O CONSELHO DE UMA ESTRANHA
Após me confessar, o padre apenas pediu que eu fosse até o banco diante do altar e rezasse o rosário. Obedeci e em silêncio, deixei que cada conta entre meus dedos fosse também uma súplica, uma tentativa de acalmar a tempestade que ainda rugia dentro de mim.
Ajoelhei-me diante do altar vazio, a igreja ainda envolta no silêncio da madrugada. O cheiro da cera das velas apagadas misturava-se ao frio do mármore, e minhas mãos se apertavam contra o peito. Rezava em voz baixa, pedindo a Deus forças e sabedoria.
— Senhor, eu não sei o que fazer… — sussurrei entre lágrimas. — Mostra-me a verdade, me mostra como devo agir.
Fechei os olhos, tentando encontrar paz, mas a angústia era maior. Foi então que senti um movimento ao meu lado.
Foi nesse instante, enquanto eu murmurava as Ave-Marias, que percebi a presença de uma senhorinha se aproximando e sentando ao meu lado…
Abri os olhos devagar e vi a senhora de cabelos brancos bem penteados, o rosto marcado pelo tempo, mas iluminado por uma expressão serena. Ela se ajoelhou perto de mim, fez o sinal da cruz e ficou alguns segundos em silêncio, antes de me olhar com ternura.
— O que uma jovem faz, a esta hora, rezando tão aflita? — perguntou, a voz suave. — Só pode estar com o coração muito pesado.
Fiquei sem reação por um instante, mas havia algo naquela mulher uma luz de calma e sabedoria que me fez baixar a guarda. Suspirei fundo e respondi com a voz embargada:
— Está sim, está pesado demais.
E então, sem perceber, abri meu coração para uma estranha. Contei tudo: o casamento arruinado, a traição, o contrato descoberto, a humilhação diante de todos. Cada palavra saía como se eu estivesse vomitando o veneno acumulado em minha alma.
A senhora me escutou com serenidade, sem me interromper, até que minhas lágrimas secaram. Então, com a calma dos antigos, pousou a mão sobre a minha e disse:
— Me chame de Mari, minha filha. Se o seu coração está aflito, o melhor conselheiro que você pode buscar é o psicólogo dos psicólogos: o Senhor Jesus Cristo.
Ela tirou da bolsa uma Bíblia de capa gasta e a colocou em minhas mãos.
— Segure-a, feche os olhos e fale com Jesus. Diga a Ele: “Senhor, fala comigo.” E então abra o Evangelho ao acaso. Ele sempre responde.
Obedeci. Fiz uma prece silenciosa, pedindo que o Senhor me mostrasse o caminho. Abri a Bíblia com os olhos fechados e, quando olhei, as palavras diante de mim eram da parábola do
do "Bom Samaritano".
“Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Roubaram-no, espancaram-no e o deixaram quase morto. Um sacerdote passou, olhou e seguiu adiante. Um levita também passou, olhou e seguiu adiante. Mas um samaritano, movido de compaixão, aproximou-se, cuidou das feridas daquele homem e o levou para uma hospedaria, garantindo que nada lhe faltasse.”
Fechei o livro devagar, meu peito doía como se as palavras fossem espelhos. Eu era aquele homem ferido na estrada. Abandonada pelas pessoas que deviam me proteger. Ignorada por quem deveria ter cuidado de mim. E ainda assim, a parábola dizia que sempre há alguém disposto a se sacrificar, a carregar o peso que os outros rejeitam.
Mari sorriu de leve, como se tivesse lido meu pensamento.
— Viu, minha filha? Nem sempre o socorro vem de quem esperamos. Às vezes, Deus envia ajuda por onde menos se imagina. Os pais, os irmãos, os amigos podem falhar. Mas Ele sempre levanta alguém para colocar bálsamo nas nossas feridas.
Engoli em seco, as lágrimas voltando a arder.
— Mas, e se eu não quiser aceitar ajuda? E se tudo em mim só quiser gritar e fugir?
Ela apertou minha mão com firmeza.
— A dor faz isso com a gente, mas não se vence o mal fugindo. Veja o samaritano: ele poderia ter passado adiante, como os outros, mas escolheu parar. Escolheu se sacrificar. Você está machucada, Gemima, mas também tem diante de si uma escolha. Pode virar as costas, ou pode pensar em quantos vão depender da sua decisão.
Essas palavras me atravessaram como uma lâmina. Pensei nas empresas, nos empregados, nas famílias que já ouvi falarem em desespero, em demissões. Vi, de novo, em minha mente, aquelas cenas terríveis do meu pesadelo: crianças com fome, gente na rua, apontando para mim como culpada.
— Eu não sei se tenho forças — murmurei. — Não sei se consigo carregar um peso que nem escolhi.
Mari fez o sinal da cruz na minha testa, como uma bênção.
— Quem te dará forças é Deus, você não precisa resolver tudo hoje, ore e respire, peça sabedoria. E na hora de decidir, lembre-se do que leu: ser samaritana ou virar as costas.
Fiquei em silêncio, sentindo o coração bater mais compassado. Não era uma resposta pronta, mas era um caminho.
Levantei-me do banco da igreja, abracei aquela senhora que mal conhecia, mas que parecia enviada do céu.
— Obrigada, dona Mari. Não sei quem a senhora é… mas hoje a senhora foi um anjo para mim.
Ela sorriu, serena, e disse apenas:
— Eu sou só alguém que já caiu na estrada também. Vá em paz, minha filha.
Saí da igreja já deveria ser umas oito horas, o céu está claro, os passarinhos cantando. Dentro de mim, a confusão continuava, mas agora havia também uma centelha: talvez houvesse, sim, um jeito de transformar minha dor em algo maior, eu buscaria uma solução.