Camélia permaneceu imóvel enquanto a porta se fechava atrás de Kael. O cheiro de chuva, ainda em sua pele, misturava-se ao perfume amadeirado da casa. Ela inspirou profundamente, tentando dissipar a sensação inquietante que ele deixava.
Por que ele mexia tanto com ela? A pergunta martelava em sua mente enquanto se dirigia até a janela. Mordendo o lábio, inquieta, não gostava da forma como seu corpo reagia sem permissão. — Ele te incomodou? — A voz calma de Madalena a trouxe de volta. Camélia se virou, encarando a avó com uma mistura de confusão e relutância. — Não. — Hesitou. — Quer dizer, sim. Mas não do jeito que você pensa. Madalena inclinou a cabeça, um brilho curioso nos olhos. — O que há entre vocês não pode ser ignorado. Só quero que esteja pronta para o que isso significa. Camélia tentou aliviar a tensão com uma risada curta, mas o peso das palavras da avó a incomodava. — Eu sei me cuidar, vó. Não temos nada, o conheci hoje. Antes que Madalena pudesse responder, Júlio apareceu no corredor. — Por agora, não quer dizer nada. — Ele suspirou. — Só mantenha a mente aberta, e não se preocupe. Camélia cruzou os braços, resistindo à sensação desconfortável. — Não vim aqui para me preocupar com alguém que acabei de conhecer. Eu vim pelos meus pais, não para isso. — Sabemos, querida. — Madalena apertou suavemente seu braço. — Mas, às vezes, o destino tem outros planos. Logo você entenderá. Camélia não respondeu, voltando seu olhar para a janela. A moto de Kael já tinha desaparecido na tempestade. Júlio pigarreou, e antes que Camélia pudesse perguntar, Flor e Gustavo se aproximaram. — O que acham de jantar ou cozinhar algo? — Flor sugeriu, tentando mudar de assunto. — Cozinhemos juntos. — Madalena sorriu. — Também topo. — Gustavo concordou. Camélia assentiu, mas manteve a seriedade. — Por mim, tudo bem, mas preciso de respostas. O que estão escondendo? Madalena suspirou. — Vamos conversar quando a família estiver toda reunida. Seu irmão está chegando, não está? Camélia arregalou os olhos. — Merda! Esqueci de avisar ao Cauã! Ela pegou o celular e viu as mensagens e chamadas perdidas. — Relaxa, querida. Vamos esperar por ele e explicar tudo. — Flor disse, tentando tranquilizá-la. Gustavo, tentando desviar do assunto, perguntou: — E a empresa? Como está? Camélia suspirou, ainda irritada. — Deixei nas mãos de pessoas confiáveis. Vamos trabalhar remotamente enquanto estamos aqui. — Ela lançou um olhar incisivo. — Mas vocês estão enrolando demais. Madaleia apenas sorriu e se dirigiu à cozinha. — Vamos cozinhar primeiro. Depois, com Cauã aqui, falamos sobre tudo. Ele só chegou hoje, e estávamos sem sinal. Camélia bufou, mas seguiu para a cozinha. Enquanto cortavam os ingredientes, o cheiro de ervas típicas preenchia a casa. Camélia sabia que cada resposta adiada só aumentava a inquietação. A noite passou tranquila, entre risadas e histórias antigas, mas o mistério persistia no ar. Camélia sentia-se parte daquele lugar, mas sem entender o que estava acontecendo. A casa tinha um toque familiar, com janelas altas que deixavam a luz do luar entrar suavemente e um aroma de ervas secas nos cômodos. Quando finalmente se recolheu para o quarto, seu corpo estava exausto, mas sua mente girava. O cheiro da comida ainda impregnava a casa, mas havia outro aroma que parecia tê-la seguido até ali. Kael. Era um cheiro inconfundível de terra molhada, algo primitivo. Um aroma intenso, quente, carregado de algo antigo e indomável. O cheiro depois de uma tempestade, de natureza. Forte. Marcante. E para Camélia, perigosamente sedutor. Ele despertou algo nela que ela ainda não compreendia, a deixando atordoada. Algo dentro de Camélia estava inquieto, se contorcendo. Ela se deitou, fechando os olhos, mas não conseguiu afastar a lembrança dele. Nem a sensação de que sua chegada a Serra dos Riachos tinha mudado tudo. Para sempre. O sono veio de forma fragmentada, interrompido por pensamentos inquietos e sensações que ela não sabia nomear. Entre o leve torpor e a vigília, Camélia sentiu o perfume dele outra vez. Era como se Kael estivesse ali, ao seu lado, invadindo seus sentidos mesmo sem estar presente. A manhã chegou carregada por uma névoa densa e um vento frio que carregava o aroma úmido da terra. Quando Camélia desceu para a cozinha, encontrou os avós preparando o café da manhã. O cheiro de pão assado e café forte tentava dissipar a inquietação que ela sentia. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ouviu o barulho de um carro se aproximando. Seu peito apertou, Cauã havia chegado. Ela saiu apressada para a varanda e viu o irmão descer do veículo. Ele parecia cansado da viagem, mas seus olhos percorreram o ambiente com atenção. Assim que a viu, ele abriu um sorriso aliviado e a puxou para um abraço apertado. — Finalmente, tô moído do avião. — Ele murmurou contra seus cabelos. — Você tá bem, Meli? Tentei falar com você ontem o dia todo e nada de você me responder. — Tô. Foi mal, rolou tanta coisa desde que cheguei que acabei esquecendo de pegar o celular. — Ela assentiu, retribuindo o abraço com força. — Senti sua falta. Ele se afastou apenas o suficiente para olhar nos olhos dela. — Eu também. Mas que diabos tá acontecendo aqui? Antes que ela pudesse responder, Flor e Gustavo se aproximaram e Cauã os abraçou também. — E como vocês estão? — ele os analisou com preocupação. — A última coisa que soubemos foi do acidente do vô, e depois só silêncio. Quando cheguei, meu celular parecia que ia explodir de tantas mensagens. — Estamos bem, filho. — Gustavo garantiu, apertando o ombro do filho. — Foi muita coisa de uma vez, mas agora podemos conversar. — Ah, a primeira coisa que me disseram foi que eu não precisava ter vindo. — A voz de Camélia carregava deboche. — Enquanto estávamos preocupados, nossa família estava bem sem a gente. — Ah, é? Então estávamos preocupados à toa. — Cauã respondeu brincando. — Nós viemos porque precisavamos saber o que estava acontecendo. Madalena se aproximou com um sorriso caloroso e tocou o rosto de Cauã — Mas antes disso, um café da manhã decente e um passeio pela cidade. — Ela suavizou o clima. — Vamos respirar Serra dos Riachos antes de mais perguntas. — Passeio? — Cauã arqueou uma sobrancelha para Camélia, que deu de ombros. — Não adianta, já tentei arrancar informação e não consegui. — Camélia sorriu levemente. — Eles estão cheios de mistério. Vamos logo. Após o café, a família saiu para um passeio pelas ruas de paralelepípedo. A cidade tinha um ritmo próprio, lento, mas carregado de algo invisível. Os avós caminhavam à frente, contando histórias sobre construções antigas. Madalena mencionava mercados tradicionais e festividades, enquanto Júlio falava sobre as mudanças da cidade ao longo dos anos. O tempo denso e frio deu lugar a um dia ensolarado e fresco. — Aqui costuma ter festivais que contam a história da cidade. Aposto que vão gostar. — Júlio comentou, sorrindo para a esposa. Camélia e Cauã trocavam olhares, duvidando daquilo. Flor e Gustavo acompanhavam o passeio, absorvendo o ambiente. Flor observava atentamente, enquanto Gustavo se mantinha quieto, atento às interações. — Então vamos ficar mais tempo por aqui? — Cauã perguntou. — Quem sabe o que o destino nos reserva? Vamos aproveitar a cidade. — Madalena disse, olhando para trás.