####CAPÍTULO 5

O Peso do Contrato

Gemima, no entanto, já não estava mais ali, no andar de cima, fechada em seu quarto, ela tentava se recompor. Mas a consciência de que, em poucos minutos, todos discutiram sua vida como se fosse um mero papel de contrato a corroía por dentro.

Ela se encolheu na cama, com o rosto entre as mãos, lágrimas escorrendo silenciosas. Sabia que não era culpada, mas o peso do mundo parecia esmagá-la.

Enquanto isso, no andar de baixo, a mansão se esvaziava de vozes, mas se enchia de fantasmas — das escolhas feitas por ambição, orgulho e silêncio.

E no centro de tudo, estava Gemima: sozinha, perdida, tentando entender se ainda tinha algum direito sobre si mesma.

A madrugada avançava, e o corpo cansado de Gemima finalmente cedeu. Mas o descanso não veio suave. O sono a tomou como um vendaval, arrastando-a para um mundo de imagens distorcidas, carregadas de dor e culpa.

Nos sonhos, ela viu a mãe, alta e serena, mas envolta em sombras que se desfazia como fumaça, ela lhe estendia o contrato, as letras em tinta negra transformando-se em correntes que se enrolavam em seus braços.

— Minha filha, — a voz ecoava como um lamento — desde o berço, você foi promessa.

Gemima tentou gritar, mas não havia voz, quiz soltar-se, mas os papéis se multiplicavam, formando muros em volta dela.

De repente, o cenário mudou. Ela caminhava por ruas escuras, repletas de famílias inteiras deitadas no chão frio, crianças magras, de olhos fundos, estendiam as mãos para ela. Mães seguravam bebês sem forças para chorar. Homens com semblantes derrotados a encaravam, e todos diziam em uníssono, como um coro de condenação:

— Você é a culpada…

Gemima corria, sem encontrar uma saída, em casa esquina, cenas se revelavam de miséria, e dor. Via fábricas fechando, portões sendo trancados com correntes pesadas. Trabalhadores desesperados, rasgando papéis de demissão, apontavam para ela.

— Foi o seu orgulho. — a acusavam. — Você destruiu tudo.

Ela tapava os ouvidos, mas as vozes ecoavam dentro de sua mente, como se não houvesse refúgio.

Subitamente, um prédio inteiro desmoronou diante dela. Em meio à poeira, surgiu Luna, com os olhos cheios de fúria, apontando-lhe o dedo.

— Você roubou o que era meu, agora todos sofrem por sua causa.

Gemima cambaleou para trás, tropeçando em escombros. Quando caiu, ergueu os olhos e viu novamente a mãe, agora com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Minha filha, eu também casei por contrato, Mas eu suportei, pelo bem de todos.— a voz desapareceu, engolida por um trovão.

Gemima gritou, e nesse instante acordou. O coração disparado, a respiração descompassada, o corpo coberto de suor frio.

A madrugada ainda chegou, a casa mergulhava em silêncio. O relógio na parede marcava pouco mais de seis da manhã.

Ela levantou devagar, as pernas trêmulas. Caminhou até o banheiro, tomou um banho , escovou os dentes, mas a sensação de peso não passava. Era como se aquelas vozes ainda ecoavam em seus ouvidos.

Incapaz de voltar a dormir, vestiu-se com roupas simples e discretas. Pegou o celular, chamou discretamente um carro por aplicativo e desceu as escadas em silêncio, sem acordar ninguém.

O veículo a levou até a pequena igreja onde, poucas horas antes, ela havia sido casada. O mesmo altar que fora testemunha de sua humilhação agora seria refúgio.

Quando entrou, o ar cheirava a incenso e cera queimada. Os vitrais ainda estavam escuros, apenas refletindo a luz fraca dos postes da rua, o padre, de batina simples, estava ajoelhado em oração próximo ao altar. Ele se levantou quando ouviu os passos dela.

— Filha, está tudo bem? — perguntou, surpreso, ao vê-la tão cedo, na igreja, o semblante abatido.

Gemima segurou o véu imaginário de sua dor, inclinando a cabeça.

— Padre, perdoe-me por incomodá-lo nessa hora. Mas eu não sabia a quem recorrer. O senhor é o único que pode me ouvir sem me julgar.

Ele a conduziu até um banco próximo, sentando-se ao lado dela.

— Então fale, minha filha. O que a atormenta?

As palavras vieram como enxurrada. Gemima contou tudo: o contrato revelado, o casamento forçado, a traição no banheiro, o escândalo diante de todos. Falou sobre o peso de milhares de famílias que agora dependiam da sua decisão, falou da culpa que lhe corroía o peito, dos pesadelos que a fizeram acreditar que era a responsável pela ruína de todos.

Ela tremia. O padre pousou a mão sobre a dela, firme mas compassivo.

— Minha filha, primeiro entenda, uma coisa, você não é culpada pelas escolhas que fizeram por você. Não é justo que carregue nos ombros decisões que foram tomadas antes mesmo de você nascer.

Ela fechou os olhos, tentando absorver aquelas palavras.

— Mas, e as famílias, padre? E se realmente tudo desmoronar por minha causa?

Ele respirou fundo.

— A responsabilidade pela saúde das empresas não é sua, é dos homens que as dirigem. Mas se você sente no coração que pode ajudar, que pode sacrificar algo de si para dar tempo a essas famílias, então faça — mas com uma condição: estabeleça suas próprias cláusulas. Você não é mais uma criança sem voz. Se aceitar esse acordo, que seja em seus termos. Que não haja traições, que não haja engano. Que você tenha liberdade para estudar, para viver, para ser quem é.

Gemima chorava em silêncio, mas seus olhos já não estavam tão perdidos.

— E quanto ao religioso, padre? Como anular diante de Deus algo que começou errado? Como apagar essa mentira diante do altar?

Ele suspirou, olhando para o crucifixo iluminado pela chama das velas.

— O sacramento exige verdade, minha filha. Se o casamento foi celebrado em engano, sem pleno consentimento, ele pode sim ser anulado pela Igreja. Isso leva tempo, mas não é impossível. Eu vou ajudá-la.

Ela o olhou com gratidão e desespero ao mesmo tempo.

— Então, devo aceitar esse contrato?

O padre sorriu, sereno.

— Você deve ouvir o seu coração e rezar, pedindo à Nossa Senhora sabedoria. A vida não se resume a contratos, nem a fortunas. Mas Deus pode transformar até um erro no caminho de redenção, se você permitir.

Gemima fechou os olhos, apertando o terço que ele lhe ofereceu.

— Obrigada, padre, vou orar, por favor, continue rezando por mim.

Ele assentiu. — Sempre.

E naquele banco frio da igreja, ainda antes do sol nascer, Gemima sentiu que, apesar de toda a dor, ainda havia uma chama de esperança — frágil, mas viva.

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