THIAGO
Ela dormiu no sofá. Juro que eu ia deixar, mas tava num sono pesado, os cílios longos batendo na bochecha, o peito subindo devagar… parecia em paz pela primeira vez desde que chegou. Fiquei ali parado, olhando. Não sei quanto tempo. Ajoelhei do lado dela, passei o braço por baixo das pernas e outro pelas costas, bem devagar, sem querer acordar. Mas o corpo dela tava quente demais… encostou no meu peito como se fosse parte de mim. Eu levantei, ia levando ela pro quarto… Mas ela abriu os olhos. — Tio… — Calma, Mirela, só tô te levando pra cama. — Falei baixo, quase num sussurro. — Deita comigo… só hoje. Por favor. — Ela pediu com uma voz mansa, sonolenta, mas cheia de significado. Travei. Podia dizer não. Devia. Mas o corpo dela colado no meu, aquele pedido do jeitinho que ela fez… não sei da onde veio a audácia, só sei que fui. Me deitei atrás dela, por cima do lençol. O colchão afundou, o quarto ficou num silêncio tão pesado que dava pra ouvir meu coração batendo. Ela puxou minha mão e colocou na barriga dela. Devagar. Como quem já sabia o que queria. Minha palma aberta pousada ali, sentindo o calor da pele sob a blusa fina. Não encostei mais. Juro. Me mantive longe, quase sem respirar, com medo de qualquer movimento fazer aquilo passar de limite. Mas aí… o cheiro dela subiu. A nuca perfumada, aquele cabelo espalhado no travesseiro, o corpo relaxando, se encaixando no meu. Aconteceu. Meu corpo reagiu. Senti o volume crescer no meio das pernas, sem controle. Senti o sangue ferver, o suor brotar na testa, a respiração travar. E ela ali… dormindo. Inocente. Fiquei alguns minutos parado, imóvel, querendo fugir de mim mesmo. Quando percebi que ela realmente tinha pegado no sono, bem quietinha, a respiração profunda… tirei a mão com cuidado, saí da cama em silêncio e fui direto pro banheiro do meu quarto. Fechei a porta com força. Me encarei no espelho, respiração pesada, olhos vermelhos de tensão. Era só uma garota… uma garota que acabou de perder os pais. Que droga eu tava fazendo? Liguei o chuveiro, tirei a roupa e entrei debaixo da água gelada como se pudesse congelar o que tava queimando por dentro. A água descia gelada, mas não lavava a culpa, nem diminuía a vontade. Ela era só uma menina, e eu… um homem fudido, cheio de desejos errados e impulsos que não devia ter. Mas aquela noite… mudou tudo. E eu sabia que, dali pra frente, não ia mais conseguir enxergar Mirela da mesma forma. --- O suor ainda escorria pelas minhas costas quando entrei no apartamento. Depois de duas horas socando ferro na academia, achei que ia conseguir tirar Mirela da cabeça. Mas não funcionou. Ela tava grudada em mim igual tatuagem. Peguei uma garrafa d’água na geladeira e fui em direção à varanda, pronto pra esquecer qualquer ideia maluca da noite anterior. Mas a cena me paralisou. Lá estava ela. Sentada na poltrona branca de palha, perna cruzada, vestido curto de alcinha voando com o vento. Cabelo preso num coque bagunçado, os fios soltos dançando em volta do rosto. E o mais irritante: rindo. Rindo alto, jogando a cabeça pra trás. Com um cara colado nela. Um moleque, na real. Camisa polo, cabelo milimetricamente penteado, aquele tipo certinho que se acha. Mas o pior não foi o riso. Foi o beijo. O desgraçado beijou o pescoço dela. Devagar. Com intimidade. Aquele toque queimou meu sangue. Avancei, sem pensar. — Quem é esse, Mirela? — minha voz saiu seca, firme, afiada como faca. Ela se virou, os olhos azuis brilhando com o reflexo do sol, inocente e provocante ao mesmo tempo. Um sorriso leve nos lábios, como se nada tivesse errado. — Meu namorado Rodrigo. Esse é o Thiago, meu tio. — disse, ainda olhando pro cara, não pra mim. A provocação tava ali. Nos olhos, no tom, no jeito de enfatizar a palavra “tio”. O tal moleque se levantou e estendeu a mão pra mim com confiança. — Prazer, senhor Thiago. Sou Rodrigo de Leon. Apertei a mão dele com força. Mais do que devia. Mais do que um aperto normal. Eu sabia. E ele também. O sorriso do garoto vacilou por um segundo. A segurança virou cautela. Segurei firme, demorando meio segundo a mais. Só pra ele entender. Só pra ele sentir. — Prazer. — disse, olhando nos olhos dele. Friamente. Rodrigo se afastou um pouco, ajeitando a gola da camisa, mas não soltou Mirela. A mão dele ainda repousava no joelho dela. Meu estômago virou. Eu tava fervendo de ciúmes. O tipo de ciúmes que vem com gosto amargo na boca. E o pior: ciúmes de alguém que me chama de tio. Ciúmes de uma garota que tecnicamente é minha afilhada. Uma garota que ontem dormia no meu colo, e hoje tava ali sendo marcada por outro homem. Um moleque. Um projeto de homem. Que droga. Passei a mão na nuca, respirei fundo. Eu precisava manter o controle. Não podia surtar. Não podia mostrar nada. Mas não consegui ficar ali. — Tenho que resolver umas coisas. — falei seco, já virando de costas. Ouvi ela rir baixinho enquanto eu me afastava. Um riso leve. Como se soubesse exatamente o que tava fazendo. Entrei no quarto, bati a porta com força e encostei nela, tentando me recompor. Olhei pra minha mão ainda tensa, sentindo o calor do aperto. Rodrigo de Leon… esse nome já tava na minha lista negra. Ela me fazia perder a linha com um sorriso. Me desmontava com um toque. E agora… jogava na minha cara o quanto não era mais uma menininha. Talvez ela quisesse que eu visse. Talvez aquele beijo no pescoço fosse pra mim. Talvez… Talvez eu tivesse fodido de vez.