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📖 CAPÍTULO 4 — A TRAVESIA

O cheiro salgado do mar se misturava ao odor metálico do barco velho que balançava no escuro. Anna mantinha as mãos apertadas no próprio estômago, como se isso pudesse impedir a dor surda causada pelos pacotes de droga escondidos dentro dela. O enjoo vinha em ondas, tão fortes quanto as que batiam contra o casco enferrujado.

A viagem havia começado pior do que prometido.

Pedro garantira que tudo seria “rápido e seguro”, mas as mentiras dele pareciam se acumular tão rápido quanto o desespero que tomava o peito de Anna. Depois de cruzar o deserto em uma caminhonete lotada, sem poder beber água o suficiente para aliviar a sede que cortava a garganta, agora ela enfrentava o mar turbulento rumo ao México — a primeira parte da rota para os Estados Unidos.

As pessoas ao redor tremiam de frio e medo. Alguns rezavam. Outros choravam baixinho. Anna tentava manter o foco no Ăşnico motivo que a fazia suportar aquilo: Beatriz. Se tudo desse certo, ela chegaria aos Estados Unidos, entregaria a carga, receberia o dinheiro e poderia pagar a transferĂŞncia da mĂŁe para SĂŁo Paulo.

Mas a incerteza pesava. Pedro havia atrasado sua saĂ­da, mentido para os coiotes e alterado a rota. Cada minuto extra longe do Brasil era um minuto em que ela temia nĂŁo chegar a tempo.

O barco balançou mais forte e Anna se apoiou na lateral, respirando fundo.

Foi nesse momento que ouviu uma voz baixa ao seu lado.

— Primeira vez atravessando? — perguntou uma garota de cabelos escuros presos em um coque bagunçado.

Anna assentiu, quase sem forças.

A outra sorriu com compreensão — um sorriso cansado, mas genuíno.

— Sou Talia — disse ela. — Se você vomitar, mira pro lado certo. Ou a gente vai se afogar juntos.

Anna soltou um pequeno riso, o primeiro em dias.

— Anna.

Talia estendeu a mão para apertar a dela, mas o barco balançou e ambas se seguraram na borda.

— De onde você é? — perguntou Talia, tentando manter a voz leve apesar da situação.

— Brasil. E você?

— México… mais ou menos. — Ela desviou o olhar por um segundo, como se escondesse algo. — Longa história.

Havia algo naquele olhar — um misto de ferida antiga e determinação — que fez Anna sentir segurança. Não confiança, ainda. Mas segurança. Como se, por algum motivo inexplicável, elas estivessem destinadas a se cruzar.

A viagem seguiu em silĂŞncio por alguns minutos, interrompido apenas por tosses, choros e o motor do barco falhando de tempos em tempos.

De repente, um estampido ecoou no ar.

Outro.

E outro.

Os coiotes gritaram ordens enquanto corria um boato entre os passageiros: tiros. Em alto-mar. Talvez piratas. Talvez policiais corruptos.

O pânico tomou conta.

Alguém empurrou Anna, que caiu de joelhos, protegendo o estômago com os braços. Sentiu o gosto amargo da bile subindo. Talia a puxou pelo braço e a encostou na parede do barco.

— Não entra em pânico — sussurrou Talia no ouvido dela. — Eles não querem a gente, querem a carga do dono do barco.

Anna fechou os olhos. O suor escorria pelas têmporas. A carga do barco… e a carga dentro dela, pensou, engolindo seco.

O conflito durou poucos minutos — minutos longos como horas — até que o silêncio voltou, interrompido apenas pelo choro desesperado de algumas pessoas.

— Passou — disse Talia, como quem tenta acreditar no próprio consolo.

A viagem ainda durou horas até chegarem a uma praia isolada no México. Os coiotes ordenaram que todos corressem, sem olhar para trás. O céu começava a clarear quando Anna e Talia colocaram os pés na areia quente.

A próxima etapa seria atravessar a fronteira terrestre até os Estados Unidos.

A jornada parecia interminável.

E, no fundo, Anna sentia que alguma coisa estava errada.

Um pressentimento frio lhe percorria a espinha.

Mas ela afastou o pensamento — precisava se manter forte.

Em nenhum momento imaginou que, no Brasil, sua mãe já não respirava mais.

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