Francine não passava de uma empregada comum na enorme mansão de Dorian Villeneuve, mas ainda não tinha desistido do sonho de desfilar em Paris.
E naquela noite, ela tinha um único objetivo: chamar a atenção do olheiro da Agência Montblanc — um nome poderoso no mundo da moda — que, segundo boatos entre antigas colegas de passarela, estaria presente no baile.
— O baile de máscaras anual do senhor Dorian. — Francine olhava para as unhas bem feitas — Faltam poucas horas.
— Você é louca, Francine. — Malu disse isso tão naturalmente — Vai mesmo? Você nem tem um convite!
— Meu amor, eu trabalho nessa mansão. Quem precisa de convite é quem tá lá fora. Eu só preciso de um vestido e uma máscara.
Malu, a colega de quarto, cruzou os braços.
— Ah, tá. E onde você vai arrumar isso, espertinha?
Francine abriu o próprio guarda-roupa como quem revela um segredo de Estado.
De lá, puxou um vestido vermelho escarlate, longo, com uma fenda escandalosa e um decote de tirar o fôlego.
— Meus anos naquela agência de modelos estúpida serviram pra alguma coisa, vai... Ganhei isso num ensaio. Nunca tive lugar pra usar. Até hoje.
— E a máscara?
— Essa eu arrumo durante a festa. Dou meus pulos.
— Você pretende roubar uma máscara?!
— Roubar, não. Pegar emprestado. Temporariamente. Em nome do meu sonho.
Malu arregalou os olhos, sussurrando:
— Se o senhor Dorian descobrir, você vai ser demitida.
Francine sorriu, travessa.
— Como ele mesmo gosta de dizer… o que acontece no baile de máscaras fica no baile de máscaras.
Ela colocou o vestido de volta no guarda-roupa com cuidado e sumiu no banheiro.
Malu ficou parada, olhando para a porta fechada.
— Você é maluca, Francine...
Já passava das dez da noite quando o salão começou a encher.
Francine circulava entre os convidados, devidamente uniformizada, o olhar atento.
Ela não queria uma pessoa. Queria uma máscara. E precisava ser perfeita.
Foi quando viu.
Vermelha. Brilhante. Um toque de renda nas bordas e penas negras saindo do canto direito.
— Aquela, com certeza — sussurrou para si mesma.
Virou nos calcanhares e correu até a porta de entrada, onde o segurança Otávio vigiava com cara de poucos amigos.
— Otávio, você sabe que eu te amo, né?
— Fala logo o que você quer — ele nem disfarçou o tédio. — Sabe que o senhor Dorian não gosta de ver os empregados batendo papo. Ainda mais hoje.
— Você sabe que eu te amo porque é o único que embarca nas minhas loucuras.
— Francine...
— Preciso que você recolha as máscaras de quem for embora. Diz que é exigência do patrão, que é padrão da casa... inventa qualquer desculpa. Só recolhe.
Otávio fechou os olhos, respirando fundo.
— Mulher, o que você vai aprontar?
— Nada. Só faz o que eu pedi. Preciso voltar lá pra dentro.
— Vai logo. Não quero ser demitido por causa das suas ideias. Aquele homem é imprevisível.
Francine voltou pro salão. Rápido. Focada.
Parou no bar. O bartender olhou de canto para ela.
— Flávio, a mulher de máscara vermelha ali pediu o drink mais escuro que você tiver.
— Ah tá. E você acha mesmo que alguém nesse baile não sabe o nome de um drink escuro?
— Só faz o que eu tô pedindo. Dois copos, por favor.
— Vai sobrar pra mim?
— Prometo que não vai sobrar nada pra você.
— Olha lá, hein... — Flávio já preparava os drinks.
— É por isso que eu te amo! — Ela piscou e saiu dançando entre os convidados, vigiando a mulher de vestido creme.
Quando voltou ao bar, os dois copos já estavam prontos sobre a bandeja.
Francine os pegou, inspirou fundo e seguiu direto.
— Seu vestido é maravilhoso, moça... mas eu preciso mesmo é da sua máscara — sussurrou pra si, já chegando perto.
Mais três passos.
Ela tropeçou propositalmente na borda de uma mesa e jogou os dois drinks sobre o vestido de seda.
— MAS QUE...?! VOCÊ TÁ LOUCA?! — a mulher gritou. — Olha o que você fez com meu vestido! Você sabe quanto ele custou?!
Francine fingia desespero.
— Me desculpe, moça! Foi sem querer! Deixa que eu limpo...
— Tira as mãos de mim! Suas mãos imundas nem mereciam tocar esse tecido!
Ela saiu bufando, acompanhada por um homem com cara de poucos amigos.
Francine suspirou, segurando o riso.
Voltou pra cozinha, saiu pelos fundos da mansão e correu até Otávio.
— Conseguiu pegar as máscaras?
— Sim... — Ele estendeu uma sacola com quatro delas. — O que você vai fazer com isso?
— A ignorância é uma benção. Tem certeza que quer saber?
— Toma isso aqui e some da minha frente — ele empurrou a sacola. — Antes que eu me arrependa.
Francine abriu, vasculhou com cuidado e sorriu quando a encontrou.
A máscara vermelha. Ainda molhada nas bordas.
— Perfeita.
Ela se virou e voltou para a mansão, pronta para o próximo passo.
Francine correu até o quarto como se o mundo fosse acabar em cinco minutos.
Arrancou o uniforme de empregada e abriu o guarda-roupa com reverência.
Ali estava ele. O vestido vermelho escarlate.
Ela o vestiu como quem já tinha ensaiado aquela cena mil vezes.
O tecido colou no corpo. A fenda subiu quase até a alma. O decote... uma ousadia que nem ela sabia que tinha guardado.
Calçou um salto preto, alto o bastante pra fazer barulho ao entrar.
Pegou a máscara vermelha, ainda úmida, mas perfeita.
Um retoque de base, um blush discreto... E o batom vermelho, claro. Era a assinatura.
Ela se olhou no espelho, com a máscara já no rosto, e sorriu.
— Quem não se apaixonar por esse sorriso... ou é cego, ou gosta de banguela.
Deu meia-volta, saiu novamente pelos fundos da mansão e correu até Otávio.
Ele arregalou os olhos quando a viu.
— Eu não vou nem perguntar. Vai. Antes que eu me arrependa.
Ela piscou, segurou o riso e entrou pela porta da frente do salão.
Como uma convidada.
A música estava mais intensa agora. O salão, lotado.
Francine andava devagar, os olhos brilhando enquanto tentava identificar quem poderia ser o olheiro entre tantos homens mascarados.
Ninguém ali sabia quem ela era. Mas era como se ela tivesse nascido pra estar ali.
E então, ela sentiu.
Um olhar. Firme. Parado nela.