Capítulo 2 - Reencontro

Senti um leve rubor subir ao meu rosto — fiquei envergonhada de repente.

— Então... você está bem? — perguntei, tentando disfarçar. Conversa vai, conversa vem, acabei entrando no assunto.

Henrique, sempre solícito, logo se dispôs a vir ao rancho ajudar a Mimosa. Já imaginando o que poderia ser e confiando no que eu havia dito, chegou preparado, com todo o equipamento necessário.

Era muito querido na cidade, um dos veterinários mais requisitados da região. Estava sempre disposto a ajudar, apaixonado pelos animais. Eu não o via desde que fui estudar; às vezes vinha pra casa nas férias, mas a gente quase nunca se encontrava. Mal lembrava como ele estava.

Quando vi o farol de uma Ford Ranger preta se aproximando, confesso: meu queixo caiu. Que carro lindo! E quando ele desceu... alto, magro, mas com aquele tipo de corpo — como posso dizer? — bonito de um jeito natural. Sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Afinal, era o Henrique. Meu amigo de infância. Ai, que doida.

O barulho dos cascos dos cavalos ao longe misturava-se ao som do vento batendo nas folhas secas. O céu começava a ficar alaranjado, e o cheiro de terra úmida invadia o ar. O rancho parecia respirar vida.

— Ora, ora, ela está de volta aos campos — comentou ele, ao me ver. O modo como me olhou dos pés à cabeça me fez perder o fôlego por um instante. Só consegui dar uma risadinha nervosa.

— Ora, ora, se não é o doutor bichano — brinquei, lembrando o apelido que usava quando ele dizia que seria “doutor de bichos”.

Ele riu, bateu de leve na aba do meu chapéu.

— Engraçadinha você, hein? Foi isso que aprendeu na faculdade? — disse em tom de deboche, mas com um brilho divertido nos olhos. Depois ficou me observando em silêncio por alguns segundos. — Você está diferente, Aurora.

De repente, um silêncio estranho se instalou entre nós. Um silêncio que não existia na nossa infância, quando as palavras pareciam correr livres entre risadas e brincadeiras no curral.

— Você também — respondi rápido, tentando quebrar o clima. — Acho que vi uns dez pelos a mais nessa barba aí.

Ele soltou um riso quase inaudível, com um sorriso discreto no canto da boca.

— Bem, vamos ver a Mimosa? — perguntou.

— É pra já! — respondi animada.

Henrique confirmou o que eu suspeitava: mastite. Começamos o tratamento aplicando a anestesia para aliviar a dor da Mimosa e, em seguida, ele iniciou a drenagem do abscesso. Mesmo anestesiada, dava pra perceber o desconforto da pobrezinha.

Não sei quanto tempo ficamos ali; eu estava concentrada, ajudando em cada etapa daquele procedimento engenhoso e necessário. Fiquei encarregada da lavagem.

O sol entrava pelas frestas do estábulo, criando faixas douradas no ar poeirento. O som ritmado das moscas, o cheiro forte do esterco e a respiração pesada da vaca davam um certo peso ao momento.

— Assim não, Aurora — corrigiu Henrique. — Você precisa pegar firme no instrumento, passar confiança pro animal. Ela já está mal, e se sentir sua hesitação, piora.

— Tá bom... tô meio sem jeito ainda, mas vou aprender — confessei, um pouco sem graça.

Ele se aproximou, tomou o instrumento da minha mão e mostrou novamente. Depois, pegou minha mão e colou junto à dele, guiando o movimento. Não sei se aquilo ajudou... ou piorou. Senti o rosto esquentar, um arrepio diferente me atravessou. Estava confusa — fazia tanto tempo que não o via, e agora me sentia meio... desajeitada.

Enquanto ele falava sobre técnica e pressão adequada, eu mal conseguia prestar atenção. O toque firme da mão dele sobre a minha, o calor da pele, o som da respiração próxima... tudo parecia bagunçar meu raciocínio.

Me perdi em meus pensamentos e, quando dei por mim, ouvi ele chamar:

— Aurora, acorda! — disse, mais alto.

— Ops! — voltei à realidade, piscando rápido.

— Você está bem? — perguntou, arqueando uma sobrancelha.

— Claro que sim, só estava... empolgada demais, eu acho. Então, o que vem agora? — desconversei.

Ele ficou me olhando por alguns segundos — aquele olhar que parece querer decifrar o que se passa por dentro da gente. Depois respondeu:

— Agora administramos os antibióticos e acompanhamos nos próximos dias.

— Certo. Espero que ela melhore logo — falei, fazendo carinho na Mimosa, que apesar de debilitada, já parecia aliviada.

Senti um olhar em mim. Quando levantei a cabeça, Henrique desviou rápido. Nesse instante, meu pai chegou, limpando as mãos no lenço que trazia sempre no bolso da calça.

— Vejo que não precisaram de mim — disse, sorrindo. — Olá, garoto, como está?

— Muito bem, seu José. E o senhor? — respondeu Henrique, cordial.

— Melhor agora. Minha filha voltou da cidade, formada, e já está botando a mão na massa — disse meu pai, sorrindo de orelha a orelha, alternando o olhar entre mim e ele.

— É, vi sim. E, pelo visto, será uma excelente veterinária — elogiou Henrique, me observando com um olhar que me deixou desconcertada.

Fiquei sem saber onde enfiar a cara. Meus dedos começaram a brincar nervosos com a barra da camisa.

— Com licença... vou tomar um banho antes do almoço — falei, fugindo dali.

— Ei, me espera — pediu ele, num tom quase provocador.

— Esperar pra quê, vai tomar banho comigo? — escapou sem eu pensar.

— Isso é jeito de falar, menina?! — gritou meu pai, espantado.

Ai, meu Deus. Eu era assim mesmo: falava sem filtro. E com Henrique ali, parecia que meu cérebro tinha tirado férias. Suspirei, revirei os olhos e ouvi meu pai dizer, enquanto me afastava:

— Desculpe. Você a conhece, essa menina é terrível quando quer. Fique pro almoço, Henrique.

Olhei de relance para trás. Henrique ainda estava de pé perto da Mimosa, o chapéu nas mãos e aquele meio sorriso no rosto — o mesmo de anos atrás, quando ele ria das minhas travessuras. Mas agora havia algo diferente naquele sorriso... algo que me fez o coração acelerar de um jeito que eu não estava pronta pra admitir.

Enquanto subia para o quarto, ouvi a voz do meu pai e a risada dele ecoando no curral. Sorri sozinha. Talvez o rancho fosse o mesmo, mas alguma coisa dentro de mim — e talvez dentro de Henrique também — já não era mais.

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