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O carro deslizou suavemente pela estrada, e eu olhava pela janela, tentando disfarçar a ansiedade que me corroía por dentro. As luzes da cidade passavam rápidas, como se o mundo inteiro tivesse pressa — menos eu.
Respirei fundo e ajeitei o vestido, sentindo o tecido deslizar pela minha pele como uma segunda camada que não parecia minha. Eu não estava acostumada a esse tipo de ambiente, muito menos a esse tipo de noite.
— Você está estranhamente quieta — a voz dele cortou meus pensamentos, profunda e carregada de uma calma que parecia mais uma provocação.
Virei o rosto devagar. Leonardo estava com uma das mãos firmes no volante, a outra apoiada com naturalidade, como se aquela fosse a posição mais confortável do mundo. Ele parecia... no controle. Como sempre.
Ah, sim. Ele decidiu dirigir hoje, então o senhor Pedro não veio conosco.
— Não tenho muito o que falar — respondi, tentando soar indiferente.
Os olhos dele desviaram brevemente para mim, e o canto de sua boca curvou-se em um quase sorriso.
— Ou talvez você esteja pensando demais.
Desviei o olhar para a janela outra vez, sentindo o calor subir pelo rosto. Ele tinha razão, claro. Eu estava pensando em tudo — no jantar, nos olhares curiosos, na mentira que se transformara em contrato... e nele. Principalmente nele.
O carro entrou na rua principal que levava ao salão da festa. Pelo menos é o que eu acho, já que as luzes eram mais intensas ali, refletindo na lataria preta. Também havia um monte de carros de luxo se dirigindo para lá. Meu coração começou a bater em um ritmo apressado.
— Aurora — ele disse meu nome baixo, mas firme. Voltei o olhar e encontrei os olhos verdes dele fixos em mim por um segundo mais longo do que deveria ser permitido. — Lembre-se: lá dentro, você só precisa estar ao meu lado, tá? Não te afastes.
Engoli em seco, sem saber como responder. Não sabia se aquela frase era uma ordem, um conselho...
Quando o carro parou diante da entrada iluminada, respirei fundo mais uma vez. Estava prestes a enfrentar um mundo que não era o meu, mas, de algum modo, Leonardo fazia parecer que eu podia entrar ali sem cair em pedaços. E, pela primeira vez naquela noite, deixei que a ideia me confortasse.
Leonardo saiu primeiro do carro e deu a volta para o meu lado. Estendeu a mão para me ajudar a sair. Olhei para ela estendida na minha frente e hesitei. Era excitante aceitar, mas ao mesmo tempo estranho, ainda mais com tanta gente olhando. Respirei fundo e deslizei a minha mão na dele.
Juro por tudo que é mais sagrado: senti uma corrente elétrica entre nós dois que me fez esquecer de todos ao nosso redor. Ele me olhava nos olhos sem pestanejar, e de repente senti algo quente deslizar pela minha cintura. Dei um pequeno grito de susto, e ele me apertou contra si.
— Você está pronta? — perguntou. Olhei para ele e assenti com a cabeça.
— Tá, então fica perto de mim, e pode deixar que eu respondo todas as perguntas e...
— E...? — perguntei, ainda olhando nos olhos dele.
— E... mete um sorriso nesse rosto. Ele está muito bonito para você ficar com cara de ovelha perdida.
Corei na hora. Minhas bochechas queimaram pelo que ele disse. Ele disse que eu estava bonita. Mas também me chamou de ovelha perdida... loiro idiota.
Tentei me soltar, mas ele apertou ainda mais o braço na minha cintura e encostou os lábios no meu ouvido. Prendi a respiração. Ele cheirava tão bem que me fez sentir borboletas na barriga.
— Fica quietinha, esposa. Há pessoas e fotógrafos à espera de uma boa fofoca, por isso estão olhando para nós agora. — E, dizendo isso, depositou um beijo no lado do meu rosto. Num movimento rápido, segurou minha mão e deslizou algo entre os meus dedos.
Fiquei paralisada. Primeiro porque ele me beijou na frente de todo mundo, e isso me deixou morrendo de vergonha. Ele não tinha nenhum direito de fazer isso.
Segundo, porque ele colocou um anel de diamante e uma aliança no meu dedo.
Levantei o rosto rápido para questioná-lo, mas ele pôs um dedo nos meus lábios e isso me calou.
— Vamos entrar. Já demoramos muito aqui. Pode abrir a boca para brigar depois.
Ele disse isso e me conduziu para o tapete vermelho que levava ao salão. Tinha um monte de flashes, um monte de gente tirando fotos.
Eu estava muito nervosa, minha barriga doía. Já tinha receio de pedir a direção do banheiro para o Leonardo quando estivéssemos lá dentro.
Ah! E sobre o anel... eu ia falar com ele depois. Não deixaria barato não.
O salão parecia um universo paralelo. Luzes douradas refletiam nos cristais, as mesas estavam impecavelmente arrumadas, e todos — absolutamente todos — estavam vestidos como se fossem estrelas de um filme. Respirei fundo, tentando não parecer deslocada no meio de tanta sofisticação.
Leonardo, ao meu lado, segurava minha cintura com firmeza, como se quisesse me lembrar que eu não estava sozinha. Eu não sabia se era mais para me tranquilizar ou para deixar claro aos outros que eu estava ali com ele.
— Está tudo bem? — ele perguntou, se inclinando para que só eu ouvisse.
Assenti, forçando um sorriso. — Só não estou acostumada com isso.
Ele soltou uma risadinha baixa. — Vai ter que se acostumar. Você é a minha esposa agora.
Não gostei muito do jeito que ele disse isso, mas decidi não pensar no assunto. Depois que falou, tentei rir também, mas minha atenção foi roubada assim que algumas pessoas começaram a se aproximar. Sócios, investidores, mulheres com vestidos caros e sorrisos calculados. Todos queriam falar com Leonardo. E, inevitavelmente, todos olhavam para mim com curiosidade.
— Essa é Aurora — ele me apresentou algumas vezes, sempre de forma firme, sem deixar espaço para malícia nas entrelinhas.
A cada apresentação, eu sentia as pessoas me examinarem, como se tentassem entender quem eu era, de onde tinha surgido. Eu me perguntava a mesma coisa, para ser sincera.
Depois de alguns minutos tentando decorar nomes de pessoas que eu sei que não vou voltar a encontrar, surgiu um casal. Eles eram lindos juntos.
O casal parecia ter saído de uma revista de moda: ele, alto, de terno impecável; ela, de vestido vermelho feito sob medida para atrair olhares.
— Boa noite, Leonardo — o homem cumprimentou, com um sorriso largo. — E essa deve ser a sua esposa.
Leonardo apertou a mão dele e depois colocou a palma na minha cintura com firmeza.
— Exatamente. Esta é a Aurora.
Sorri educadamente, inclinando levemente a cabeça, mesmo com o coração martelando no peito.
— Muito prazer — consegui dizer, tentando parecer confiante.
— O prazer é todo nosso — respondeu a mulher, avaliando-me de cima a baixo, mas não com deboche.
— Querida, este é Vincenzo Romano e sua esposa, Júlia.
Querida... uau. Esse cara se superou nos elogios.
Espera... Romano. Acho que já ouvi esse nome em algum lugar, mas não lembro onde.
Enfim, acenei com a cabeça em reconhecimento. O que mais eu podia fazer? Eu não os conhecia, e o loiro aqui não disse nada do que eu tinha de dizer para essas pessoas ricas.
Eles eram um casal lindo. O senhor tinha cabelos grisalhos e barba. Era alto, com bom porte físico — qualquer mulher ficaria feliz ao lado dele (não que eu esteja interessada). A esposa não ficava atrás. Era linda, com cabelos grisalhos nas pontas e raízes pretas. Magra, pele branca e um sorriso que a deixava jovial. Eu tinha certeza de que eram italianos, pelo jeito que falavam.
— Vedo che hai risolto la questione in fretta, Leonardo (Vejo que você resolveu a questão rápido, Leonardo) — comentou o senhor Romano em italiano.
Leonardo olhou para mim, bem no fundo dos meus olhos, e respondeu também em italiano:
— Le avevo detto che avevo già trovato il mio destino, stavamo solo aspettando il momento giusto per mostrarlo al mondo (Eu disse ao senhor que já tinha encontrado o meu destino, só estávamos esperando o momento certo para mostrar ao mundo).
Ele disse isso tudo olhando dentro dos meus olhos. Se eu não soubesse, diria que foi uma declaração de amor. Mas esse loiro idiota não ama ninguém.
O senhor soltou uma risada e puxou a esposa para perto.
— E lei ha detto di sì (E ela disse sim).
— Vincenzo, ti prego, basta così (Vincenzo, chega disso) — disse Júlia, olhando para o marido. Depois voltou os olhos para mim e Leonardo:
— Le mie congratulazioni, Leonardo. Sua moglie sembra essere una brava persona ed è anche molto dolce. Vorrei che mio figlio decidesse di sposarsi già, e sarei certamente felice se fosse con una donna come la sua. (Meus parabéns, Leonardo. Sua esposa parece ser uma boa pessoa e também muito doce. Gostaria que meu filho decidisse se casar já, e com certeza ficaria feliz se fosse com uma mulher como a sua).
Leonardo sorriu gentilmente e respondeu. O homem que, desde o dia em que nos conhecemos, nunca tinha feito isso — e olha que só se passaram dois dias — sorriu. Algo que eu achava impossível.
— La ringrazio tanto per le sue parole così gentili. È un onore sentirlo da lei, e sono felice che veda mia moglie in questo modo. (Muito obrigado pelas suas palavras tão amáveis. É uma honra ouvir isso de você, e fico feliz que veja minha esposa dessa maneira).
Eu acho que eles não sabem que eu estou a entende - los, que seja eu também não vou contar.
Nesse momento, o marido da senhora interveio com delicadeza, agora em português:
— Com licença, mas vamos para casa agora. Minha esposa não está se sentindo muito bem.
Então foi por isso que ele colocou a mão na cintura dela. Pensando bem, ela quase se desequilibrou. Mas, estranhamente, não parecia doente.
Ela olhou para o marido e deu um sorriso. Pareciam conversar em silêncio, só com olhares. Meu coração se encheu de emoção. Que casal lindo!
A senhora Júlia se virou para nós. Mesmo com a voz suave, falou com carinho:
— Nós gostaríamos muito que viessem jantar em nossa casa daqui a dois dias. Seria uma alegria recebê-los.
Mais um jantar com pessoas ricas? Olhem, não me interpretem mal: a senhora Júlia parecia uma boa pessoa. Mas o problema é que eu mal falei hoje. Imagina no jantar. Talvez seja só por que eu pense demais.
— Tá bom, estaremos lá. Muito obrigado pelo convite. — Leonardo respondeu, tirando-me dos meus devaneios.
— De nada, vemos vocês lá em casa — disse o senhor Romano.
Eles se dirigiram à saída. Logo os perdi de vista, engolidos pela multidão.
E eu fiquei ali, ao lado de Leonardo, com a sensação de que a noite estava apenas começando...
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