2. O primeiro dia

O sol se levantou pela janela do meu quarto, entrando tímido, como se também estivesse me observando, perguntando se eu estava pronta para o que estava por vir. A casa estava em silêncio. Ao contrário dos lugares onde vivi, aqui não havia gritos ou pressa. Era um lugar que se acostumara à calma, mas eu não sabia se estava preparada para ela.

Levantei da cama devagar, sentindo o corpo ainda um pouco tenso. O primeiro dia nunca é fácil, e eu sabia que, embora tivesse passado a noite ali, o verdadeiro teste começaria agora.

Desci para a cozinha, e logo vi Gael. Ele estava sentado à mesa, uma xícara de café nas mãos, os olhos ainda pesados de quem não dorme bem. O jeito dele sempre parecia ser de quem estava carregando algo muito grande dentro de si, algo que ele se recusava a mostrar. Não sabia por que, mas havia algo em sua postura que me fazia querer protegê-lo. Talvez fosse o modo como ele cuidava das meninas, ou talvez, algo que eu ainda não conseguia entender.

— Bom dia. — falei, tentando soar natural.

Ele levantou o olhar para mim, um breve sorriso passando por seus lábios, mas logo se apagando.

— Bom dia, Lívia. Como dormiu? — A voz dele estava rouca, como se também estivesse se esforçando para fazer tudo dar certo.

— Bem, obrigada. — respondi, ajeitando a cadeira para sentar.

Ele fez um gesto com a mão, indicando que eu poderia começar a preparar o café da manhã. Me sentei ao lado dele, em silêncio, enquanto a casa começava a acordar. O som das crianças se movendo nos quartos ao fundo era a única coisa que quebrava o silêncio.

— Ana Clara já está acordada, deve querer o seu café da manhã logo. — ele comentou, mexendo na xícara.

Antes de eu poder responder, Ana entrou na cozinha, parecendo mais curiosa do que realmente disposta a falar. Seus olhos estavam atentos, e ela me olhou com a mesma desconfiança que eu percebera no dia anterior.

— Bom dia, Ana. — sorri para ela, tentando quebrar o gelo. Ela apenas assentiu e se sentou na mesa, pegando uma fatia de pão.

Enquanto eu preparava as coisas para o café, percebi o modo como Gael observava cada movimento meu. Não estava me observando de forma invasiva, mas de um jeito cuidadoso, como quem ainda estava tentando entender quem eu era.

— Você está se saindo bem. — ele disse, a voz mais baixa, enquanto pegava mais um gole de café.

Eu não sabia o que dizer a isso, então apenas sorri.

**

O resto da manhã foi um vai e vem entre os quartos, a comida que precisava ser preparada, a casa que precisava ser organizada. Ana Clara ajudava um pouco, mas não muito. Ela parecia mais perdida do que disposta a aprender, e eu, com meus poucos conhecimentos de mãe, tentava não me deixar levar pelo cansaço. O que mais me impressionava, no entanto, era a forma como Gael estava sempre por perto, mas ao mesmo tempo, se mantendo à distância. Ele falava pouco, mas seu olhar dizia muito.

Quando Helena acordou, eu a peguei no berço. Ela estava inquieta, chorando como só bebês sabem fazer. O calor da sua pele e o seu cheiro me acalmaram de imediato, e eu percebi como cuidar dela me fazia sentir útil, como se eu realmente estivesse fazendo a diferença. Gael apareceu no quarto, observando tudo sem fazer muito alarde.

— Está fazendo bem com ela. — ele disse, e dessa vez, a voz dele parecia mais suave. Não era uma crítica, mas uma observação.

Eu olhei para ele, tentando entender o que estava por trás daquele olhar. Ele parecia um homem quebrado, alguém que havia perdido mais do que deveria, mas que ainda tentava seguir em frente, por causa das meninas, talvez.

— Eu estou tentando. — respondi, o coração apertado, como se estivesse me abrindo para ele sem querer. Era estranho, eu mal o conhecia, mas algo naquele olhar me fazia sentir que ele precisava de alguém, mesmo que não soubesse disso ainda.

**

A tarde passou sem grandes incidentes. Ana Clara e eu tentamos arrumar os brinquedos na sala, enquanto Gael ficou no escritório, dando atenção ao trabalho. Eu sabia que ele não estava completamente distante, mas também não parecia querer se envolver muito. O silêncio entre nós dois se tornava cada vez mais presente, como uma parede invisível que ele construía sem perceber.

Mais tarde, quando a noite se aproximava e a casa começava a se silenciar novamente, ele apareceu na sala.

— Você pode ficar um pouco mais? Se precisar de algo, é só pedir. — Ele falou, a voz baixa e firme, mas com uma ponta de suavidade que eu não havia percebido antes.

Eu me virei para ele, sem saber exatamente o que dizer. As palavras estavam lá, presas na minha garganta, mas eu não sabia se estava pronta para abrir tudo de uma vez. O que eu queria, na verdade, era saber o que ele sentia. Mas isso parecia algo que ele não estava disposto a dividir ainda.

— Claro. Vou ficar, sem problemas. — eu disse, tentando parecer mais confiante do que realmente me sentia.

Ele assentiu, e por um momento, ambos ficamos em silêncio. Eu sabia que o caminho seria longo. Ele tinha suas feridas, eu também tinha as minhas. Mas, de algum modo, parecia que ali, naquele espaço frio e silencioso, havia algo que começava a se construir entre nós. Algo lento, mas que, talvez, fosse forte o suficiente para resistir ao tempo.

E eu estava começando a querer descobrir o que seria isso.

Nathan

esse foi enorme... o próximo 🔥

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