3. Os primeiros sinais
O dia seguinte foi um pouco mais calmo. A casa estava mais aconchegante, agora que eu já sabia onde estavam as coisas e conseguia me mover de forma mais natural. Ana Clara me ajudava de vez em quando, mas continuava com aquele olhar distante, como se ainda estivesse testando minha paciência.
Gael ainda era aquele homem quieto, sempre tão focado no trabalho e nas meninas, mas havia momentos em que seus olhos se demoravam sobre mim, como se ele estivesse se perguntando o que fazer comigo, como me encaixar naquele quebra-cabeça que ele tinha chamado de vida.
A rotina se repetia, mas eu não me incomodava. Os dias estavam fluindo, e a ideia de estabilidade começava a me agradar. A ideia de uma vida sem sobressaltos. Mas havia algo dentro de mim que estava começando a se agitar, algo que eu sentia ser um reflexo do que estava acontecendo dentro de Gael. Eu sabia que ele não estava completamente à vontade comigo, mas também sabia que ele não queria demonstrar isso. Ele era do tipo que se guardava, que parecia carregar o peso do mundo sem pedir ajuda.
A verdade é que eu ainda não sabia bem o que estava fazendo ali. Eu me sentia como uma estranha, uma intrusa que tentava se encaixar no lugar errado. Mas eu precisava. As contas não esperavam, e o trabalho, por mais que me incomodasse, era minha única saída.
Naquela tarde, quando eu estava no parque com as crianças, um cara se aproximou. Ele me cumprimentou com um sorriso amigável, algo despreocupado, e me perguntou se eu queria tomar um café. Eu hesitei. Era difícil para mim, uma garota que nunca teve muita experiência com homens, saber como reagir. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de sair, de ter uma conversa normal com alguém da minha idade, me pareceu como um alívio.
Fui. E Gael não estava lá para ver.
O café foi simples. Ele era simpático, talvez um pouco mais velho do que eu imaginava, mas nada que me fizesse desconfortável. Conversamos sobre coisas triviais: trabalho, música, filmes. Ele se chamava Marcos. Ele era um tipo de pessoa que eu não costumava encontrar no meu mundo, e isso me fez sentir uma espécie de liberdade.
**
Quando voltei para a casa, Gael estava sentado na sala, com uma expressão cansada. Ele levantou os olhos para mim quando entrei e, por um momento, houve um silêncio.
— Onde estava? — ele perguntou, sem disfarçar o leve tom de curiosidade que parecia se misturar com um certo cansaço.
Eu hesitei. Era estranho, mas eu não sabia se devia contar a ele. Ele ainda era meu chefe, e a situação entre nós não era clara. Não sabia o que ele sentiria, e eu também não sabia o que eu sentia. Então, apenas respondi:
— Fui até o café com um amigo.
Gael ficou quieto por um momento, o olhar fixo em mim. Não era exatamente raiva, mas algo que parecia mais uma frustração não dita.
— Hum... — ele murmurou, com a voz baixa, quase inaudível. — Não sabia que você tinha amigos por aqui.
Eu senti a tensão na sua voz, e uma sensação estranha se formou no ar. Ele estava mais tenso, quase... ciumento? Eu não sabia como lidar com isso. Gael, o homem que tinha me dado um emprego e que estava tentando ser o melhor pai para suas filhas, demonstrava agora um tipo de possessividade que eu não esperava.
Tentei desviar o olhar. Fui até a cozinha preparar algo para as meninas, tentando ignorar o peso do olhar dele. Mas a sensação não sumiu. Ele não disse mais nada, mas eu sabia que havia algo mais em suas palavras. Algo que ele estava escondendo, e eu não conseguia entender se era medo, possessividade ou uma combinação de ambos.
**
Na noite seguinte, enquanto eu estava preparando o jantar, vi Gael novamente. Ele estava na sala, mas seus olhos não estavam em mim. Ele estava olhando para algo distante, perdido nos próprios pensamentos. Ele parecia distante, mas ao mesmo tempo, tão presente.
Eu queria perguntar o que estava acontecendo, mas sabia que ele nunca iria me contar. Ele não se abria para ninguém. E eu... Eu não sabia se tinha coragem de insistir.
Mas no fundo, algo dentro de mim estava começando a mudar. Talvez, estivesse começando a perceber que havia mais entre nós do que ele queria admitir. Que a diferença de idade, que o fazia se sentir distante de mim, talvez fosse o que realmente nos unisse. Ambos com medos diferentes, mas com a mesma sensação de estar perdido.
Eu não sabia onde aquilo nos levaria, mas sabia que não seria fácil. E eu estava começando a sentir que Gael também estava percebendo isso.
**
Eu saí para caminhar um pouco sozinha, sem destino. Queria sentir o vento, a sensação de liberdade. Precisava disso.
Foi quando meu celular tocou. Era uma mensagem de Marcos. “Oi, Lívia. Estava pensando em você. Como você está?”
Eu hesitei antes de responder. A tentação de voltar ao que era simples, o que me fazia sentir uma vida normal, era grande. Mas eu sabia que o caminho que estava trilhando era mais complicado do que parecia.
Encontrei o botão de resposta e comecei a digitar.