Chegamos a uma lanchonete de bairro bem simples, quase rústico, com mesas de plástico espalhadas pela calçada e cadeiras de madeira que rangiam levemente quando alguém se sentava. As luzes amarelas, presas em fios improvisados, lançavam um brilho quente e caseiro sobre o ambiente, contrastando com o universo luxuoso e esterilizado ao qual eu estava acostumado. Um cheiro de carne grelhada se misturava ao aroma de frutas frescas, e apesar da minha resistência inicial, havia algo de acolhedor naquele espaço. Ainda assim, o instinto arrogante que cresceu comigo fez minha boca se curvar em um leve sorriso de ironia.
— Então… este é o grande banquete que você tinha em mente? — pergunto, ajeitando-me na cadeira desconfortável, tentando esconder o ceticismo na voz. Ela ergue os olhos para mim, e por um instante me sinto atingido pela firmeza do seu olhar. Elisa não se encolhe, não pede desculpas, não abaixa a cabeça como tantos fariam diante de mim. Em vez disso, sorri com uma naturalidade desarmante, como se não houvesse nada de errado em trazer Julian Kingsley, o herdeiro bilionário para comer em um lugar onde uma refeição custa menos do que a ponta da minha gravata. Me pergunto se ela soubesse quem eu sou, se ainda agiria desta maneira ao meu lado. — Eu sei, não parece grande coisa… é simples, eu admito. Mas confia em mim, é a melhor lanchonete do meu bairro. — Ela pega o cardápio manuseando de tanto uso e folheia com familiaridade — Os hambúrgueres daqui são incríveis. Se der uma chance, prometo que não vai se arrepender. Há algo no modo como ela fala, tão seguro, tão diferente das vozes que sempre me cercam, acostumadas a me bajular, a medir cada palavra. Quando o garçom, um rapaz jovem com uniforme gasto, aparece ao nosso lado, ela o cumprimenta com intimidade. — Oi, Rafa! Dois especiais da casa e dois sucos de laranja, por favor. — Entendido! — O homem responde anotando tudo em um papel, entrega a comanda para Elisa e se afasta. Elisa, por sua vez, o observa sumir em direção à cozinha, mas logo se levanta. — Ah, esqueci uma coisa no carro. Já volto. Assinto, e assim que sua figura desaparece pela rua, puxo meu celular do bolso com rapidez, para ligar novamente para William. Meus dedos deslizam pela tela até encontrar o nome que procuro o mais rápido possível antes que Elisa volte. — Willian — minha voz é firme, quase um sussurro — Redija um contrato de casamento. Validade: seis meses. Recompensa: dois milhões de reais. Preciso disso imediatamente. Uma pausa. Meu olhar vagueia pelo cardápio plastificado em cima da mesa. A simplicidade de Elisa me vem à mente que talvez ela possa ser mais pobre do que eu imaginei inicialmente. — Melhor ainda — acrescento, ajeitando o colete de segurança, que ainda estou vestindo, e respiro fundo. — coloque dez milhões. Desta forma, não tem chances de Elisa recusar. Desligo o telefone sem esperar resposta. O ar da noite é fresco, tranquilo, e por um instante me permito algo raro: silêncio. Um silêncio que não me sufoca, mas me liberta. As vozes do meu passado e as exigências do meu futuro não tem lugar aqui, neste lugar eu não sou um Kingsley, sou apenas o Julian. Eu nunca fui visto como Julian, o ser humano. Sempre fui visto como Kingsley, a empresa. Essa constatação me assusta, pois me faz perceber que talvez eu não queira mais voltar para o que eu conheço. Aproveito ao máximo esse ambiente que eu nunca mais vou retornar, após voltar para a minha realidade. Quando percebo, Elisa já voltou. Ela segura uma folha dobrada, uma caneta e uma mochila nos ombros. Seus dedos finos apertam o papel com certo nervosismo, mas sua expressão é decidida. — Já que nosso casamento foi… relâmpago — ela começa, mordendo levemente o lábio inferior, e o gesto me prende mais do que deveria — pensei que poderíamos assinar um acordo. Pego o papel com certo desdém, mas assim que leio as palavras “contrato de união”, meu cenho se arqueia. — Você está me propondo um contrato? Ela engole em seco, os olhos buscando os meus. Há vulnerabilidade em sua postura, mas também coragem. — Você me ajudou muito hoje, mas acabou perdendo o emprego por minha culpa. Não quero sentir que tenho uma dívida com você. Assim como não quero que passe necessidade por minha causa. — ela fala séria — Eu vou cuidar de você até que possa encontrar um novo emprego, sem pressa. Eu rio. Não consigo evitar. O som ecoa mais alto do que eu poderia imaginar no espaço pequeno. — Você vai cuidar de mim? — repito, ainda sorrindo, intrigado. Ela assente, ainda com um semblante sério, mesmo diante de toda a minha ironia. — Eu não ganho muito, mas… pode ficar na minha casa, comer comigo. — ela é muito gentil — Não quero que se preocupe com dinheiro. O contrato será válido até você se estabilizar financeiramente. Depois… podemos nos divorciar. — Eu não entendo! Nunca ouvi nenhuma garota querendo cuidar de mim antes. Penso em quantas pessoas se aproximaram apenas por interesse em meu dinheiro ou na influência dos Kingsley, e percebo que talvez nunca tenha tido alguém que quisesse cuidar de mim, sem que quisesse se beneficiar de alguma forma. — Então… você não quer? — ela pergunta com uma expressão confusa, me tirando do meu devaneio breve. Meu riso morre. O peso da pergunta paira entre nós. Inclino-me para frente, diminuindo a distância. Nossos rostos ficam próximos o suficiente para que eu sinta o calor da sua respiração. — Por que eu não iria querer? — digo num tom baixo, quase íntimo — Você é linda, Elisa. Eu seria louco de recusar ser seu esposo mimado. Pego a caneta, assino o contrato sem hesitar e deslizo o papel de volta para ela. Seus olhos brilham, um sorriso tímido ilumina seu rosto. — Fechado! — ela recolhe a folha com cuidado, quase como se fosse um tesouro, e logo se levanta — Agora eu preciso ir ao banheiro rapidinho, para trocar essa roupa. – ela aponta para o vestido de noiva e em seguida para a mochila. – Já volto! Enquanto ela se afasta, fico parado, observando a maneira como os seus quadris se movem naturalmente, como se cada gesto dela fosse involuntariamente provocante. Uma sensação estranha me invade, não apenas desejo, mas algo mais profundo, inquietante. Estou experimentando um sentimento e uma sensação que eu nunca havia sido capaz de sentir antes deste dia. Uma confusão, que certamente, vou ter que consertar mais cedo ou mais tarde, mas que por enquanto, é exatamente aqui onde quero ficar. Meu celular vibra. Retiro do meu bolso e atendo de imediato. — Senhor, o contrato está pronto — ouço a voz de William do outro lado da linha. — Envio para o e-mail? — Não é mais necessário — digo ainda olhando para onde Elisa havia desaparecido — Acho que encontrei minha suggar mommy. — O que? — ouço william quase se engasgar do outro lado da linha, mas desligo antes que ele possa insistir. Quando Elisa retorna, traz consigo os lanches. Coloca um diante de mim, e o aroma da carne grelhada e do queijo derretido invade meus sentidos. Dou uma mordida, e um prazer quase obsceno explode na minha boca. — Uau… — digo surpreso, lambendo o canto dos lábios. — Isso aqui é muito bom. Ela sorri, satisfeita e só então começa a comer também. — Eu avisei. — seus olhos me observam com intensidade. — Mas talvez tenhamos que parar de comer fora… precisamos economizar. — Precisamos? — repito, arqueando uma sobrancelha. — Você está sem dinheiro? Ela cora, desviando o olhar. É aí que percebo: não é apenas orgulho que a move. É sobrevivência. E pela primeira vez em muito tempo, sinto vontade de largar todas as correntes que me prendem, só para ver onde essa mulher é capaz de me levar.