covarde. Se tanto gosta do mundo dos selvagens, que apodreça lá com eles!
Ivan assentiu, calmo:
— Melhor assim. A Linda precisa de tranquilidade.
Natã apareceu com uma tigela de sopa de frutas espirituais e, meio brincando, disparou:
— E aí, já decidiu quando vai romper o Contrato de Companheirismo com a Coni? Se demorar muito, minha irmã pode acabar nos braços de algum outro macho bonito e forte... aí não vai ter choro que resolva.
Ivan corou levemente, e murmurou:
— Na verdade... vim também para visitar a Linda e conversar sobre isso hoje.
Uma amargura se espalhou pelo meu peito.
Dei um sorriso torto e me virei, sem coragem de continuar assistindo àquela cena.
Ser esquecida, descartada… isso eu já deveria ter aceitado.
Anoiteceu.
Mamãe recolheu-se sozinha no quarto. Algo nela estava estranho, inquieto.
Aproximei-me. Espiei por cima de seu ombro.
Ela digitava. No celular. Para mim.
— Coni... chega disso... volta pra casa...
— Atenda, por favor.
— Para de drama! Você quer mesmo me ver preocupada?
A 99ª chamada.
Sem resposta.
Ela gritou e atirou o telefone no chão com fúria:
— Acha que vou me importar?! Fica se fazendo de morta agora?!
Eu quis gritar de volta:
“Mãe... não é fingimento.Eu morri.Morrida de verdade.Porque vocês escolheram cuidar de arranhões enquanto meu coração era devorado por veneno.”
Mas não saiu nenhum som.
Mamãe, sem desistir, discou de novo.Desta vez, para a curandeira aprendiz que cuidava de mim.
— A Coni está se escondendo com você, não está? Diga a essa descarada que isso não vai funcionar. Se ela tiver um pingo de vergonha e se ajoelhar diante da Linda, ainda posso... talvez... permitir que ela continue sendo parte desta família!
Do outro lado, silêncio.
E então, a voz:
— Curandeira-Chefe, a Coni faleceu há cinco dias.
O veneno já tinha alcançado o coração naquela manhã.E naquele dia... todas as curandeiras foram enviadas ao quarto da Linda.
Não sobrou ninguém para salvá-la.