LEON
Nova York parecia imóvel. Mas não era a cidade que estava parada — era Leon. De pé, no 93º andar da Vellamo Tower, olhando pra imensidão como se pudesse congelar o mundo só pra organizar os próprios pensamentos. Só que hoje… o pensamento não obedecia. Clara Antonelli. A mulher que entrou na sala como se não devesse nada. Como se não quisesse nada. Como se ele fosse mais uma estrutura que ela pudesse reformar — com calma, com sarcasmo e com a porra de um olhar que fazia rachaduras em paredes que nem existiam. Leon apertou o maxilar. Pegou o celular. Digitou um número antigo, mas ainda muito útil. — Vem aqui. Agora. Dois minutos depois, a porta se abriu sem cerimônia. Miguel Lacerda apareceu — o único que ainda tinha acesso direto a ele sem agendar nem pedir permissão. Loiro, esguio, bonito demais pra ser levado a sério, mas inteligente demais pra ser subestimado. Vestia blazer creme, tênis de couro e uma confiança herdada de gerações ricas. Não era sócio. Mas tinha ações. E sabia coisas. — Ok, o que rolou? — Miguel entrou e já foi direto ao bar. — Derrubaram a torre? Ou alguém mexeu na base? Leon apenas virou o copo e respondeu: — Quero tudo sobre Clara Antonelli. Miguel parou no meio do movimento de servir. — A arquiteta? — Formação. Histórico. Clientes. Como pensa. Onde pisa. Quero saber o que move ela. E o que derruba. Miguel riu baixo. — Isso é tática ou fixação? Leon respondeu sem olhar: — Ainda não sei. TOC TOC TOC. A porta se abriu com delicadeza ensaiada. Cassandra entrou. Loira. Saia justa. Postura de “estou sempre disponível”, mesmo quando não é solicitada. — Senhor Vellamo — disse, com voz baixa — o contrato da filial de Boston foi reenviado. Está sobre sua mesa. E o diretor de marketing pediu para confirmar sua presença na conferência de Miami. Ela entregou os papéis. Os olhos, no entanto, estavam grudados no rosto dele como se esperassem por um toque. Ou um comando. Leon não olhou pra ela. — Pode sair. Ela hesitou. Olhou de relance pra Miguel. Saiu com a respiração contida — e os ombros ainda na esperança. Silêncio. Miguel girou o uísque no copo. Depois olhou de lado: — Você ainda tá comendo a loirinha? Leon continuou imóvel. — Quando preciso de silêncio… ela serve. Miguel soltou um assobio breve. — E agora você quer o quê com a Antonelli? Usar, testar… ou ver se ela consegue derrubar sua fachada? Leon virou-se. Os olhos estavam mais escuros que o uísque. — Quero entender com quem estou lidando. — E se você descobrir que ela é mais forte do que parece? — Melhor. Assim, posso escolher se destruo… ou deixo ela construir dentro de mim. Miguel ergue a taça. — Poético. Quase humano, vindo de você. Leon virou-se para a janela novamente. Miguel sorriu de canto, o copo ainda girando entre os dedos. — Já que hoje você tá nessa vibe filosófica… que tal fazer algo mais prático? Leon arqueou uma sobrancelha. — Tipo? — Bronx Club. Hoje. Lista VIP. Modelos. Drinks. Mentes vazias e corpos dispostos. A gente entra, bebe, escolhe. Você precisa lembrar como é ter alguém implorando no ouvido… e não desafiando sua inteligência. Leon soltou um riso seco. Deu um passo até o bar. Encheu mais metade do copo. — Faz quanto tempo desde a última vez que a gente saiu pra isso? — Tempo demais. E cá entre nós? Essa arquiteta te desestabilizou bonito. Você precisa lembrar como é quebrar alguém por prazer, não por projeto. Leon bebeu. Sentiu o gosto que queimava menos do que os olhos dela. — Me manda o endereço. Miguel abriu um sorriso predador. — Sabia que você ainda era meu sócio espiritual. Leon pegou o paletó. Olhou mais uma vez pra cidade, depois pro reflexo no vidro. — Hoje eu não quero desafio. Hoje eu quero obediência. E saiu. Sem culpa. Sem freio. Sem saber que a mulher que queria esquecer… também estaria lá.