4. Estranhezas

Quando cheguei à cozinha naquela manhã, Gael já estava lá. Ele raramente falava muito cedo, e dessa vez não foi diferente. Estava de pé, encostado no balcão, camisa social semiaberta, cabelo ainda molhado do banho. O cheiro do café recém-passado misturava-se ao do perfume dele, amadeirado, sutil, mas marcante.

— Bom dia — murmurei, tentando não parecer afetada pela presença dele.

Ele respondeu com um aceno e um leve “bom dia”, sem tirar os olhos do jornal.

Coloquei a mamadeira da pequena Helena para esquentar, enquanto Ana Clara terminava o café da manhã com expressão sonolenta. O silêncio parecia comum na casa, mas aquele dia ele pesava diferente. Havia algo no ar. Não era raiva, mas talvez desconforto.

— Onde vai hoje? — ele perguntou, ainda sem me encarar.

Demorei um pouco para entender que a pergunta era pra mim.

— Eu... depois do almoço, vou sair um pouco. Marcos me convidou pra... tomar sorvete.

O nome escapou fácil demais. Eu não sabia por que tinha dito com tanta naturalidade, talvez por querer mostrar que tinha uma vida além daquela casa. Ou talvez por esperar, secretamente, que aquilo causasse algum tipo de reação.

Ele não respondeu. Só fechou o jornal com um pouco mais de força do que o necessário e saiu da cozinha dizendo que precisava resolver algo no escritório.

Fiquei ali, com o som da chaleira apitando ao fundo e um leve gosto de arrependimento na boca. Por quê? Por dizer que ia sair? Por mencionar o nome de outro homem? Era só um sorvete. Uma conversa. Uma distração.

**

No fim da tarde, me arrumei. Escolhi algo simples — vestido florido até o joelho, cabelos soltos. Eu não era exatamente vaidosa, mas fazia tempo que não me arrumava para sair com alguém. Mesmo que fosse só para conversar.

Quando passei pela sala, com a bebê já no colo, pronta para deixá-la com Gael, percebi o olhar dele. Rápido, breve, mas presente. Ele não disse nada, mas parecia incomodado.

— Eu volto antes das oito — avisei, ajeitando a bolsa no ombro.

— Certo.

— Ela já mamou — apontei para Helena, que estava quase dormindo.

— Obrigado, Lívia.

A forma como ele pronunciou meu nome fez minha pele arrepiar. Séria, firme, mas com algo implícito. Algo que eu não soube nomear.

**

Marcos foi gentil. Como sempre. Rimos, conversamos, ele me contou sobre sua família, seus planos de viajar. Mas minha cabeça, por mais que eu quisesse, não estava totalmente ali. Parte de mim estava em casa. Pensando se Ana Clara aceitou brincar. Pensando se Gael deu a mamadeira no horário. Pensando se... ele estava pensando em mim.

Era absurdo. Eu sabia disso. Ele era meu patrão. Tinha 37 anos. Era pai. Viúvo. E eu... eu era só uma garota tentando sobreviver. Mas aquele desconforto em seu olhar, aquela rigidez silenciosa, me deixava inquieta.

Quando voltei, a casa estava quieta. Helena dormia no berço. Ana Clara também já estava em seu quarto. Encontrei Gael no sofá, com um copo de whisky na mão, a televisão ligada em algum documentário qualquer.

— Cheguei.

— Percebi.

Houve um silêncio.

— Ela dormiu bem? — perguntei, tentando soar casual.

— Sim. Está tudo certo.

Mais silêncio.

Estava prestes a subir quando ele falou, sem me encarar:

— Ele é seu namorado?

Demorei a entender. Depois percebi. Marcos.

— Não — respondi, com um leve sorriso. — Só um amigo.

Ele assentiu. Depois virou-se um pouco e me olhou, com o semblante sério, mas... mais jovem, menos rígido por um instante.

— Não quero me meter, mas... tome cuidado. Você é nova. Às vezes, as pessoas não são o que parecem.

Aquelas palavras ecoaram de um jeito estranho. Pareciam vir de um lugar mais íntimo do que ele deixava transparecer. E, por um momento, senti que ele queria dizer mais, mas se calou.

Subi sem dizer nada. Mas naquela noite, demorou muito para eu conseguir dormir.

**

Eu não sabia o que era aquilo que começava a tomar espaço entre nós. Mas sabia que, por mais que tentássemos negar... alguma coisa estava mudando.

Nathan

beijos 😍

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